Tem horóscopo no Natal? Na verdade, tem até Mapa Astral

Autor: Daniel Guimarães Tedesco*

Algo que me incomoda é a maneira como se lida com alguns textos bíblicos, numa ansiedade intelectual que busca a todo custo validar a fé com a ciência. Com a chegada do Natal, lembro da Estrela de Belém que motivou estudiosos desde Kepler, passando por gerações de astrônomos, a gastar tinta e telescópio tentando entender o texto de Mateus, como se a fé cristã dependesse de um atestado da NASA. Mas, quanto mais se tenta explicar via Astronomia, mais a narrativa foge da lógica.

A tese de Kepler sobre a conjunção Júpiter-Saturno, por exemplo: bonita no papel, mas planetas não seguem roteiros e não estacionam sobre endereços. Os cometas pioram o quadro, pois na antiguidade eram presságios de catástrofe. Imaginar os magos orientais vendo neles o anúncio feliz de um nascimento messiânico é ser otimista sobre uma mentalidade que tremia diante do céu.

Outro detalhe que costuma passar batido é a ignorância de Herodes. Se um cometa cruzasse os céus visivelmente, por que Herodes precisaria perguntar aos magos sobre o evento? Um fenômeno visível que ninguém vê é bem estranho, e esse é o ponto fraco da hipótese que depende de algo muito brilhante no céu.

Um texto de Michael Molnar, de 1995, leva a investigação para um rumo interessante, com a sagacidade de sugerir o que um astrólogo da época realmente usaria para tomar decisões: um horóscopo natal. Em vez da astronomia, astrologia.

A chave está num detalhe de vocabulário, na expressão grega en tē anatolē. Traduzida como no Oriente, é termo técnico para o nascimento helíaco, definido como o reaparecimento de um planeta no céu da manhã. O que guiou os magos não foi um foco de luz, mas um horóscopo calculado para 17 de abril de 6 a.C. Nesse dia, no amanhecer na região da Judeia, havia uma configuração planetária rara, com Júpiter em nascimento helíaco em Áries, o Sol também em Áries (onde é exaltado), Vênus em exaltação em Peixes, Saturno em posição favorável e a Lua em conjunção estreita com Júpiter.

Em fontes como a Tetrabiblos de Ptolomeu, Áries é associado à Judeia, e Júpiter é o planeta ligado à realeza. Para um astrólogo competente da época, aquilo poderia ser lido sem muito esforço como “nasceu um grande rei na Judeia”, exatamente o que Mateus põe na boca dos magos. Essa proposta resolve as tensões do texto.

Que ironia deliciosa! A hipótese da Estrela de Belém como horóscopo implica no diálogo bíblico com a astrologia de povos pagãos, tipo de coisa que muita gente adoraria varrer para debaixo do tapete, mas que historicamente faz sentido. A proposta de Molnar só é escandalosa porque leva a sério os magos como astrólogos, e não figurantes de presépio.

É melhor aceitar que a Estrela funcione ao mesmo tempo como caso histórico, linguagem astrológica e símbolo teológico e engolir a ironia de que quem melhor reconcilia texto e realidade não é um cometa cientificamente respeitável, mas o mapa astral de pessoas que hoje seriam tratadas como esotéricas e sem credibilidade. Isso não resolve tudo, mas é intelectualmente mais honesto do que continuar fingindo que aquela estrela em cima do presépio nunca deu trabalho para ninguém.

 

*Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ e Professor da Escola Superior de Educação, Humanidades e Línguas e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Novas Tecnologias no Centro Universitário Internacional UNINTER.

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