Brilha, brilha, matéria escura? O invisível vira negócio

Autor: (*) Daniel Guimarães Tedesco

A física tem uma queda irresistível pelo invisível ou pela falta de alguma coisa. Quanto menos algo aparece, mais manchetes parece render. A mais recente discussão vem de um pesquisador da Universidade de Tóquio, armado com dados do telescópio Fermi, que diz ter encontrado uma fonte de raios gama com uma energia absurda bem no centro da Via Láctea, com brilho se encaixa no que certas versões da matéria escura tipo WIMP preveem.

Pronto! A frase mágica aparece como em todos os outros carnavais cósmicos “pode ser a primeira evidência observacional direta de matéria escura”, mas que pode traduzida por “achamos um brilho suspeito e resolvemos acreditar que é o que procuramos há 40 anos”.

A matéria escura nasceu de uma ausência, o que é uma forma bonita de dizer que foi inventada na canetada. Nos anos 1930, Zwicky percebeu que as galáxias giravam rápido demais para a massa que tinham, levando a conclusão de que faltara algo puxando, segurando, equilibrando. Logo essa falta de “algo” foi chamada de matéria escura porque não emitia luz. Desde então, seguimos observando seu rastro gravitacional, mas nunca o próprio rosto. É o santo graal da física moderna: o que todo mundo jura existir, mas ninguém convida para o jantar.

E periodicamente ele quase aparece, como um excesso de pósitrons “compatível com”, um ruído em raios gama “coerente com”, uma oscilação anual “que pode ser”. Já tivemos neutrinos que pareciam mais rápidos que a luz, até alguém apertar o cabo de fibra óptica, ondas gravitacionais que sumiram ao revisarem os dados, energia escura “detectada” e logo reinterpretada como estatística empolgada. A física parece às vezes um adolescente romântico que se apaixona por qualquer ruído que dá uma piscada diferente. O ritual é bem previsível, com um artigo técnico cheio de cuidado, cercado de talvez e em princípio, que a assessoria de imprensa traduz como “podemos ter finalmente visto o invisível”. No fim, o leitor entende “acharam!”. Quando a hipótese evapora alguns meses depois, ninguém se lembra de avisar. Retratações, ao contrário de descobertas, não costumam render boas fotos de capa.

 

O caso dessa fonte de raios gama é mais um capítulo da mesma novela, mas nesse caso estamos olhando para o centro da galáxia, que é uma zona de guerra entre gás, buracos negros e campos magnéticos. Subtrai-se tudo o que se entende e o que sobra ganha o nome de “excesso”. Depois nós ajustamos um modelo teórico, escolhe-se uma massa conveniente para a WIMP, e voilá: a curva bate. A matemática fecha com elegância, mas a realidade nem sempre acompanha.

Enquanto isso, seguimos empilhando invisíveis. O modelo cosmológico padrão é quase um inventário de fantasmas: matéria escura, energia escura, inflação primordial. Todos indispensáveis, todos invisíveis, todos com ótimo senso de marketing. É uma física que de tão precisa, às vezes parece acreditar mais nas equações do que no universo que elas descrevem. E olha que eu gosto de uma matemática…

O verdadeiro espetáculo não são os raios gama, mas o brilho da própria linguagem científica quando decide virar manchete, ressignificando o verbo “descobrir” como comunicação em uma coreografia entre a dúvida e o desejo. E o universo continua mudo, sem dar entrevistas, mas nós insistimos em traduzir o silêncio em revelação.

No fim das contas, a matéria escura funciona como uma substância, mas também como espelho: quanto mais olhamos para o nada, mais vemos o que queremos ver, e talvez seja isso o que a ciência tem de mais humano: a fé persistente de que um dia o invisível vai nos retribuir o olhar, e de repente, nos conceder uma entrevista.

(*) Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ, Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional UNINTER.

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Autor: (*) Daniel Guimarães Tedesco


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