ESGPPJS e ESSU promovem palestras sobre justiça restaurativa

Autor: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica

O Brasil tem por tradição jurídica um sistema punitivo e retributivo. Do combate às drogas a causas cíveis, a punição aos culpados é o caminho de preferência na resolução de processos, sanando violações a ordem da Lei e do Estado. Muitas vezes de efeito paliativo, a punição é aplicada aos réus sem reparação digna à vítima e sem uma participação de todos os lados para a aplicação soluções contundentes.

As escolas superiores de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança (ESGPPJS) e de Saúde Única (ESSU) da Uninter ofertaram palestras abertas aos estudantes apresentando uma forma alternativa: a justiça restaurativa. As apresentações ocorreram no campus Garcez, em Curitiba (PR), em 22 de maio de 2023. O juiz Rodrigo Dias e a assistente social e bacharel em Direito Mariana Richter dos Santos conduziram as palestras.

O que é a justiça restaurativa?

Buscando novas formas de amparo aos ofendidos e de justiça social, o campo judiciário debate há cerca de 50 anos a aplicação da justiça restaurativa. Nela, a vítima ganha papel central para o alcance da justiça no desenvolvimento de programas de reabilitação. O objetivo é dar plenitude ao caso e a todas as partes, fazendo com que a vítima possa supere o trauma sofrido e responsabilizando o ofensor pelo crime cometido.

“Vivemos numa sociedade de muitos conflitos, onde, em regra, temos um judiciário padrão e tradicional. De muito tempo para cá, tem-se percebido as possibilidades de solução de conflitos diferenciadas, de o ser humano ver as relações de outra forma. É isso que nós queremos buscar por intermédio de pessoas que têm propriedade para tratar do assunto”, disse a diretora da ESGPPJS, Débora Veneral, sobre o intuito do evento.

Ao contrário do mero encarceramento dos sistemas de punição, a justiça restaurativa faz com que os infratores reconheçam o impacto de seus delitos nas vítimas e na comunidade em geral. O princípio é de que os infratores fazem parte da comunidade em que vivem, não estando separados e blindados do convívio em comum

“Um dos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano passado é que a gente tinha 800 mil pessoas privadas de liberdade sobre a responsabilidade do Estado brasileiro. Quero que vocês me digam: em que medida isso resolve a situação de violência e da criminalidade?”, resume a professora de Serviço Social da Uninter.

Sua origem data da década de 1970, quando o psicólogo prisional Albert Eglash apresentava aos detentos os danos causados por eles às vítimas. A busca era por atitudes compensatórias, que reduzissem a reincidência de tais atos. Uma “troca de lentes”, como indica o título do mais famoso tratado a respeito desse sistema e de autoria do criminologista Howard Zehr: Trocando as lentes – Justiça restaurativa para o nosso tempo.

Zehr aponta um processo de aproximação voluntária entre todas as partes: ofensor, vítima e comunidade. O foco é atender às necessidades de cada lado, facilitando a reconstrução dos laços sociais comunitários.

“Quando acontece o crime, o tecido social se rompe. Ali a gente consegue ver quem foi prejudicado pelo quê. Hoje, para mim, um dos grandes desafios é não só a vítima entender e aceitar isso, porque temos [enquanto sociedade] um fetiche pela punição”, explica o juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Toledo (PR) sobre suas experiências na aplicação de medidas de restauração.

Sistemas judiciários como o brasileiro contam com barreiras jurídicas fundantes que dificultam a possibilidade de conciliação na esfera penal. Ainda assim, dispositivos como a Constituição Federal de 1988 e a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente permitiram avanços nessa área. Em casos de infração penal de menor potencial agressivo, há possibilidade de conciliação entre as partes, aplicando a justiça restaurativa.

Um mapeamento elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, constatou que 96% dos tribunais de justiça brasileiros (25) possuem algum tipo de iniciativa voltada à justiça restaurativa. Além disso, 60% dos tribunais regionais federais também contam com projetos do tipo.

“É fundamental entender a justiça restaurativa como um novo, que, calcado em situações geradoras de conflito, danos e de violência, poderá ressignificar a forma de trabalhar tais conflitos a partir de valores como a civilidade, humanidade e alteridade. A partir dessas novas lentes que reconhecemos a importância do debate sobre a justiça restaurativa”, pontuou o diretor da ESSU, Cristiano Caveião.

A restauração necessita da participação do Estado como mediador e provedor do diálogo entre as partes e de suas reparações. O perdão concedido pela vítima ao agressor deve ser espontânea vontade, sem pressão estatal para tanto. Os processos emocionais de perdão e arrependimento entre as partes são elementos fundamentais da justiça restaurativa.

Para que serve a utopia?

A justiça restaurativa compreende que não é perfeita e que não necessariamente atende a padrões ideais de penalidade. “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

A célebre frase do cineasta argentino Fernando Birri foi citada pela professora Mariana ao fim de sua apresentação. Apesar de erros não serem evitados, eles são diminuídos. O mesmo se aplica à harmonia social e ao julgamento de casos por meio das lentes da justiça restaurativa.

Na concepção dos juristas estadunidenses Joe Hudson e Burt Gallaway, há quatro principais formas de reparo promovidas por esse sistema:

  1. Restituição espontânea: o ofensor decide se faz reparações e de que forma;
  2. Restituição obrigatória de ação judicial civil: o tribunal determina que o réu compense a vítima e especifica como deve ser feita tal compensação;
  3. Restituição ritual: a decisão sobre reparação é de livre escolha, mas a forma de restituição é determinada;
  4. Restituição guiada: o ofensor é obrigado a reparar a vítima, mas livre para determinar a forma de compensação.

Com transmissão online e participação presencial, o debate abriu oportunidade para participação da plateia. O evento teve apoio do Instituto IBGPEX e do Instituto AMA. A noite de palestras pode ser conferida na íntegra neste link.

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Autor: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica
Créditos do Fotógrafo: Arthur Salles - Assistente de Comunicação Acadêmica


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