O novo governo Lula e as melancias

Autor: Luiz Domingos Costa

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene do Congresso Nacional destinada a dar posse ao presidente e ao vice-presidente da República. Em posição de respeito, convidados e parlamentares acompanham execução do Hino Nacional Brasileiro. Mesa (E/D): 1º secretário da Mesa do Congresso, deputado Giacomo Matteotti (PR-PE); presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ); presidente da República eleito, Jair Bolsonaro; presidente do Senado, senador Eunício Oliveira (MDB-CE); vice-presidente da República eleito, general Hamilton Mourão; presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli; procuradora-geral da República, Raquel Dodge; vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (MDB-MG). Foto: Pedro França/Agência Senado

Nos últimos dez anos, o Brasil passou por um giro de 180 graus na sua governabilidade. Durante os períodos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o poder Executivo preponderava com certa tranquilidade. Por meio de uma base de apoio parlamentar, esses presidentes conseguiram aprovar a maioria das leis e emendas constitucionais de sua agenda de governo, enquanto o Legislativo era um espaço para negociação e ajustes daquelas propostas. O legislativo cooperava quase que compulsoriamente em função das maiores prerrogativas do presidente. 

Essa dinâmica dependeu da combinação de presidentes com alta popularidade e bancadas partidárias grandes e dispostas a cooperar. E entre 2015 e 2020, em paralelo à degradação da Presidência da República pelos seus três últimos mandatários, os partidos começaram a se dividir e a gerar bancadas médias e pequenas. O terreno que sustentou a governabilidade entre 1994 e 2014 foi revirado e a partir de então novas espécies de relação entre o executivo e o legislativo começaram a germinar. 

Por razões distintas, o 2º mandato de Dilma, o mandato tampão de Michel Temer e o governo Bolsonaro inteiro ofereceram ao Congresso uma oportunidade de se impor e adquirir centralidade no processo político brasileiro. O jargão desgastado aqui é inevitável: em política não há espaço vazio e o Congresso ocupou muito espaço. 

A grande virada, entretanto, foi a criação das emendas secretas do orçamento. Por esse mecanismo, o parlamentar relator-geral da Lei Orçamentária Anual, adquire poder de destinar verbas da União a deputados e senadores individuais sem a indicação pública do destinatário e do valor do repasse (por isso, secreto). Isto se deu em 2020, quando o presidente Jair Bolsonaro se via às voltas com as denúncias de desvio de verba de gabinete de seu filho Flávio e em meio à torrente de críticas sobre a gestão federal da pandemia. Fragilizado, o governo abriu mão de manusear uma grande fatia do orçamento e o entregou para que a cúpula do Congresso o distribua entre os parlamentares. 

O resultado foi um empoderamento sem precedentes dos presidentes da Câmara e do Senado e dos seus partidos aliados, o chamado ‘Centrão’. Embora o STF tenha feito algumas alterações na sua execução, o orçamento de 2023 prevê uma destinação de R$ 38 bilhões para emendas parlamentares, valor próximo ao que foi repassado, nos últimos dois anos. Trata-se de cerca de 15% das despesas discricionárias da União que saem do controle do Executivo e ficam nas mãos dos caciques do Congresso. Perde o poder executivo e perdem as políticas públicas de caráter mais racional que são pensadas para sanar grandes demandas da sociedade. O orçamento secreto esfarela os recursos da pior forma possível, deixando-os ao sabor dos caprichos do deputado e das lideranças locais, não raro com desvios pulverizados na base municipal onde é destinado. 

Embora Lula tenha retomado o arranjo das coalizões entre partidos para governar, a relação entre Executivo e Legislativo não será mais como foi durante o período dourado do presidencialismo de coalizão. Depois de um solavanco, as melancias que se reviram na carroceria não voltam como estavam antes. Elas vão se ajeitando aos poucos no trajeto e ficam de outro jeito. E agora, as melancias estão mais pesadas e vão exigir muito mais cautela do motorista.  

*Luiz Domingos Costa é professor de Ciência Política do Centro Universitário Uninter. 

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Autor: Luiz Domingos Costa
Créditos do Fotógrafo: Pedro França/Agência Senado


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