A vulnerabilidade social concorre ao Prix Photo pelas lentes de William Cazavechia

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Com tantas imagens construídas pela publicidade e a indústria cultural, na maior parte do tempo a riqueza da simplicidade é colocada de escanteio. Muito das individualidades de cada ser humano fica perdido no cotidiano, em uma sociedade que demanda cada vez mais velocidade e não se permite a observação do momento real.

Pensando nisso, William Cazavechia, 36 anos, produziu o projeto fotográfico La survie des gens (clique no link para acessar) com reflexão sobre “a vida das pessoas em situação de vulnerabilidade social durante a pandemia do coronavírus”, na cidade de Maringá (PR). O ensaio concorre ao 10º Prix Photo, prêmio de fotografia da Aliança Francesa. Cazavechia é formado em Filosofia pela Uninter e atualmente estuda Pedagogia no polo maringaense. Iniciou o trabalho profissional como fotógrafo em 2020.

“A banalização do cotidiano pelas construções imagéticas do excepcional afeta nossas relações sociais e diretamente influem sobre nosso psíquico, como que requerendo de nós uma vivência do impossível. Especialmente as banalizações produzidas pela ocupação da vida ordinária pela lógica da mercadoria, a indústria cultural, desde nossa vivencia dos afetos, dos gestos solidários, dos lazeres, dos serviços sociais aos territórios dos direitos e do trabalho, afetam nossas relações sociais e diretamente influem sobre nosso psíquismo e definem os circuitos ideológicos de nossos ambientes urbanos”, acredita.

Por isso, o estudante diz que a fotografia pode revelar aspectos “(des)funcionais” da cidade. Ele exemplifica a questão com uma citação de Guy Debord, de 1961, no texto Perspectives de Modifications Conscientes dans la Vie Quotidienne: “as cidades novas atuais representam claramente a tendência totalitária da organização da vida pelo capitalismo moderno: isola os indivíduos, visando reduzir suas vidas à pura trivialidade do repetitivo”.

De acordo com Cazavechia, é possível refletir sobre a fotografia como uma captura do instante e, ao mesmo tempo, “confrontar-nos com a possibilidade de existência dessa vida como um lugar comum, que se por acaso observado, está repleto de possibilidades de transformação pela riqueza nele acumulado e pela miséria nele presente”, afirma. “A captura do cotidiano, ou a fotografia de rua, apresenta-se nesse sentido como um meio de retratar esse paradoxo e, ainda, explicitar o paradoxo estético da bela fotografia que traz à luz a barbárie da vida triste e brutalizada pelas experiências econômicas neoliberais”, completa.

A escolha da cidade se deu pelos recursos disponíveis e envolvimento com o cotidiano de Maringá. Mas o profissional acredita que o projeto tem “amplitude e corpo conceitual” para expandir por todo o Brasil.

Cazavechia conta que deve a participação no 10º Prix Photo ao incentivo recebido de uma amiga, a professora-doutora Ligiane Aparecida da Silva, que atua na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

“A participação neste concurso ajudou a consolidar a iniciativa de formular e desenvolver projetos de fotografia urbana e documental com fins artísticos e sociais. Esse empreendimento marcou o início de uma nova fase com a fotografia e coincide com uma ampliação das minhas atividades como pesquisador e professor”, diz.

O profissional ainda acrescenta que “o título do projeto em francês é um pequeno gesto de reconhecimento do importante serviço prestado por essa escola de francês e de agradecimento pela criação desse espaço livre para fotógrafos(as) de todo o país”.

O caminho até a fotografia

O interesse pela formação em filosofia se deu por questões impostas pela vida cotidiana, na medida em que percebia as mudanças sociais no passar do tempo. A verdade, a realidade, o sentido da vida e a construção da linguagem humana eram tópicos que instigavam a curiosidade de Cazavechia, assim como a política, a sociedade, a cultura, a religião e a arte, que o deixavam inquieto, visto a evidência da desigualdade social e o racismo estrutural da sociedade brasileira.

“Hoje vejo que, na época, o horizonte desmilitarizado da escola e os correntes processos de democratização da formação superior me fizeram entender que mesmo sendo filho das classes subalternas poderia exercer a práxis do pensamento crítico e contribuir para com a produção social promovendo a reflexão sobre estas questões como professor e pesquisador, e obter o bacharelado em Filosofia”, conta.

O primeiro diploma de nível superior veio do curso de teologia, finalizado em 2007. Dez anos depois, em 2017, Cazavechia lançava o livro A educação para além da sala de aula no pensamento do intelectual Herbet Marshall McLuhan (1911-1980), resultado de um mestrado em Educação na Universidade Estadual de Maringá. Em 2018, iniciou o doutorado em Educação na mesma universidade e conta com apoio financeiro do CNPq, com desenvolvimento de pesquisas sobre educação, cultura e religião.

Durante o período da primeira graduação, conheceu Diene Carneiro, hoje diretora do polo da Uninter em Maringá, e retomou os estudos de Filosofia no centro universitário, concluído em 2019. “Retomei quando tive condições de conciliar a atividade de pesquisa, com programas como PIBIC’s, e com o trabalho na docência”, diz. Com a conclusão do curso de Pedagogia, prevista para 2022, logo também estará apto para atuar no ensino básico.

O docente conta que aprecia o trabalho do pensamento crítico com as comunidades escolares periféricas. Em 2019, criou o projeto Cinema na Escola, com fins a curadoria de cinema na escola pública, “mas os desdobramentos desastrosos do governo federal no combate à pandemia impedem o desenvolvimento desse tipo de atividade, como também de muitas outras. Assim que possível, além da filosofia e do cinema, quero desenvolver projetos com fotografia nestas comunidades também”, afirma.

O interesse pela captura de instantes

A afinidade de Cazavechia com a arte, a filosofia e a história fizeram com que surgisse a vontade de fotografar profissionalmente. Apenas em 2020 pôde se dedicar à atividade, que é a forma que encontrou de ampliar a reflexão a partir de outros recursos. O interesse se deve à presença da fotografia na sociedade “como técnica e tecnologia representante do momento histórico da contemporaneidade”. O gosto pela ideia de fotografar sempre esteve presente, mas faltavam recursos.

“Assim que isso se tornou possível, fiz as aquisições necessárias para dar início ao desenvolvimento a alguns projetos, como o ensaio La Survie des gens. Gosto de trabalhos boudoir e da possibilidade que a fotografia oferece como forma de construção da sensualidade e do erótico. Aprecio também trabalhos de estúdio, fotonarrativas e afins. Mas certamente o fotojornalismo, de onde descobri o trabalho documental e a fotografia de rua, foram os mais definitivos para o início da minha atividade com a fotografia”, salienta.

Cazavechia e a professora-doutora Ligiane empreendem alguns outros projetos fotográficos em comum, como um documental na cidade histórica de Lapa (PR), que consiste na produção e desenvolvimento de exposições sobre a história do Paraná. “Somos da área de educação e daí a nossa afinidade com a análise crítica da sociedade capitalista. Mas este, como outros projetos, dependem de recursos para execução e término”, explica.

O fotógrafo conta que o brasileiro Sebastião Salgado e o francês Cartier-Bresson são grandes referências e representam muito do que entende por um “quadro hegemônico de fotógrafos e fotojornalistas/documentaristas amplamente reconhecidos mundialmente”. Também dedica a construção do próprio trabalho a grupos antipublicitários, que atuam para garantir a desintoxicação do ambiente urbano de imagens-mercadorias e valorizam a fotografia para além de meras imagens, como Adbusters e Résistance à l’Agression Publicitaire. Assim como o trabalho das fotógrafas do Mamana Foto Coletivo.

“A presença da fotografia é parte constituinte da sociedade contemporânea e, como o cinema, essa arte da grafia com luz e sombra representa a formação de uma superestrutura social de uma era inteira, a da reprodutibilidade técnica da arte, para utilizarmos a expressão de Walter Benjamin. Vivemos em uma sociedade na qual a imagem fotográfica está presente desde a sua aurora. Assim, diria que minha relação com a fotografia é uma relação histórica e minha atividade como fotógrafo sintetiza, sem dúvidas, essa historicidade”, conclui.

Recentemente, o profissional ampliou as atividades com a InGiRuM – Palavra & Imagem, um pequeno empreendimento que visa o “desenvolvimento e aperfeiçoamento das práxis do pensamento crítico por meio de prestação de serviços acadêmicos, editoriais e audiovisuais”. Cazavechia conta que nos últimos anos também despertou interesse pelo jornalismo e por estudos em comunicação social. “Espero ter condições de desenvolver estudos nestas áreas. Além disso, continuar com as atividades fotográficas, docentes e de pesquisas”, finaliza.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: William Cazavechia


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