Aos 85 anos, caloura de Teologia mostra que nunca é tarde para realizar sonhos

Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de Jornalismo

Nossa vida é governada pelo tempo. Do nascimento à morte, uma sucessão de eventos marcam nossa passagem pelo mundo e dão sentido às diversas fases da vida. A passagem do tempo é tema da filosofia, da poesia e da música. Algumas vezes o tempo é amigo, outras é vilão.

Seja na poesia ou na ciência, refletir sobre o tempo e as transformações da vida é um grande desafio. Existe o momento certo para iniciar um novo projeto? Que limites nosso corpo e nossa mente nos impõem?

Esses questionamentos não passaram pela cabeça de Hyvanilde Silveira de Oliveira, que aos 85 anos de idade se tornou aluna da Uninter ao se matricular no curso de bacharelado em Teologia Bíblica Interconfessional, no polo de apoio presencial de Ourinhos (SP).

Nascida em 1936, em Santa Bárbara do Rio Pardo, atual Águas de Santa Bárbara, interior de São Paulo, é a segunda filha de dez irmãos, de pais agricultores. Waldomiro Antônio da Silveira e Florinda Carolina Bertolani criaram todos dentro da rotina da vida rural, nos cultivos de arroz, feijão, milho, batata e hortaliças. “Meus pais fizeram de tudo por nós. Eu e meus irmãos trabalhávamos na lavoura, mas estudávamos também. Conseguimos nos formar no antigo ginásio, isto é, até a quarta série primária, um privilégio para a época”, explica a caloura.

Os seis quilômetros que separavam sua casa da escola eram percorridos a pé, uma jornada que para ela era sagrada. “Levantávamos antes da cinco da manhã para preparar o almoço, que mais tarde nos traria forças na hora do recreio. Íamos em quatro para escola, eu e mais duas irmãs, além do pequeno Adair, que muitas vezes era carregado por nós no colo, por não aguentar o trajeto no alto dos seus seis anos de idade”, relembra.

Ela e suas irmãs ganharam do pai, após o término do período escolar, uma máquina de costura cada uma. Assim, aos 12 anos, Hyvanilde já iniciava o contato com o ofício que renderia seu sustento em tempos futuros. “Com 14, cursei um ano de corte e costura na cidade vizinha, Bernardino de Campos. Meus pais nos ofereceram a possibilidade de ter uma profissão, pois acreditavam que isso seria de grande importância para nós. Pude compreendê-lo décadas depois, quando essa atividade ajudou no sustento da minha família”, afirma.

Os desafios na adolescência

Aos 17 anos, Hyvanilde teve que acompanhar a recém-casada Celina, sua irmã mais velha, indo para Guaraci, no Paraná. Deixou para trás o convívio familiar e seu primeiro namorado, Otail de Oliveira, irmão do marido de Celina.

No município paranaense, as irmãs foram convidadas a dar aulas para crianças do ensino primário. “O vereador da cidade soube que nós possuíamos o ensino fundamental completo e nos ofereceu emprego de professoras. Naquela época era muito difícil ter educadores em municípios pequenos, e nós, com auxílio das orientadoras e da diretora, encaramos a novidade. Cheguei a ter uma turma de 40 alunos”.

Mas mal havia se acostumado à rotina como docente, a mãe pediu que voltasse para casa. Era a hora de dar a devida atenção ao namorado que havia deixado para trás, Otail. “Meus pais incentivavam meu namoro e temiam por minha ausência. Lembro que eles afirmavam que ele seria um bom marido para mim”.

Em 1954, aos 18 anos, Hyvanilde se casou com Otail e seguiu para a fazenda de seus sogros, na mesma região onde residia. Lá permaneceu por cerca de 10 anos, vindo a ter seu casal de filhos, Roseli Regina de Oliveira (64) e Rodines de Oliveira (61).

Em 1965, a família migrou para a cidade de Piraju (SP), pois Otail assumia o cargo de tarefeiro na manutenção da Rodovia Raposo Tavares. “Permanecemos por sete anos nesta cidade. Otail levando e trazendo trabalhadores em seu caminhão, e eu trabalhando como costureira geral, com a máquina que meu pai me deu na infância”, conta ela.

A próxima parada da família Oliveira foi na cidade de Cornélio Procópio (PR), onde em 1972 adquiriram um posto de gasolina com restaurante anexo. Segundo ela, os nove anos que atuaram como empreendedores trazem saudade. “Eram bons tempos, o fluxo era grande, servíamos cerca de 100 refeições por dia, além do alto movimento do posto. Contávamos com 18 funcionários para dar conta de todas as atividades diárias”, relata. Mas com o adoecimento de Otail tudo foi vendido, e em 1981, já com os filhos casados, a família se mudou para Ourinhos, em São Paulo.

A vida exige movimento

Otail virou gerente portuário em uma empresa de extração de areia, e Hyvanilde seguiu oferecendo serviços de costura, agora para os ourinhenses. “As pessoas traziam consigo revistas como referência e o tecido em mãos, e eu costurava o modelo que elas queriam”, afirma.

E assim foi até o ano 2000, confeccionando modelos exclusivos e sob medida em um ateliê em sua residência alugada. No mesmo ano, quando sua casa própria ficou pronta, decidiu parar de costurar e ajudar nos cuidados dos netos.

Em 2011, oficialmente aposentada, reavivou o antigo sonho de retornar aos estudos. Mas foi só em 2014 que finalmente ingressou no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), programa que permite obter certificado de conclusão do ensino fundamental para pessoas que não fizeram seus estudos na idade escolar adequada.

Não foi fácil, mas em 2021 ela concluiu o ensino médio pelo Centro Estadual de Educação para Jovens e Adultos (Ceeja), localizado no município vizinho de Piraju. “Eu dirigia 60 quilômetros e levava minha mãe para realizar as provas do Ceeja, sempre fui companheira dela nos estudos. Mesmo sem poder realizar uma festa de formatura, devido à pandemia do Covid-19, todos nós celebramos esse grande feito”, garante orgulhosa Roseli, filha de Hyvanilde.

Quem sonha não envelhece

O longo ciclo realizado para concluir o ensino fundamental e médio foi o passaporte para embarcar no verdadeiro sonho de sua vida, a formação acadêmica. Apoiada por toda família e principalmente pelos netos, ela logo iniciou a busca por uma faculdade. “Quando terminei o ensino médio, orei muito a Deus, pedindo orientação, uma luz divina, para que eu caminhasse para o curso de graduação certo. Minha neta Renata me ajudou na busca e sugeriu o curso de Teologia Bíblica da Uninter, e eu falei, é esse que eu quero!”, conta a universitária.

Atuando como missionária desde a década de 1990, Hyvanilde coopera com a promoção social de locais que necessitam de reavivamento dos conceitos religiosos e espirituais, além de colaborar em diversas frentes de ajuda humanitária a comunidades em situação de vulnerabilidade. “Eu sempre trabalhei como missionária em igrejas evangélicas, mas era pela fé, conhecimento formal eu não tinha. Estudar Teologia na Uninter vai aprimorar o que eu quero fazer. Através desta formação, quero ajudar muitas pessoas”, reitera a futura Teóloga.

A caloura iniciou sua vida acadêmica em 18 de fevereiro de 2022, e conta que está imersa em um mundo totalmente inédito, onde necessita interagir com dispositivos móveis nunca antes utilizados. “Eu conheço livros e cadernos, não é fácil para mim estudar através das telas dos aparelhos, é um mundo desconhecido, mas estou confiante e disposta para esse novo desafio”, afirma determinada.

Hoje a torcida familiar é maior, pois conta também com mais cinco netos e seis bisnetos, todos ansiosos para o dia em que a matriarca da família vai vestir a beca e receber o canudo.

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Autor: Sandy Lylia da Silva – Estagiária de Jornalismo
Edição: Larissa Drabeski
Revisão Textual: Jeferson Ferro


2 thoughts on “Aos 85 anos, caloura de Teologia mostra que nunca é tarde para realizar sonhos

  1. Tenho um grande orgulho em ter sido professora de Língua Portuguesa, no CEEJA de Piraju , desta aluna que, apesar da idade, que para ela não incomoda em nada, retornar aos estudos e hoje , com mais um desejo realizado, entrar para a faculdade e cursar Teologia Bíblia, seu grande desejo. É uma mulher dinâmica de educação ímpar e cheia de desejos. Enquando aluna do CEEJA participou do nosso projeto do livro “Minha Vida, Minha História “, no qual relata sua história de vida juntamente com a de outros alunos . Parabéns a ela e que sirva de exemplo para os mais jovens. Que Deus a abençoe nesse novo “Novo”para ela.

  2. Tenho muito orgulho de ser sua filha e participar de sua jornada estudantil.Parabens mãe,Deus continue abençoando sua vida nessa nova etapa.Obrigada Sandy e Uninter por publicar a história de minha mãe.

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