O Evangelho segundo Paulo Henrique Nascimento

Autor: Nayara Rosolen – jornalista

“Compre uma cadeira de rodas, porque você não vai andar nunca”, foi o que Paulo Henrique Nascimento Pereira escutou de um médico neurologista aos seis anos de idade. Mesmo tão pequeno, o menino diagnosticado com paralisia cerebral diparética espástica era também muito comunicador e questionador desde cedo. “De onde você tirou isso?”, rebateu.

Quando apresentados casos de outras pessoas na mesma condição, ainda assim se negou a concordar. “Você tem uma biblioteca inteira dizendo que não vou andar e lá na minha casa tem um só livro da capa preta que diz que vou andar. É nele que eu escolho acreditar”, declarou. De família cristã, parte católica e parte evangélica, o jovem se conectou com a fé desde a infância e não demorou para começar a ler a Bíblia Sagrada.

Em Ipatinga (MG), a casa de meia-parede que dividia a moradia dos pais, Rosemeire e Paulo, e com a avó materna, Maria José, ficava em um morro da Vila Celeste, no final de uma escadaria de 26 degraus. Com as limitações físicas, não podia ir para a rua o tempo todo para brincar e correr com os amigos, por exemplo. Sem a tecnologia mais avançada de celulares, nem acesso e recurso financeiro para videogame, a mãe o alfabetizou antes dos seis anos de idade, em casa.

“Sempre tive muita facilidade, porque aos três anos já falava tudo. Minha família vê isso como uma manifestação do dom da palavra. E por isso aprendi a ler e a escrever cedo. O meu refúgio, a minha diversão, a minha brincadeira, foram os livros o tempo todo. Eu sou ‘viciado’, é uma necessidade”, explica.

Também foi Rosemeire quem levava o filho a consultas e tratamentos médicos. Paulo diz que “deve demais” à mãe. Era ela quem o carregava no ombro para fazer a fisioterapia e dormia em filas para os procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). “Uma coberta, uma garrafa de café e mais nada, tomando sol e chuva. Se não fosse ela, você não estaria conversando com o homem que está conversando hoje”, contou o jovem em entrevista para a CNU.

Paulo não acredita que tenha uma deficiência, mas sim um “chamado divino”. “Eu nunca questionei a Deus o fato de eu ter nascido com deficiência. Eu perguntei a Deus para que ele me fez deficiente e ele me respondeu durante uma leitura. Tive uma epifania, enquanto lia João, capítulo nove”, conta.

Na passagem, os discípulos questionam Jesus o porquê de um homem ser cego: “Quem pecou, este ou seus pais?”. “Nem ele pecou e nem seus pais, mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus”, respondeu.

A primeira obra lida por Paulo foi a Bíblia, por volta dos oito ou nove anos de idade. Sempre presente em cultos com a família, falava para a avó que tinha o desejo de ser pregador. Prontamente, ela respondia que precisava então ler o livro sagrado, que leu e segue lendo até hoje.

“Esse livro fala de Deus, só ele decide quem é pregador e quem não é. No momento em que você sentir que ele autorizou, vai poder ser. Mas toda vez que você achar que já leu esse livro, leia de novo, porque sempre tem algo novo a aprender”, escutava a avó dizer.

Sem Maria José, o neto diz que não conheceria a espiritualidade e a família não teria suportado todos os desafios. “Desde o ventre da minha mãe, a minha avó já profetizava: ‘esse homem vai pregar a palavra de Deus’. E por causa da experiência e intimidade dela com Deus, sou protegido até hoje. Minha avó já se foi, e o Deus que ela me apresentou me acompanha até o presente momento”, afirma.

Paulo cresceu e, contrariando a estimativa do médico, hoje anda com o apoio de uma bengala. E nem mesmo as dificuldades de mobilidade e acessibilidade foram capazes de derrubar a fé que possui. O pai, que a vida toda exerceu o ofício de pedreiro e faleceu eletrocutado durante o serviço, o ensinou que “o mundo é grande demais para querer que se adapte a você”. “Isso não significa que eu não deva lutar pelos meus direitos”, salienta.

O jovem de 31 anos chegou a trabalhar em algumas empresas como operador de caixa e assistente administrativo, mas nunca durou muito mais do que o tempo de experiência. O objetivo de vida de Paulo é poder estudar para levar o Evangelho para as pessoas e poder ajudar aqueles que precisam na convivência para uma vida melhor na Terra.

Por isso, está concluindo o curso de Teologia na Uninter e já iniciou o primeiro período de Psicanálise, também na instituição. Mesmo sem condições, Paulo teve os desejos ouvidos e, com a ajuda de pessoas que cruzaram sua trajetória, agora realiza seu sonho.

“Se com uma faculdade eu for metade do que meu pai, pedreiro formado com segundo grau, foi capaz de ser se tratando de caráter e honradez, eu posso ser chamado de homem na minha geração”, diz Paulo.

Um ato de fé

O estudante se mudou para Coronel Fabriciano (MG) há cerca de oito anos, quando se casou com a esposa, Amanda. Os dois se conheceram em um ponto de ônibus, quando ele trabalhava como operador de caixa em um supermercado. Na semana seguinte, a jovem foi às compras e passou pelo caixa de Paulo. No mês seguinte, repetiu o encontro. No dia em que Paulo foi desligado do trabalho, os dois começaram a namorar. A relação durou três meses, até oficializarem a união.

Na época, o pregador da igreja que Paulo frequentava foi contra, já que a esposa é católica e não deveriam “unir jogo desigual”. Disse que a jovem precisava provar o amor que sentia por ele, se tornando evangélica. O jovem então fez o contrário, decidiu provar o amor por Amanda ao frequentar a igreja da esposa. Mas não durou muito, pois entende que seu chamado é na igreja evangélica.

“Aprendi que meu pastor estava errado. A gente vive tão bem. Nos momentos em que eu achava que não ia conseguir alcançar os objetivos da minha vida, em que fui fraco, ela me deu força. Sem a minha esposa, eu não seria um terço do que sou hoje. E todo o conhecimento que aprendi, da minha alfabetização até a Uninter, se tornaria nada se não fosse o fato de ela estar do meu lado, me lembrando que tenho uma missão a cumprir. De vez em quando, levo uma pedrada da vida e dou um cambaleio. A pessoa que me segura é ela, uma mulher sem precedentes. Na minha vida, cometi muitos erros, mas o maior dos acertos foi ter aceitado ela como minha esposa”, declara.

Com a dificuldade de emprego, Paulo começou a vender bala no farol. Na rua de cima, ficava não só a distribuidora de doces, mas também o polo de apoio presencial (PAP) da Uninter em Coronel Fabriciano.

“Por um ato de fé, mesmo sabendo, eu costumava parar e perguntar o valor da mensalidade de Teologia e as possibilidades de desconto. A Uninter sempre teve valores acessíveis, o problema é que eu não tinha nem um centavo mesmo. Eu perguntava por acreditar que um dia teria a possibilidade de pagar e fazer”, lembra.

Até que um vídeo de Paulo viralizou no Youtube e chegou até o celular da coordenadora acadêmica e pedagógica do PAP em Coronel Fabriciano, Renata Milanez. Mesmo sem o conhecer pessoalmente, compartilhou com pessoas da cidade com poder aquisitivo e que pensava poder ajudar de alguma forma, até mesmo com um trabalho. No entanto, não obteve sucesso.

“Fiquei muito triste, porque eram pessoas que poderiam ajudar. Mas aí tive a satisfação de vê-lo no polo e entendi que, se chegou às minhas mãos, alguma coisa eu tinha que fazer. Ele não pediu bolsa, mas me dispus internamente sem falar muito com ele, porque não queria causar expectativas”, conta Renata.

A colaboradora entrou em contato com o setor de bolsas de estudo e na sequência recebeu a notificação de que, em consideração a todo o contexto de vida dele, a Uninter concederia uma bolsa de 75%, “algo que não era rotineiro”.

“Ali eu abracei e me coloquei junto com a Uninter como responsável […]. É uma empresa, mas não vende qualquer produto. O que vende é educação, possibilita a realização de sonhos, melhorias de vida, e isso não é pouco. Que todos nós enquanto colaboradores entendamos a importância que temos em todos os setores, tudo está interligado. Eu me sinto vivendo de verdade”, afirma a coordenadora.

Assim, Renata se tornou o grande suporte na vida acadêmica de Paulo. “Ela me adotou como mãe e fez toda a caminhada do meu lado, desde a bolsa até o presente momento. E se dispôs a continuar comigo enquanto eu estiver estudando. Às vezes ligo para ela para resolver um problema, não porque ela é coordenadora, mas porque o reforço emocional que ela dá para a gente é crucial. Por mais que eu ame a leitura e tenha sede de conhecimento, em se tratando de academia, eu não me formaria se não fosse por ela”, afirma o estudante.

A coordenadora garante que Paulo é e sempre foi “muito dedicado nos estudos e uma pessoa extremamente inteligente”. Foi ela a primeira pessoa para quem ele ligou quando teve a notícia de que foi aprovado no processo seletivo para um estágio na Elo. O trabalho vai acontecer em home office, por dois anos, em um projeto de inclusão.

“A minha felicidade em estagiar não está na empresa ou no tipo de trabalho e remuneração, está na possibilidade que a Elo dá em flexibilidade de horário e espaço, porque posso continuar pregando. A minha sede de estudar tudo o que estudo não é visando a retorno financeiro. Viso capacitação para ajudar o próximo. Acredito que a minha missão de vida é levar o Evangelho e melhorar a convivência das pessoas na Terra”, conclui.

Além de ser chamado para realizar palestras e pregar em vários lugares do Brasil, Paulo trabalha no crescimento e desenvolvimento da Comunidade Cristã Missionária, que nasceu da necessidade dele de ajudar o próximo.

Embora muito religioso, não se considera um fanático e o amor que sente pela Bíblia transcende para o contexto cultural, histórico, filosófico e sociológico. Foi pelo livro sagrado que se tornou um bom estudante e pretende ainda cursar as graduações de Filosofia, História e Letras. O estudante participou do programa Conversa com o Reitor do dia 10 de novembro, sobre Como a EAD deu sentido às vidas de Paulo e Daniel ao drama para sobreviver, às 9h30, pela Rádio Uninter.

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Autor: Nayara Rosolen – jornalista
Edição: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica


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