EUA de Joe Biden retomam participação do Estado na recuperação da economia

Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo

Nove décadas separam uma crise global de outra. De ordem econômica, a Grande Depressão, iniciada nos Estados Unidos em 1929 com a quebra da bolsa de Nova York após o rompimento de uma bolha inflacionária, assolou o país e o mundo com índices maciços de fome e desemprego. Em 2019, o começo da crise sanitária provocada pela Covid-19 agravou e continua agravando as desigualdades sociais do mundo pré-pandêmico. O país norte-americano, mesmo com a distância de tempo, volta a apostar suas fichas no controle do caos por meio de estratégias de maior participação do Estado.

Franklin Delano Roosevelt serviu como 32º presidente dos Estados Unidos entre 1933 e 1945. O primeiro mandato do democrata foi inaugurado diante de uma população de 16 milhões de desempregados, correspondente a 25% de toda força de trabalho do país. Uma série de reformas promovidas pelo governo na economia, conhecida como New Deal (Novo Acordo, em tradução livre), visava à recuperação econômica e ao amparo dos cidadãos. Entre as medidas, o alto investimento em obras públicas baseadas na infraestrutura, como forma de gerar empregos; criação de um sistema de seguridade social e a fixação do salário mínimo; e o direito de organização sindical.

Os resultados na década seguinte foram animadores. Em valores da época, o PIB (Produto Interno Bruto) saltou de US$ 57 bilhões em 1933 para US$ 228 bilhões em 1945, enquanto o desemprego diminuía para 1,9%. A intervenção direta do Estado no funcionamento do jogo econômico, como um indutor de políticas sociais, inaugurava o “Estado de bem-estar social”, que viria a ser o modelo adotado na Europa ao fim da Segunda Guerra Mundial. O último mandato de Roosevelt foi abreviado em razão de seu falecimento, mas suas medidas permaneceram em voga até a ascensão do republicano Ronald Reagan à Casa Branca e do neoliberalismo ao redor do globo.

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ocupa há pouco mais de cem dias o cargo e já pôs em marcha políticas econômicas consideradas radicais para quem sempre foi visto como um moderado. Os três pacotes de estímulo lançados pelo governo americano somam US$ 6 trilhões (R$ 32,1 trilhões e cerca de 25% do PIB americano) em gastos extras voltados a recuperações de curto a longo prazo nos próximos oito anos.

O primeiro, de US$ 1,9 trilhão, tem como objetivo sanar os danos imediatos provocados pela pandemia. Aprovado pelo parlamento em março deste ano, o Plano de Resgate Americano prevê ações como as de auxílios de US$ 1,4 mil a americanos com renda anual de até US$ 80 mil por ano, US$ 1,2 mil mensais aos desempregados e reforço às campanhas de vacinação contra a Covid-19, que hoje somam 152 milhões (46,3% da população) de norte-americanos imunizados com pelo menos uma dose. A cobertura do plano é voltada especialmente às classes-baixas e médias do país, beneficiando subsídios estatais e programas de assistência social e estendendo o CARES Act de US$ 2,2 trilhões da administração do ex-presidente Donald Trump.

O pacote seguinte, de US$ 2,3 trilhões, se atém aos investimentos em infraestrutura. Da mesma forma que Roosevelt, a ideia de Biden é financiar obras públicas que empreguem parte da classe trabalhadora hoje desocupada (6,1%). Transporte público, ferrovias, aeroportos, saneamento, estradas, pontes, hospitais e creches fazem parte do plano. Uma guinada à modernização de moradias, tecnologia e energia limpa também entram na reforma.

O terceiro destina US$ 1,8 trilhão à rede de proteção social estadunidense. Os investimentos abrangem educação, saúde, cuidados infantis e licença remunerada. Não à toa, o tripé econômico passou a ser chamado pela imprensa de “New Deal de Biden”. As duas propostas dependem de aprovação no Congresso norte-americano. “Os Estados Unidos se movem, estão avançando, e não podemos parar agora”, declarou Biden em seu discurso ao Congresso em 28.abr.2021.

Para o professor de Relações Internacionais da Uninter André Frota, as propostas do presidente atendem a uma política anticíclica do governo sobre os efeitos da economia. O pensamento é de fazer o dinheiro circular numa economia recessiva a partir de gastos públicos, gerando uma reversão nesse fluxo e induzindo o poder de compra das famílias, investimentos privados e as balanças de importação e exportação.

“Esse discurso que o Biden fez no Congresso foi muito em torno de demonstrar pra opinião pública e aos parlamentares de que é necessário, nesse momento, o Estado assumir a dianteira, e isso significa injetar dinheiro pesado”, avalia.

Os investimentos têm recebido outro julgamento por parte de especialistas: uma possível frente dos Estados Unidos à China. O país asiático hoje é a segunda maior economia mundial, atrás somente dos americanos, e tem previsão de tomar a liderança em 2028, segundo estudo do britânico Centro de Pesquisa em Economia e Negócio.

A expectativa anterior era de que isso ocorresse somente em 2033, mas a resposta dos chineses à pandemia, com altos índices de isolamento social e proteção econômica, freou a queda de 6,8% do PIB no primeiro trimestre de 2020 e o impulsionou para um crescimento de 18,3% neste ano. A atenção voltada a gastos com infraestrutura, energia renovável e tecnologia de ponta é uma resposta direta a Pequim, um dos polos mais competitivos nesses aspectos e com completa intervenção estatal.

“O conjunto das iniciativas do Biden também tem uma projeção internacional, quer dizer, um olhar pra competição pela liderança global com a China”, sinaliza Luiz Domingos Costa, professor de Ciência Política. “Provavelmente, o Biden está tentando reagir a isso com tantos outros temas desse novo governo […], como a liderança na área climática.”

A conversa entre os professores foi promovida pelo programa Mundo In the News em 6.mai.21. A realização é uma parceria entre a Rádio Uninter e os cursos de Jornalismo e Relações Internacionais da instituição. O programa trata das principais manchetes do noticiário internacional e vai ao ar quinzenalmente, às 18h das quintas-feiras. Para assistir ao episódio, clique aqui.

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Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Gage Skidmore


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