Os mais vulneráveis precisam ser lembrados na luta contra a pandemia

Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo

O conceito de vulnerabilidade é formulado desde os anos 1930, principalmente em discussões na área da psicologia. A palavra é oriunda do termo em latim vulnerare, que significa ferir. Não é exatamente uma novidade que a pandemia de Covid-19 expôs as diferenças sociais pré-existentes no Brasil. Além disso, ela potencializou o abismo social entre ricos e pobres, convertendo as feridas em fraturas expostas.

“A vulnerabilidade se opera quando o risco está presente”. Essas foram as palavras iniciais da professora Ana Carolina Vidigal na palestra Vulnerabilidade Social e o Pós-Pandemia, que fez parte da 1ª Maratona de Saúde Uninter. O evento tinha como tema saúde global e o mundo pós-pandemia, com 12 horas de palestras que abordaram o cuidado ao outro depois que a Covid-19 estiver controlada. A professora Ana expôs suas perspectivas para o futuro mediada pelo professor Dorival da Costa, coordenador do curso de Serviço Social.

Risco e vulnerabilidade são palavras presentes cotidianamente na área de saúde. O primeiro termo, promove um olhar amplo, entendendo os riscos que toda a sociedade corre em uma situação adversa. Já o segundo termo, está diretamente relacionado a particularidade de alguns indivíduos da sociedade e como eles estão mais pré-dispostos ao risco que outros. O risco é comum a todos, já a vulnerabilidade afeta cada indivíduo de maneira diferente.

“A vulnerabilidade social escancara as dificuldades que essa população tem de ter acesso à itens básicos de higiene, como a máscara e o álcool em gel. Acesso à água, saneamento básico. Isso tudo contribuiu para o rápido alastramento da pandemia em indivíduos vulneráveis”, explica a professora Ana.

Trabalho, renda, moradia, saneamento básico, forma de locomoção dentro da cidade. A presença ou ausência desses serviços é determinante para a vulnerabilidade social. “A melhoria nas condições de vida dessa população vulnerável através de acesso à serviços públicos como saúde, educação, habitação, nutrição, segurança pública, justiça, cultura, etc. Tudo isso vai garantir com que essa população tenha mais autonomia, capacidade de ação e minimize as situações de vulnerabilidade. Esse será o grande desafio no pós-pandemia”, comenta Ana.

Para o professor Dorival, é preciso pensar políticas públicas no pós-pandemia e o começo delas vem pelo debate. “Vai ter uma vacina. Quando? Como? Quem vai ter acesso? Como será isso? Isso poderá ser resolvido rápido? Ou teremos outras consequências? O pós-pandemia vai gerar novos desafios profissionais, políticos e sociais”, explica o professor.

A profusão de informações, característica de nosso tempo, possibilita ações mais rápidas, pelo constante acesso aos dados, mas também gera ansiedade e complica a geração de consensos na esfera pública. “A saúde mental das pessoas está abalada. Nós seremos a geração do Covid-19. Em quase um século, não houve nenhuma situação parecida em tamanho e alcance, como essa que nós estamos vivendo. Tentamos entender o hoje e pensar no que vai ser amanhã. Anteriormente, o fluxo de notícias era mais lento. Hoje, as informações chegam em tempo real. Todos os dias sabemos os números, a tecnologia nos ajuda e também impõe novos desafios”, expõe Dorival.

Acesso a cidadania é uma solução urgente

Reduzir vulnerabilidades é uma tarefa que passa pela saúde pública. Segundo a lei 8080/90 cabe ao Estado fornecê-la. Entretanto, a tendência de enxugamento da máquina pública e o teto de gastos (emenda constitucional 95, promulgada em 2016, que estaciona as despesas do governo por 20 anos) colocam em risco a implementação de políticas sociais. Ao mesmo tempo em que grupos promovem austeridade fiscal, a pandemia mostra que é preciso de investimento público para contornar as adversidades.

“Direitos e cidadania são conceitos que implicam em trazer, analisar, refletir e começar a imaginar políticas sociais que visem o desenvolvimento pessoal e social. Nesse contexto de pós-pandemia, essa será uma grande preocupação das políticas sociais”, explica a professora Ana.

A baixa capacidade material e econômica para lidar com a pandemia é uma realidade. A professora Ana propôs perguntas que devem estar no radar da gestão pública no pós-pandemia: como as famílias vão se reinserir no mercado de trabalho? Como manter alimentação, moradia e despesas básicas sem renda?

Infelizmente, seu prognóstico não é promissor para o país. “No pós-pandemia vamos enfrentar muitas adversidades. Situações de privação e um aprofundamento da vulnerabilidade social em vários setores da sociedade. A gente vai ter que pensar em políticas continuadas para atendimento desses grupos afetados pela pandemia”, comenta Ana, que trouxe um dado alarmante. “Podemos ter aumento da pobreza em 30% da população, conforme alguns estudiosos”. Isso pode trazer outras questões como aumento da violência urbana, por exemplo.

A sociedade está paralisada. Vários setores da saúde viraram sua atenção para a Covid-19, mas as outras doenças, epidemias e problemas continuam existindo.

“Existem três grandes níveis no atendimento de saúde: atenção básica, atenção secundária e procedimentos de alta complexidade. Todos esses níveis estão praticamente atendendo exclusivamente a Covid-19. E as outras especificidades? Tem algumas delas que os estudos, o atendimento, simplesmente pararam. Teremos que pensar nisso em breve. A vacina não soluciona todas as questões colocadas pela situação da pandemia do dia para a noite. É preciso observar outros fatores”, explica Ana.

A saúde do trabalhador deve ser o foco, pois ele é que fica mais vulnerável e suscetível ao aumento dos níveis de pobreza. Entretanto, o debate público direciona seu olhar mais para o aspecto econômico da crise. “Os embates estão grandes. O governo está pensando em solucionar as vulnerabilidades ou está olhando mais para o aspecto econômico? Isso é algo que preocupa no contexto que estamos passando. Parece que se tem até negligenciado a discussão da prorrogação do auxílio emergencial. Se a gente não pensar nessa prorrogação para o ano que vem, a vulnerabilidade estará tão escancarada que fica difícil mensurar os estragos”, pondera.

Economia e políticas sociais devem andar juntas para a solução dos problemas na vida pública, sejam de qual natureza forem. Segundo o professor Dorival, as políticas públicas sempre foram uma arena de interesses e tensão. A sociedade civil organizada, por meio dos movimentos sociais, deve auxiliar a pauta dos gestores públicos para que o estado possa entender onde atuar. Você pode acessar a íntegra da conversa clicando aqui.

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Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Divinomar Severino/Wikimedia Commons


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