A guerra na Ucrânia não é Fla x Flu

Autor: Renan da Cruz Padilha Soares*

Bombardeio russo a antenas de telecomunicações em Kiev, capital da Ucrânia.

Quando se inicia um clássico estadual no futebol, todos os amantes do esporte (e até mesmo aqueles que não são tão apaixonados) se envolvem pela partida. O futebol é complexo e profundamente enraizado em nossa sociedade, e o clássico pode ser considerado o momento síntese dos sentimentos que o esporte desperta. Você pode não ser torcedor de nenhum dos times envolvidos, mas você acaba torcendo (contra ou a favor) para um deles. E isso é saudável.

Uma guerra não é uma partida de futebol. Um dos grandes ganhos que a pesquisa no campo da História nos dá é a compreensão que processos históricos são muito mais complexos do que as memórias coletivas nos fazem crer. Nada na História pode ser explicado por um único acontecimento, em um único dia, ou pelo julgamento moral de uma única pessoa. Evidentemente, a guerra na Ucrânia não é diferente.

Quando eclode uma guerra, até mesmo analisar os fatos é difícil. A guerra na Ucrânia é, possivelmente, o conflito mais registrado de todos, pois é captado pelos celulares dos milhares de soldados e moradores envolvidos. Ainda assim, sabemos muito bem como as redes sociais também podem gerar desinformação, informações truncadas e meias-verdades. Mas uma coisa é fato: a Rússia invadiu militarmente o país vizinho e, como consequência, temos incontáveis tragédias humanitárias.

Diante desse quadro, inúmeras pessoas escolheram apaixonadamente um dos lados. A maior parte da nossa grande mídia fez exatamente isso. Não é incompreensível que a Ucrânia tenha sido a escolhida para essa torcida apaixonada, afinal, é sua população que está sofrendo a barbárie da guerra. Mas essa escolha de lado passa a ser problemática a partir do momento que vira a paixão cega da torcida em um clássico de futebol, nublando a análise do todo, promovendo esquecimentos e análises enviesadas, principalmente daqueles que são responsáveis diretos pela informação.

Ao apontar a Rússia como agressora, não podemos esquecer o papel que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) cumpre ao estender seus tentáculos para o leste europeu representando o braço armado do imperialismo liderado pelos Estados Unidos. Ao denunciar a escalada autoritária do governo de Vladimir Putin, não se deve tergiversar sobre o autoritarismo do próprio governo de Volodymyr Zelensky, que se elege com o discurso de não ser um político tradicional, mas que possui laços com bilionários da imprensa e abraça em seu governo grupos de extrema direita.

Ao revelar o heroísmo de uma população que se defende contra o invasor e a tragédia de boa parte que foge para se proteger, não se pode ignorar que haja grupos com clara afinidade neonazista, como o chamado Batalhão Azov, que aproveitam a guerra para crescerem sua força de milícia na Ucrânia e, de fato, é uma ameaça nazista para a população daquele país.

A escolha apaixonada por um dos lados em nada contribui para compreendermos a complexidade da guerra e a sociedade ao nosso redor. Impede que aprendamos com essa situação. A imprensa que atua como se estivesse na arquibancada de um dos lados da História acaba por fortalecer os discursos de violência ao relativizar, ou negar fatos. É preciso condenar a guerra firmemente, sem que isto nuble nossa visão do todo e nos permita lutar com mais firmeza contra os absurdos desta e de todas as guerras que ainda estão em andamento.

* Renan da Cruz Padilha Soares é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Práticas na Educação Básica pelo Colégio Pedro II. É docente da área de Linguagens e Sociedade, curso de História, na Uninter.

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Autor: Renan da Cruz Padilha Soares*
Créditos do Fotógrafo: Ministério de Assuntos Internos da Ucrânia/Wikimedia Commons


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