Tem Jesus pra todo mundo! A igreja perdeu a patente e agora Jesus é domínio público

Autor: (*) Daniel Guimarães Tedesco

Se existe uma figura que não permaneceu onde a colocaram, é Jesus Cristo. O Messias dos teólogos medievais escapa do dogma e reaparece como um Jesus líquido de Bauman: Filho de Deus nas igrejas, Oxalá nos terreiros, Avatar nos templos hindus, Bodhisattva no Budismo, manifestação do Tao na China. A mesma figura circula por cosmologias distintas, e em cada uma é tomada como legítima.

No universo afro-atlântico, essa mudança começa como sobrevivência e termina como reinvenção. Na Umbanda, sob o terror colonial os escravizados criaram equivalências (Jesus/Oxalá) para ocultar seus deuses, que com o tempo, a máscara virou rosto e a devoção a Cristo se funde à energia criadora africana como nova ontologia religiosa. No Haiti, Vodu e Catolicismo se atravessam sem pedir licença e o Natal torna-se tempo de calor espiritual, com banhos rituais e Missa do Galo lado a lado. Jesus, aproximado de loas como Ogou ou Damballah, não apaga a cosmologia africana, é absorvido e reconfigurado. Na África, algo similar ocorre em tradições Iorubás e Bantu com o “deus estrangeiro” digerido. Nas igrejas Aladura ou em sincretismos bakongo, Jesus é força de luz, cura e profecia, mas sem exclusividade. Serve tanto como escudo histórico para manter orixás vivos quanto como ponto de encontro ético entre mundos. Que lindo isso!

Entre povos originários das Américas temos uma antropofagia teológica. Nos Andes, o Natal tenta substituir o Kapak Raymi, mas o resultado é o Niño Manuelito; um Jesus indígena, vestido com tecidos incas, ligado ao ciclo agrícola e ao retorno do sol, fundindo a esperança messiânica cristã com a ciclicidade agrária e a reverência à Pachamama. Na Amazônia, o presépio migra para a maloca e Cristo nasce entre onças e araras, como espírito protetor da floresta, legitimando a vida cabocla diante do luxo colonial. Na Mesoamérica, as Posadas transformam o Natal em crítica política, e o Menino Jesus é o pobre perseguido, Herodes veste, sem pudor, a cara do conquistador espanhol.

Fora do eixo colonial, outras linguagens fazem o mesmo trabalho. No hinduísmo, Jesus cabe como Avatar, pois se é Deus encarnado, entra na lista mas ao lado de Krishna e Rama, não acima deles. O escândalo para o exclusivismo cristão é reconhecimento de que o divino assume múltiplas formas. No Budismo Mahāyāna, Jesus é lido como Bodhisattva, alguém que entrega a própria vida pela libertação alheia. A morte de Cristo significa coisas distintas em cada tradição, mas mantém função salvífica em ambas, ainda que salvação não seja a mesma palavra por baixo. No Taoísmo, ele é manifestação do Tao, que é elegante filosoficamente, mas às custas de empalidecer o Jesus histórico em favor do símbolo metafísico.

Se Jesus é simultaneamente Oxalá, Avatar, Bodhisattva e manifestação do Tao, isso não representa colapso teológico, mas expansão do significado religioso. A teologia pós-colonial reconhece tudo como expressões legítimas de agência espiritual, onde povos colonizados deslocam Jesus para suas cosmologias dando universalidade genuína, enraizando-o em novos solos. O pluralismo teológico na verdade religiosa multidimensional, com Jesus exclusivo Salvador para o cristão e simultaneamente várias manifestações de Jesus, com cada tradição acessando dimensões distintas do transcendente.

A multiplicidade de Cristos cridos não apaga o Jesus histórico, mas o transfigura em formas culturais capazes de transformar comunidades radicalmente diferentes. Não é relativismo, mas o reconhecimento de que símbolos religiosos significam coisas diversas sem perder força. O Jesus exclusivo dos teólogos medievais se esvaziou, e em seu lugar surge um Jesus policêntrico que habita múltiplas tradições e as reconfigura desde dentro.

(*) Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional UNINTER.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: (*) Daniel Guimarães Tedesco
Créditos do Fotógrafo: Pexels


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *