A História Medieval sob diversas perspectivas

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Ainda hoje a Idade Média é cercada por pré-conceitos, visto que muitas informações sobre o período são divulgadas em espaços informais, sem respaldo científico ou na ética historiográfica. Numa época em que qualquer pessoa pode propagar conteúdos nem sempre verdadeiros na internet, tornaram-se fundamentais as discussões e aprofundamento na História Medieval por meio de especialistas e pesquisadores da área.

Nesse contexto, se deu o 1º Seminário Virtual de História Medieval, realizado pela área de Linguagens e Sociedade da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, entre os dias 10 e 12.ago.2021. O evento, transmitido ao vivo pelas páginas do Facebook e canais do YouTube, é uma organização da professora de História Mariana Bonat, junto à coordenadora de área, Deisily de Quadros, com auxílio dos professores Cleber Cabral e Thays Carvalho. Foram realizadas quase 2,4 mil inscrições e mais de 5,7 mil visualizações são contabilizadas até o momento.

Deisily afirma que, através do seminário, existe a oportunidade de cumprir a importante tríade do ensino superior, que é o ensino, a pesquisa e a extensão. “Temos a possibilidade de celebrar encontros, ainda que virtuais, entre professores e alunos, entre diferentes instituições de ensino, e celebrar a pesquisa, que é tão importante para qualquer tempo e talvez mais ainda para esse tempo de hoje. É o momento de a gente compartilhar conhecimentos, pesquisas, fazer ciência”, salienta a coordenadora.

Dinamara Machado, diretora da ESE, diz que por meio da educação e de conferências como essa é possível proporcionar a emancipação humana, objetivo final do evento. “Compreender os processos a partir da ciência, de todos os estudos que já foram realizados e, aí sim, criar a partir dessa experimentação um novo processo, um novo conceito”, defende.

Os três dias de seminário contaram com a participação de especialistas brasileiros e estrangeiros. A conferência de abertura aconteceu com uma exposição da professora Vânia Fróes, titular de História Medieval na Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Scriptorium da UFF, referência em estudos medievais no país. Ela abordou o tema Uma História Medieval no Brasil? e debateu sobre os assuntos expostos, sanando dúvidas daqueles que acompanhavam o evento ao vivo.

O momento cultural da primeira noite foi realizado pelo músico e professor Mateus Sokolowksi, que faz uma apresentação instrumental com o hurdy-gurdy, ou viela de roda, como também é conhecido o instrumento. “Trouxe um tema que estou estudando na minha pesquisa de doutorado. É a cantiga de Santa Maria número 26, porque trata-se de um conjunto de 427 poemas escritos em galego-português, todos no século 13, e constituem uma fonte muito preciosa para estudos da Idade Média. São músicas muito bonitas”, explica.

A live, apresentada e mediada pela professora Mariana, segue disponível para livre acesso.

Idade Média, passado e presente

Questões que envolvem o passado e o presente do período medieval marcam as discussões do segundo dia de evento, como as apropriações políticas e culturais do medievo na contemporaneidade e a peste na Idade Média, que dialoga com a atual pandemia do coronavírus. Mariana explica que a ideia é refletir sobre a concepção que foi construída sobre esta época e como se lê no presente, a partir de diferentes formas.

O professor português André Silva, doutor em História e investigador do Centro de Investigação Trandisciplinar: Cultura, Espaço e Memória da Universidade do Porto (CITCEM-UP), expõe a temática Mitos e atualidade do estudo da Peste Negra. Além de apresentar os trabalhos, as relações e pontes desenvolvidos através da pesquisa sobre o assunto, pôde desmistificar e problematizar preconceitos e impressões errôneas que ainda perpetuam sobre o período medieval.

Em seguida, o professor Carlile Lanzieri Júnior, mestre e doutor em História, que atua na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e é membro do Vivarium, Laboratório de Estudos da Antiguidade do Medievo da UFMT, apresentou o tema Hugo de São Vítor (1096-1141) e o Didascalion na retórica tradicionalista da contemporaneidade.

O especialista também é autor de livros, sendo o mais recente o Cavaleiros de cola, papel e plástico. A obra é fruto de um projeto de pesquisa iniciado em 2017. Carlile conta que estuda há muito tempo a estética belicista medieval e como se manifesta no passado e hoje.

“Não por acaso, o nome do livro é Cavaleiros de cola, papel e plástico, que remete aos cavaleiros medievais, mas revividos hoje, a partir de abordagens anacrônicas e algumas vezes até caricatas. Mas percebi que há também uma ressignificação desse passado medieval, trazendo de volta os mestres que viveram na Idade Média. Muitas vezes essa ressignificação das trajetórias e das obras desses mestres, serve como justificativa para a disseminação de ideologias absolutamente simplistas, que possuem um olhar muito vertical sobre o passado e que não percebem, muitas vezes, a pluralidade desse passado”, explica o autor.

O professor Cleber Cabral diz que as falas dos pesquisadores partem de um ponto em comum, ao estimular a discussão e aproximar a historiografia sobre a Idade Média do momento atual. Além disso, se tornam mais relevantes pelo potencial de desconstrução de narrativas que precisam de fundamentos. Mariana complementa que “quando a gente desconstrói, pode gerar, para alguns, um certo desconforto”. No entanto, o debate também gera reflexões sobre as questões levantadas.

“Muito interessante para a gente pensar a Idade Média como um tempo construído e também vivido, essa questão da alteridade com outros tempos, outras formas de vida, com outros valores. Acho que o nosso objetivo principal aqui é o conhecimento, sempre se abrir para reinterpretar, reanalisar”, salienta Mariana.

Durante o momento cultural, Cleber recitou o trecho de um poema anônimo, atribuído ao século 15, escrito em castelhano. Intitulado Danza general de la muerte, ou Dança geral da morte na tradução para o português, o texto possui mais de 20 páginas em sua integralidade.

“É interessante, porque está relacionado às danças macabras medievais, que se configuram com uma elaboração iconográfica e poética do momento da morte, final da vida. O manuscrito, que hoje é pertencente ao acervo da Biblioteca do Mosteiro Escorial da Espanha, apresenta alguns elementos interessantes relacionados ao debate”, diz Cleber.

O bate-papo completo da segunda noite de seminário pode ser acessada por meio deste link.

Diferentes contextos medievais

O terceiro e último dia de seminário foi composto por exposições de linhas de pesquisas diversas, acerca do período da Idade Média. Pesquisadores envolvidos em estudos de história medieval desde a graduação até o doutorado, que discutem temáticas dentro das referentes especificidades.

Viviane Jesuz, que tem formação interdisciplinar em Histórias e Letras, é doutora em História Medieval e atua em educação bilíngue como coordenadora pedagógica do Edify Education. A especialista apresentou o tema Percorrendo a cidade na Inglaterra Medieval, com o intuito de analisar a materialidade do local no período e também o que foi vivido lá, mais especificamente na cidade de Londres do século 14.

“Não faz sentido falar sobre a materialidade da cidade sem pensar no vivido. Percorrer a cidade também olhando para a documentação que fala sobre a cidade, para a literatura e também cartografia, para que a gente entenda quais são esses pontos fundamentais da cidade medieval inglesa”, explica.

Tereza Rocha, doutora em História, é professora da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro e atua como coordenadora pedagógica do Colégio Estadual Embaixador Raul Fernandes. A pesquisadora abordou o tema que estuda desde a graduação, intitulado Você não quer voltar para a glória? O diabo e seus agentes na Legenda Áurea (século XIII), no qual fala sobre a construção do diabo pela igreja cristã ocidental medieval. Para o estudo, analisa o livro Legenda Áurea, uma espécie de coletânea de vida de santos, que aparecem fazendo milagres, exorcizando e punindo demônios.

“Em uma obra como essa, que mostra a façanha de santos, os diabos são os antagonistas, por isso uma obra privilegiada para a gente perceber como o diabo é percebido nesse período”, aponta Tereza.

Para finalizar, Afonso Malecha, mestre em História Medieval e doutorando em História, expôs a temática O governo das cidades magrebinas durante a ocupação portuguesa (séculos XV e XVI): mouros de paz, reféns e negociações. Segundo o pesquisador, há dois objetivos principais na apresentação. O primeiro é desmontar a visão de que Portugal, durante os séculos 15 e 16, tenha dominado por completo as cidades da costa magrebina.

“Os capitães e feitores portugueses não tinham o poder total sobre essas cidades ocupadas, precisavam negociar diretamente com os conselhos de notáveis locais, ou seja, o conselho das classes dominantes que, em geral, eram comandados por um juiz ou por chefes tribais também locais. Essa dinâmica resultou em uma espécie de governo dual, sem que nenhuma das duas partes dispusesse de uma soberania completa sobre a cidade e seus entornos”, afirma.

Seguindo o estudo da conquista portuguesa, com ênfase nas negociações, o profissional busca também fazer uma revisão crítica da noção de “mouros de paz”, termo utilizado pela historiografia contemporânea para os magrebinos submissos à ordem colonial, mas que é muito raro na documentação dos séculos 15 e 16. “Essa ideia não dá conta de explicar a multiplicidade de posicionamentos políticos possíveis nesse período”, conclui.

A professora Thays Carvalho, que auxilia na mediação do último dia de evento, diz que “é sempre muito fascinante falar sobre a Idade Média” e salienta a importância do debate acadêmico, respaldado, que busca pelos fatos e não é baseado no senso comum ou em pesquisa rasa. “Todas as pessoas que falaram nesse seminário têm um aprofundamento em suas pesquisas, têm um amplo conhecimento de tudo o que estão falando”, complementa.

Para maior inclusão, as transmissões contaram com a tradução de Libras simultânea, realizada pelos intérpretes Renato Pajewski e Tiago Saretto, que compõem a equipe do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (Sianee) da Uninter. Assista ao debate completo de encerramento neste link.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Reprodução


1 thought on “A História Medieval sob diversas perspectivas

  1. Ótima iniciativa.
    Muitas pessoas conhecem a Idade Média como “Idade das Trevas”, penso, por causa das atitudes da igreja católica. O que a igreja no período medieval deixou ou não de impor à população. Por seus pensamentos obscuros, deu margem para que hoje possamos entender que a Idade Média foi um período ruim.

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