A origem e o papel do Centrão na política brasileira

Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo

O Brasil chegava ao fim de mais de duas décadas de ditadura militar. A reorganização política e social deveria passar por uma nova Constituição democrática que lavrasse o ordenamento jurídico nacional. Para tanto, entre 1987 e 1988, foi formada a Assembleia Nacional Constituinte. A agremiação contava com 559 parlamentares (72 senadores e 487 deputados federais) responsáveis pela elaboração daquela que seria a sétima Carta Magna do país.

A assembleia teve como encarregado principal o presidente da Câmara dos Deputados à época, Ulysses Guimarães (PMDB). Visto como um tanto progressista, o grupo de apoio a Ulysses viu resistência de outras alas do partido, em especial daquela alinhada ao então presidente José Sarney (PMDB). Sarney, de postura conservadora, liderou a reação do chamado Centro Democrático, que já naquele momento carregava a alcunha de Centrão. O grupo tinha como objetivo frear parte das pautas consideradas progressistas, que iam contra os interesses de Sarney, e que estavam sendo inseridas na Constituição Federal.

Desde então, esse bloco que reúne partidos de diversas siglas do espectro de centro-direita da política nacional exerceu um papel importante na governabilidade e nos rumos do sistema partidário. A estimativa é de que hoje o grupo agregue de 260 a 300 parlamentares, que pendem para o governo federal do momento como forma de garantir apoio na Câmara dos Deputados e no Senado. A distribuição de verbas, secretarias e ministérios é a moeda de troca que respalda a facilitação na aprovação de projetos e na moderação política que sejam de interesse do governo.

Siglas como MDB (Movimento Democrático Brasileiro), PP (Partido Progressista), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e PL (Partido Liberal) vêm servindo de base de articulação política aos partidos que ocupam a presidência do Brasil desde 1990. Embora a classificação do Centrão e a composição de seus partidos não seja concretamente identificável, a observação da dinâmica entre os poderes Executivo e Legislativo por meio dessas características serve para classificar a atuação do grupo e de seus participantes.

“O Centrão oferece apoio político por meio de favores no interior da máquina pública, por cargos e emendas parlamentares”, comenta Luiz Domingos Costa, professor do curso de Ciência Política da Uninter.

Outro fator que ajuda na percepção do cenário político no Congresso Nacional é o da relação entre fragmentação partidária e o número efetivo de partidos (isto é, aqueles que detêm capacidade de influenciar o jogo político brasileiro). Entre os 33 partidos contabilizados hoje no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 30 conseguiram ao menos uma cadeira no Congresso nas eleições de 2018. Desses, a estimativa é de que 16 tenham recursos para mudar o cenário partidário e determinar as maiorias governamentais. A classificação segue os cálculos propostos pelos pesquisadores Markku Laakso e Rein Taagepera, explicados pela professora de Ciência Política Karolina Roeder neste vídeo.

O aumento da diluição partidária no Congresso é percebido nos anos 2000, durante o governo Lula (2003-2011). Na década e no governo seguintes, o chamado “Blocão”, liderado pelo presidente da Câmara entre 2015 e 2016, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dificultava a governabilidade de Dilma Rousseff (PT). A reação à gestão política da presidenta reuniu de 220 a 267 deputados federais, levando à abertura do processo de impeachment e culminando na deposição pelo impedimento de fato em 2016. Parte do grupo permaneceu alinhado ao sucessor, Michel Temer (PMDB), garantindo a finalização do mandato do presidente mais mal avaliado da história.

Hoje, o Centrão serve de aliado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Do início de seu mandato em 2019 até meados de 2020, Bolsonaro ignorou acordos de apoio com o grupo. O cenário deu espaço ao crescimento do DEM (Democratas) no Congresso, liderado pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que enfrentou Bolsonaro politicamente por diversas vezes.

A dificuldade em aprovar projetos e programas de interesse da base governista, agravada pela má gestão da pandemia de Covid-19, levou Bolsonaro a viabilizar o suporte do Centrão de 2020 para cá. Seus dois candidatos a presidência da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), respectivamente, foram eleitos à chefia das Casas neste ano.

Os desdobramentos políticos, econômicos e sociais decorrentes da pandemia pressionam cada vez mais o governo federal. Bolsonaro registrou em março deste ano, segundo pesquisa do PoderData, recordes negativos na avaliação de governo: 52% em “ruim/péssimo”, que coincidiu com a menor pontuação de “ótimo/bom” (24%) do governo segundo os registros do instituto.

A pressão é contabilizada nos mais de 100 pedidos de impeachment contra o presidente protocolados na Câmara e que dependem da análise de Lira. Em troca do engavetamento, Bolsonaro doa cargos ao bloco político (como nas recentes mudanças ministeriais) e leva R$ 26,5 bilhões em emendas parlamentares ao texto do Orçamento de 2021.

Para Costa, a atual fragilidade do governo federal, que passou a contrariar o discurso de negação ao “toma lá da cá” na campanha de 2018, permite ao grupo apostar num aumento de ganhos pessoais. “O Centrão está numa situação ótima de poder conseguir concessões do presidente Jair Bolsonaro até o limite em que o governo pode cair”, finaliza.

A análise faz parte dos vídeos disponibilizados pela ESGPPJS (Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança) em seu canal no YouTube. Para conferir a apresentação completa do professor Luiz Domingos Costa do dia 13.abr.21, clique aqui.

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Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Luis Macedo/Câmara dos Deputados


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