Obra reúne perfis e memórias, colocando a mulher negra no centro da narrativa
Autor: Renata Cristina - Assistente de comunicação
Entre memórias que permanecem e pedem passagem, o livro “Mulheres com N maiúsculo: Perfis Jornalísticos e Escrevivências Negras” foi lançado em 18 de novembro, durante o seminário Vozes Negras, no Tribunal Regional Eleitoral. A obra reúne perfis e histórias de 31 mulheres negras que são referência em suas áreas, contadas por 10 autoras e comunicadoras negras, que colocam a negritude no centro da temática.
Para trazer essas histórias, o perfil jornalístico foi escolhido como linguagem principal por sua capacidade de unir o rigor da escuta à profundidade na construção das histórias. As autoras Aline Reis, Ana Carolina Franco, Ana Carolina Pacífico, Ana Claudia Justino, Claudia Kanoni, Débora Evellyn Olimpio, Evelin Moreira, Letícia Costa, Mônica Ferreira e Sandy Silva formam o time de escritoras responsável pela obra.
O livro é uma oportunidade de conhecer o ponto de vista de diferentes referências, contadas a partir do olhar de quem carrega consigo vivências que dialogam entre si. Além disso, permite um olhar diferente a história do Brasil.
Aline Reis, uma das coordenadoras do projeto, afirma que a produção do projeto é uma experiência singular. “O trajeto nos levou a um lugar maravilhoso de conexões, de mostrar histórias que são relevantes, que são bonitas para a sociedade brasileira. Não só curitibana, não só paranaense. De desmistificar essa ideia de que a gente vive no sul branco, europeu”, relatou em seminário realizado para o lançamento.
A construção do livro é resultado de múltiplos fatores. Claudia Kanoni, responsável pelo projeto, acreditava desde a faculdade no poder da educação para a transformação social. Em determinado momento da trajetória profissional, percebeu que a luta racial também precisava fazer parte de seus debates. Foi então que começou a registrar na escrita as angústias vividas, transformando a dor em texto e, posteriormente, no projeto que deu origem à obra.
“Para além de histórias, este livro oferece referências. O jornalismo falha muito na busca por fontes, na escolha de especialistas. A gente tem mulheres ali que falam de temas complexos a partir do lugar de especialistas desse tema e que, por vezes, não são buscadas pela imprensa tradicional. E para além disso (servirem como fontes para debates de forma direta), servem como ganchos para que alguns debates sejam pautados”, afirma Claudia.
A escolha do perfil foi a partir da necessidade de aprofundar histórias, trazendo com elas o mergulho necessário na hora de entender as vivências das perfiladas. Um dos desafios, além da escrita, foi lidar com a sensibilidade exigida para contar essas trajetórias. Claudia relembra também o desafio que já começou na escolha das autoras, fontes e em como conectar as histórias. Além do desafio profissional. “Ele me provou muito como jornalista. Sobretudo questão técnica, sensibilidade, questão de percepção. Como eu sou capaz de narrar o outro a partir do que o outro está a me oferecer nesse momento. Isso para além da raça mesmo, na questão técnica”.
Narrar a experiência de mulheres negras demanda cuidado, ética e, acima de tudo, confiança. Muitas entrevistas carregam desconfianças construídas a partir de relações passadas com veículos tradicionais, que nem sempre souberam acolher suas narrativas.
Esse foi um dos pontos destacado por Sandy Silva, uma das autoras. “Quando você escreve um perfil jornalístico, você adentra na intimidade da história da pessoa e vai fazendo com que ela, de forma até forçada, revisite momentos que ela nunca parou pra ver, porque a operacionalidade do dia a dia não nos dá condição de revisitar nossa história. Quando elas param para falar de si mesmas e entenderem o que viveram, muitas vezes, vem uma cascata de emoções. É onde o perfil chega”, afirma.
Da sala de aula à escrivivência
Entre as escritoras, Letícia Costa e Sandy Silva fazem parte da história do curso de Jornalismo da Uninter. Ambas foram alunas da instituição e hoje atuam como jornalistas e comunicadoras comprometidas com narrativas que valorizam a representatividade negra.
Na obra, Letícia retrata a cantora e compositora Janine Mathias e a jornalista Dulcinéia Novaes. Para ela, a experiência aconteceu de maneira fluida. “Foi muito natural para mim. São duas mulheres que eu admiro muito, que já conheço há bastante tempo. Já tinha vontade de conhecer mais e contar a história delas.”
O processo jornalístico também ocorreu de forma orgânica. “Pesquisei na internet sobre elas antes de ir para a entrevista: matérias em que apareciam, entrevistas que já deram. Me muni de bastante informação e foi uma conversa, na verdade. Bem tranquila, bem fluida. Uma troca de ideias baseada nas informações que eu já tinha, mas também de investigação, observação, de entender o perfil delas, como são e como agem”, relembra Letícia.
Já Sandy assina os perfis ligados à terra, sendo eles o da dirigente do MST Adriana Oliveira e o da pioneira em conseguir um documento oficial de uma terra quilombola, Ana Maria Santos. Para ela, a empatia tem um papel fundamental no processo de escrita. “Reconhecer a pessoa que está sendo escrita como um par seu em primeiro lugar. Nós não passamos as mesmas dores, porque somos diferentes, mas em algum momento atravessamos o mesmo viés.”
Sandy recorda o impacto do encontro com Ana Maria: “A senhora Ana Maria, por exemplo, já tem uma idade avançada e me relatava coisas que eu vivi no colégio. Eu pensava: ‘Meu Deus, já se passaram 50, 60 anos e algumas coisas ainda não mudaram’. Quando ela falava daquelas dificuldades, daquela vivência que eu também vivi, ou que algum parente meu viveu, eu tinha ainda mais cuidado ao retratar, porque aquilo também já doeu em mim. Existe um respeito em enaltecer os pontos de vitória e a delicadeza de manejar a dor como um algodão entre cristais”, finaliza.
Autor: Renata Cristina - Assistente de comunicaçãoEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Renata Cristina







