10 anos das Jornadas de Junho: reflexões sobre a memória

Autor: Renan da Cruz Padilha Soares (*)

Se juntarmos três pessoas diferentes, que tenham idade suficiente para terem vivenciado de forma consciente os acontecimentos de junho de 2013, e pedirmos para caracterizarem aquela onda de protestos, existe a possibilidade muito grande de três análises diferentes. Isto ocorre por vários motivos: a forma como cada um experenciou aquele momento, seu ponto de vista sobre a sociedade hoje, o grupo social a qual pertence e a troca de informações. A memória é algo fascinante e traiçoeira.

Quando nos dedicamos a analisar um acontecimento recente, em que os desdobramentos são visíveis ao nosso redor, podemos cair no confortável e perigoso efeito de “causa e consequência”. Ou seja, se as Jornadas de Junho de 2013 levaram milhões de pessoas para as ruas e, em seguida, tivemos o crescimento da extrema-direita, que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Sendo assim, as manifestações de 2013 foram o primeiro ato desse processo histórico. Contudo, é sempre mais complexo.

É interessante observarmos que essa lógica de causa e consequência em relação às Jornadas de Junho é, muitas vezes, abraçada por lados opostos da política brasileira atual. No campo da direita, alguns legitimam seus atos a partir do levante do povo brasileiro iniciado em 2013. Já para parte da esquerda, junho de 2013 foi um levante de direita, com apoio da grande mídia e com intuito de derrubar o governo eleito de Dilma Rousseff em 2016, o que levou à eleição de Bolsonaro em 2018. Percebam que a memória sobre este evento do passado é construída a partir das questões do presente. Para os historiadores isto é algo já consolidado, mas, no senso comum, muitas vezes falta esta percepção.

Dez anos depois, as memórias sobre as Jornadas de Junho se moldam aos usos e abusos do presente. É a partir da forma como você pensa e vive coletivamente o presente que as suas lembranças sobre o passado se formarão, à mercê de possíveis (e prováveis) mudanças ao longo do tempo. Isso significa que nenhuma análise sobre os 10 anos das Jornadas de Junho são confiáveis? Significa que, se estivermos nos referindo às análises fora do meio acadêmico, precisamos entender o lugar social que a pessoa ocupa no presente e os seus posicionamentos atuais, para assim entender como aquele evento histórico está sendo apropriado.

Mas também devemos buscar ler e ouvir a análise de historiadores e outros cientistas sociais. Não que essas interpretações sejam imparciais, pois isso simplesmente não existe; são interpretações baseadas em métodos e técnicas científicas. As aparentes memórias dicotômicas sobre as Jornadas de Junho são, para os historiadores, fontes riquíssimas que, junto com diversos outros tipos de documentos, ajudarão na construção de uma narrativa científica sobre esses acontecimentos.

Não venho aqui apontar qual é a caracterização definitiva sobre as Jornadas de Junho, mas sim alertar que pensar as Jornadas de Junho dez anos depois é ter a compreensão de que nenhum evento histórico pode ser enquadrado de forma simples, em definições concretas. Também é ter a consciência de que as interpretações variadas dizem muito mais sobre o tempo presente do que sobre o tempo dos acontecimentos.

*Renan da Cruz Padilha Soares é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Práticas na Educação Básica pelo Colégio Pedro II e doutorando em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. É docente da área de Linguagens e Sociedade, curso de História, no Centro Universitário Internacional Uninter.

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Autor: Renan da Cruz Padilha Soares (*)
Créditos do Fotógrafo: José Cruz/Agência Brasil e divulgação


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