O menino que escrevia à máquina

Autor: Kethlyn Saibert - Estagiária de Jornalismo

Qual o momento de escrever um livro ou dar início a um projeto de pós-doutorado no exterior? Para Guilherme Carvalho, isso começou aos 8 anos de idade – ainda que ele mal soubesse escrever e tivesse uma vaga ideia para a vida adulta. Foi num quartinho nos fundos da casa da avó paterna, Maria Clara, que o menino bateu as primeiras teclas à máquina daquele que seria o primeiro livro da sua vida. A brincadeira com as letras se tornaria coisa séria em suas futuras múltiplas profissões.

Guilherme costumava passar os fins de semana na casa da avó, no bairro Capão Raso, em Curitiba (PR). Sem muitas opções de diversão, o pequeno quarto se abriria para um mundo de possibilidades. O ano era 1987 e a avó o incentivava a contar histórias, inclusive o ensinou a trocar a fita e colocar o papel na antiga máquina de escrever. Pronto, estavam postas as condições exatamente na fase de alfabetização. O menino passava horas teclando, depois lia e achava a maior graça, mostrava para os parentes. Recebia aplausos e elogios.

Tomou gosto pela leitura e pela escrita. Calhou de, na terceira série, a professora Margarida sugerir aos alunos que escrevessem um livro; se quisessem, poderia ser a própria história. Empolgado, o menino empenhou-se à frente da máquina, depois passou o texto à mão num caderno, acrescentando desenhos e fazendo a revisão do texto. As longas horas de escrita renderam várias páginas. No fundo era tudo uma brincadeira, isso de lembrar das coisas e passar para o caderno de forma a ficar compreensível para os outros.

“Não sei o que uma criança tem para contar da vida nessa idade [risos], mas foi ali que percebi minha facilidade com a escrita”, recorda Guilherme.  Apenas ele e uma colega de turma entregaram o trabalho à professora, que pareceu entusiasmada. Ela levou os livros e depois os devolveu com os parabéns. O de Guilherme, intitulado “Minha vida”, trazia uma dedicatória à avó, que o mostrava toda orgulhosa para todo mundo. Aí surgia a inevitável pergunta: “o que você quer ser quando crescer”? O menino não fazia ideia, mas dizia que queria ser escritor.

Já perto da idade do vestibular, decidiu fazer um teste vocacional, e o resultado revelou aptidões para a área de humanas e ciências sociais. Por ser curioso e observador, procurou uma profissão que se encaixasse no que gostava de fazer. O inconsciente resgatou memórias dos tempos em que era sagrado tomar o jornal às mãos durante os churrascos de domingo para ler e estimular debates com os familiares. “Minha família sempre foi de consumir jornal e produtos jornalísticos e isso foi me instigando para a profissão”, conta.

Dito e feito. Ele escolheu o caminho da comunicação. Em 1998, começava a sua jornada no mundo do jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná. No decorrer das aulas, foi conhecendo e se apaixonando cada vez mais pela profissão. Ao compreender a importância dos meios de comunicação como objeto de formação da sociedade, percebeu que havia pouca pesquisa científica na área. Foi algo que o incomodou na época – e o impulsionou a desvendar novos territórios do conhecimento.

“Na comunicação, praticamente não existe um instituto de pesquisa vinculado ao curso superior. Tanto que, na minha turma, eu era um dos poucos que decidiu seguir carreira acadêmica. Fazer pesquisa, mestrado, doutorado, e me tornar um professor. Desde o início da graduação, tive isso muito claro para mim”, declara.

E o menino virou doutor

Durante a graduação, Guilherme fez parte do movimento estudantil e foi coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da UEPG. Com a sua experiência em movimentos sociais, conseguiu empregos na área de imprensa sindical, trabalhando em alguns sindicatos de Ponta Grossa. Em 2001, concluiu o curso e se mudou para Curitiba, onde continuou a trabalhar em assessoria de imprensa, como no Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba (Sismuc) e no Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro).

Já estabelecido na capital paranaense, o jornalista continuava com o desejo de lecionar. Porém, não havia mestrado em comunicação em Curitiba, muito menos em jornalismo. Na época, 2004, havia poucos mestrados na área de comunicação no Brasil, caso da Universidade de São Paulo (USP). Mas Guilherme não tinha condições de morar em outra cidade, menos ainda em outro estado. Acabou ficando em Curitiba mesmo, onde tinha parentes. Então, tinha onde ficar sem ter de pagar aluguel, já que não tinha muita grana na época.

“O que havia de mais próximo da área de jornalismo, nos programas de pós-graduação e que seria possível associar o jornalismo em uma pesquisa de dissertação, foi na Universidade Federal do Paraná (UFPR), com o mestrado em Sociologia”, explica. Ao tornar-se mestre em 2006, logo engatou o doutorado em Sociologia na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), concluído em 2012. O interesse pelo jornalismo ainda era latente, então fez em 2013 uma pós-graduação em Comunicação, Cultura e Arte, na PUC-PR.

Dentro da sociologia, aplicando o conhecimento científico na área da comunicação, Guilherme foi construindo sua bagagem acadêmica. Desde então, não parou mais de produzir pesquisa científica – nem de estudar. Em 2019, concluiu o seu pós-doutorado pela UEPG, depois de um estágio de três meses na Universidade de Coimbra, em Portugal, sob orientação do lendário professor João Figueira.

Em meio a tudo isso, ainda atuou na imprensa sindical. Eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindijor-PR) em 2012, tornou-se o porta-voz da categoria até 2015. “Foi um período de muita aprendizagem e dedicação. O sindicato foi um lugar em que fiz muito contato, viajei o estado inteiro, conheci as redações e era um trabalho voluntário, eu não ganhava nada para ser presidente. Era uma responsabilidade muito grande representar 10 mil jornalistas, que era o cálculo que tínhamos do estado na época”, relembra.

A paixão pelo ensino

O sonho de lecionar estava próximo, mas para isso era preciso ser contratado por alguma instituição de ensino. Em 2013, a esposa de Guilherme, Daniele, contou que havia uma instituição focada em educação a distância (EAD) que estava ganhando notoriedade. “Tem a Uninter, que é uma instituição nova. É grande, é aqui de Curitiba. Acho que você devia dar uma olhada”, ela disse.

Incentivado pela esposa, Guilherme não hesitou em ligar logo para a coordenação do curso de Jornalismo da Uninter. Ele também encaminhou um e-mail com seu currículo lattes, que àquela altura já era um lattes de dar inveja em qualquer um que desejava seguir carreira acadêmica na comunicação.

“Com o doutorado finalizado, com toda a bagagem acadêmica acumulada, vi que era hora de dar aula. Eu publicava muito artigo científico e participava de muito evento. Então, tinha uma titulação boa para entrar na Uninter. Logo me chamaram para um teste seletivo para a disciplina de Planejamento e Produção Gráfica, que era algo que eu gostava bastante, pois diagramei muito para vários jornais sindicais e jornais de bairro. Era algo que eu conhecia bem”, conta.

E assim começou a jornada de Guilherme na Uninter. O professor se destacou na instituição por ter a capacidade de dar aulas em diferentes disciplinas, das mais teóricas às mais práticas. O docente polivalente logo foi indicado para ser coordenador do curso de Jornalismo, assumindo o cargo em 2015. A indicação foi feita à Reitoria pela então coordenadora, Nívea Bona, que se mudaria para os Estados Unidos em 2016.

“Minha intenção era ser professor e pesquisador. A coordenação acabou vindo por uma série de circunstâncias”, lembra. Na época não havia na instituição nenhum professor-doutor na área do jornalismo, à exceção do colega Roberto Nicolato, que não tinha intenções de assumir a coordenação. A formação acadêmica de Guilherme acabou se somando à experiência com cargo de gestão adquirida como presidente do Sindicato dos Jornalistas.

Como coordenador, ele desenvolveu novas habilidades e ajudou a aperfeiçoar o curso na Uninter, já que continuou a dar aulas, coisa que ama fazer. Enquanto coordenador e professor, consegue encontrar detalhes que precisam ser resolvidos ou repensados. O fato de não largar mão da sala de aula possibilita mais proximidade com os alunos. “No momento, estou coordenador do curso, mas minha função é a educação”, diz.

“A vantagem de ser professor é que a gente está sempre aprendendo. Eu aprendo com os alunos, com meus colegas e com professores das disciplinas, isso é enriquecedor. Gerenciar um curso universitário e pensar em todas as coisas que isso envolve vai para além da questão acadêmica. A Uninter é uma instituição inovadora e paradigmática. Ela impõe um ritmo sobre a educação superior no Brasil. Então, você é levado a ser assim também e isso é importante. Hoje sou uma pessoa muito realizada profissionalmente”, afirma.

Além das atividades na Uninter, Guilherme foi professor substituto de Jornalismo na UFPR entre 2014 e 2016. Desde 2019 também é professor no mestrado em Jornalismo na UEPG, retornando à casa onde fez sua graduação.

O saldo

O jornalista trabalha com a informação, o professor trabalha com o conhecimento. Embora essas profissões tenham suas particularidades, o objetivo final é semelhante: transmitir um conteúdo da melhor maneira possível. Foi desse modo que o menino que teclava à máquina tornou-se mais do que o escritor que desejava ser. Tornou-se também jornalista, professor, pesquisador, sindicalista, assessor de imprensa, coordenador de curso.

Como escritor, publicou seis livros, quatro deles como organizador:

Mídia, opinião pública e sociedade, de 2021, pela Intersaberes (organizador)

Jornalismo e cidadania, de 2020, pela Intersaberes (organizador)

A ética no jornalismo brasileiro, de 2019, pela Intersaberes (organizador)

O espaço da mídia pública no Brasil, de 2017, pela editora Apris

A representação da CUT nos governos Lula (2003-2010), de 2014, pela editora Unesp

Vozes da consciência, de 2013, pelo Sismuc (organizador em parceria com Manoel Ramires)

Como professor e pesquisador, até o momento, Guilherme orientou 115 trabalhos de conclusão de curso de graduação, de mestrado e doutorado. Participou ainda de outras 48 bancas e fez parte da comissão julgadora de mais 8. Esteve à frente da organização de 34 eventos relacionados à comunicação e participou de outros 75 eventos da área.

Também é autor ou coautor de outras 29 produções bibliográficas. No meio acadêmico, participou de 10 projetos de pesquisa e ainda mantém outro em andamento. Acumula 11 prêmios relacionados à produção jornalística ou acadêmica, um pela Expocom e os demais pela premiação promovida pelo Sindijor-PR.

* Para saber mais sobre Guilherme Carvalho, assista à entrevista que ele concedeu ao programa Memória Viva, da Rádio Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Kethlyn Saibert - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Arquivo CNU


1 thought on “O menino que escrevia à máquina

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *