A educação libertadora de Paulo Freire, Hannah Arendt e Rousseau

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Ainda no século 18, Jean-Jacques Rousseau escreveria longos tratados sobre a educação, indicando a inutilidade do eruditismo intelectual nos anos iniciais do indivíduo. Dois séculos adiante, Hannah Arendt faria uma crítica à educação progressista da modernidade. A eles, somou-se o educador brasileiro Paulo Freire, com sua proposta de educação emancipadora. Este último, a despeito de condenado por alguns detratores em seu país, é o autor mais citado do mundo na área das ciências humanas.

Neste mês, é comemorado o centenário de Paulo Freire (foto), que completaria 100 anos no último dia 19 de setembro se estivesse vivo. Mesmo com o falecimento em 1997, o estudioso é considerado um dos maiores educadores do século 20 e, em 2013, se tornou patrono da educação brasileira, reafirmando a importância nacional e internacional que possui.

No artigo Pedagogia do oprimido como referência: 50 anos de dados geohistóricos (1968-2017) e o perfil de seu leitor, publicado em 2019, os autores Otacilio Santana e Suzana Souza apontam que o livro Pedagogia do Oprimido já foi traduzido para 57 idiomas. “É o livro mais citado do mundo na área das ciências humanas”, garante a comunicadora social Gabriela Campos, mestre e doutoranda em educação.

Nascido em Recife (PE), em uma família de classe média, o grande impacto da crise econômica de 1929 fez com que sua vida tomasse outro caminho, quando se muda para Jaboatão dos Guararapes (PE) e encara uma realidade de pobreza e miséria. Freire é um inconformado com essa desigualdade social existente em todo o Brasil, e se dá conta disso muito cedo, a partir das leituras que faz.

O educador não tem uma teoria da educação, pronta e acabada, já que é justamente o que questiona. Mas sim uma pedagogia das práxis, que realizou através de seus experimentos. Por meio da observação da injustiça social que existe nas relações de oprimidos e opressores, propõe uma pedagogia crítica para a liberdade, que permita a conscientização de classe e reconhecimento dos sujeitos como históricos e produtores de cultura. Também defende a ideia dos indivíduos como seres inacabados, que deve estar em constante busca e aprendizado.

“Paulo Freire propõe uma pedagogia de desvelamento da realidade. Não para os educandos e educandas, mas com os educandos e educandas. Através de um diálogo horizontal, de respeito a todas as visões, que reflita sobre o mundo, pense de forma crítica e consciente. O que ele chama de leitura do mundo, que antecede a leitura da palavra. E, após a leitura da palavra, se voltar para o mundo e transformá-lo. Com uma consciência agora crítica e não mais ingênua”, afirma Gabriela.

Para o filósofo, é necessária a identificação de situações limites que geram uma visão fatalista do mundo, para que sejam superadas a partir da reflexão e da ação. No pensamento de Freire, a condição fatalista conduz os seres humanos a serem menos, mas o educador acredita que podem ser mais, através da pedagogia proposta.

“Na prática, propõe os círculos de cultura, realizando essa educação horizontal a partir do diálogo com os educandos e educandas, da participação democrática de todos e todas no processo de ensino-aprendizagem, por meio da solidariedade. Enfatiza muito a questão da esperança, que também é uma categoria muito importante nessa pedagogia das práxis, uma esperança não passiva, de esperar, como diz. É a esperança ativa, do verbo esperançar. Precisamos ter esperança de que é possível transformar a realidade e lutar para que a gente conquiste esse inédito viável”, salienta Gabriela.

No entanto, Freire passou por muitos entraves durante a caminhada da libertação. As principais experiências de educação popular foram realizadas na década de 1960, período de uma polarização política muito grande, quando acontecem vários golpes civis militares na América Latina. Apesar de chamar atenção do governo pelos bons resultados obtidos em seus trabalhos e movimentar um plano nacional de alfabetização com o então presidente João Goulart, o golpe de 1964 no Brasil interrompe todas as ações.

Freire foi acusado de subversivo pelas elites, que disseminavam diversas mentiras sobre o educador. Incomodava o fato de a pedagogia proposta iluminar os pensamentos de oprimidos para os seus direitos e a luta por questões sociais pertencentes. Para as elites, significava uma ameaça comunista. Diante disso, o filósofo foi preso duas vezes e, para não correr risco de vida, preferiu sair do país.

Primeiro se exilou em La paz, na Bolívia, depois ficou por cinco anos no Chile. Após este período, foi convidado para ser professor em Harvard e se mudou para os Estados Unidos. Chamado para ser conselheiro do conselho mundial de igrejas, foi para Genebra, na Suíça, e começa a andarilhar pelo mundo. Com isso, é convidado a participar de várias experiências de educação popular na África, com vista à emancipação da Guiné-Bissau. Além disso, passa por São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Índia, Austrália, Ilhas Fiji.

“É bem interessantes esse movimento também, porque conta nos livros que o ‘método’ dele foi totalmente reformulado em cada uma dessas experiências. Construindo educação popular nesses países e sempre militando por uma educação libertadora, na direção de uma educação humana. É curioso notar as semelhanças daquele período da década de 1960 com o agora, em que também é acusado de diversas coisas que não falou e é chamado de subversivo, comunista. Sendo que, na realidade, a sua educação é voltada para essa libertação dos oprimidos e para esse ser mais dos seres humanos”, conclui Gabriela.

Assim como Freire, outros filósofos trabalharam no sentido da liberdade e amorosidade relacionados a uma educação mais humanizada. A alemã Hannah Arendt foi uma grande teórica política que, apesar de não ser uma filósofa da educação, tem alguns textos sobre a área. A primeira, um artigo de reflexão sobre Little Rock, a autora escreve sobre o conflito da mescla de estudantes brancos e negros nas escolas estadunidenses, que antes eram educados separadamente.

No livro Entre o passado e o futuro, a teórica faz um ensaio sobre a crise na educação. Para Arendt, a crise da sociedade e da educação caminham juntas, e podem ser percebidas tanto no passado quanto o futuro. A autora é apaixonada pelo fenômeno político, mas busca a raiz do fenômeno para descobrir a origem das questões apresentadas.

“Estamos diante de uma pensadora do século 20 que tem como objetivo pensar esses tempos sombrios e que tem muito a oferecer à educação. No primeiro texto, foi bastante criticada pelo movimento negro dos Estados Unidos, mas no segundo volta para dizer ‘agora posso compreender sobre o que estou falando’. E aí, fala sobre a crise na educação, que é um texto que termina com a questão do amor. A educação é ensinar a amar o mundo, cuidar do mundo e dos nossos. É um pensamento bem interessante para a filosofia e o âmbito educacional”, afirma Rafael Furtado, mestre em educação e especialista em psicopedagogia com ênfase na educação inclusiva.

Na produção A crise na educação, Arendt faz uma crítica à educação progressista, a questão pragmática que diz ensinar a fazer a não a pensar. Neste sentido, a autora cita uma crise de autoridade, que os professores perdem. Rafael explica que, para a teórica, autoridade significa responsabilidade, o que o professor tem como missão ao cuidar dos novos, as crianças. Os professores precisam ser responsáveis ao apresentar o mundo.

“Quando estou falando sobre a escola ou na escola, tenho que entender que fora dele existe um mundo plural. E que esse mundo precisa de pessoas que consigam dialogar com temas, com os outros, e precisa cuidar da obra, coisas que têm nele para continuar existindo. A autoridade é a responsabilidade com os novos, as crianças, e responsabilidade com o mundo. A crise acaba com a autoridade, a gente não quer assumir responsabilidade pelos novos e pelo mundo”, pontua Rafael.

Arendt, encantada pela filosofia por um tempo, se decepciona com a adesão de alguns pensadores e professores ao nazismo. Por isso, durante grande parte da sua vida não gostava de ser chamada de filósofa. Apenas em sua última obra, “A vida do espírito”, não finalizada devido a sua morte em 1975, é que a teórica se reconhece como tal.

“A educação é uma prova de amor, aos novos e ao mundo. Acho que essa frase já fala muito sobre o pensamento da autora, essa capacidade de amar e cuidar da nossa casa comum. Educação como forma de amor ao mundo”, conclui Rafael Furtado.

Ainda no século 18, o filósofo Jean-Jacques Rousseau já tratava da educação dividindo em infância, adolescência e idade adulta. O teórico julgava ser inútil uma educação muito erudita nos anos iniciais, o que era habitual para a elite. Duas das obras mais importantes são O contrato social e Emílio ou da educação.

No primeiro livro, detalha o funcionamento da sociedade democrática, Rousseau apresenta a assembleia como base da democracia, com as pessoas discutindo questões e promovendo ações a partir disso. Já na segunda obra, o autor faz um paralelo e escreve quem forma a sociedade democrática, pessoas bem-educadas por uma liberdade bem regrada.

“Toda a teoria da educação que construiu, foi nesse sentido de promover a liberdade e democracia para a não servidão. Essas foram realmente as bases, assim como a educação que experimentou na infância”, explica Juliana Battistus, mestre e doutora em educação.

As produções teóricas, que começaram na idade adulta, perpassam por temas relacionados a música, arte, política, sociedade, educação. “É um filósofo muito completo e, assim, foi se tornando o homem de paradoxos que é conhecido hoje. Foi sonhador, aventureiro, filósofo, teórico político, músico. E também foi perseguido por tantos paradoxos”, salienta Juliana.

O cenário da vida de Rousseau se passa na França, com a monarquia católica e o nascimento do Iluminismo. Juliana conta que a igreja católica uniformizava e o eruditismo intelectual do iluminismo e fabricava homens que agiam como enciclopédias ambulantes. Com isso, percebeu que o ambiente educacional não era distinto entre os dois modelos. Denunciou tanto a escola da elite quanto a escola do povo, que formavam o aluno que atenda a interesses dos outros, forjando homens-modelo, presos a preceitos sociais fúteis, ou servos fieis, presos a necessidades não reais.

Rousseau passou a defender a subordinação do homem a si mesmo, formando a teoria que chamou de educação negativa e útil. Negativa, porque é menos intervencionista, e útil, porque é baseada nas necessidades reais de quem aprende. “A educação de Rousseau é pela democracia e para a democracia. Um fundamento que devemos ter em mente sempre, porque não se pode querer uma sociedade que não é aperfeiçoada no cotidiano escola”, finaliza Juliana.

Colóquio de práticas

Os profissionais debateram sobre os filósofos durante o a primeira noite do 5º Colóquio de práticas da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, realizado pela área de Educação, com o tema Intelectuais, personalidades e suas representações na sociedade. O evento aconteceu entre os dias 15 e 16.set.2021, com transmissões ao vivo, por meio da página do Facebook e canal do YoTtube. A abertura foi realizada pela coordenadora de área, a professora Gisele Cordeiro.

Em um segundo momento, as estudantes Franciele Lopes e Andreza Damaris, do curso de Pedagogia, e o estudante Henrique Barbosa, dos cursos de Letras e História, também realizaram apresentações sobre os intelectuais, com mediação das professoras Kellin Inocêncio e Vanessa Queirós. A professora Maria de Lourdes Gribner, que atua no polo do Sítio Cercado, em Curitiba (PR), unidade em que os acadêmicos estudam, também participou.

“Gostaria de agradecer a todos os envolvidos nesse momento cultural em que aborda um assunto tão importante para o mundo onde estamos inseridos. Falar de estudiosos que sempre nos trouxe assuntos que agregam nossa prática é muito importante para que essa educação seja transformada. Para o polo, é uma honra participar desse evento, é uma honra ter os nossos alunos podendo colocar as ideias deles dentro da educação, sabendo que esses educadores, que estudamos diariamente, também vão fazer parte da vida profissional dos nossos três alunos”, afirma Maria de Lourdes.

O momento cultural foi realizado por outros três acadêmicos, que prepararam uma poesia sobre cada um dos intelectuais tratados. Para maior inclusão, a transmissão contou com a tradução de libras realizada pelos intérpretes Flávio Cabral e Solange Brecailo, do Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (Sianee) da Uninter. O evento completo segue disponível para livre acesso.

Já no segundo dia, 16 de setembro, as lives foram realizadas de forma individual, com temas relacionados a cada uma das áreas de Educação, Geociências, Linguagens e Sociedade, Humanidades, Linguagens Cultural e Corporal, Exatas e EJA.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König


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