Neutralidade da ciência é mito

Autor: Madson Lopes - Estagiário de Jornalismo

A ciência não é produzida de forma isolada da sociedade. Ao contrário, ela é moldada por fatores culturais, religiosos, econômicos e políticos, elementos que, por vezes, determinam seus avanços e a compreensão social do que pode ou não ser considerado saber científico. É disso que tratou o minicurso “História da Ciência e Formação Cidadã: a complexa relação entre ciência e sociedade na história e na contemporaneidade”, promovido pelo 18º Encontro de Iniciação Científica e Fórum Científico (ENFOC). 

Ministrado pelo professor Flávio Tajima Barbosa, especialista em sociologia da ciência, história e filosofia, o curso está disponível no canal do Setor de Pesquisa e Publicações Acadêmicas da Uninter, no YouTube. Nele, Flávio explica como a ciência adquiriu esse mito da neutralidade e por que é importante pensá-la, em grande medida, como “impura e subjetiva”. 

 Contudo, o conteúdo não propõe uma abordagem negacionista, mas visa investigar a produção científica além da compreensão popular. “Os produtos da ciência são produções humanas, dependem dos seres humanos que os estão construindo, dependem dos cientistas da sua época”, introduz o professor. 

Falso herói 

Flávio explica que os cientistas ocupam um lugar de salvação no imaginário da sociedade. Espera-se deles a solução para problemas como a descoberta da cura de doenças, a contenção do derretimento das geleiras e da poluição dos mares. Mas pouco se discute a contribuição da noção de progresso, comumente associado à ideia de ciência, para o agravamento destes e de tantos outros problemas que assolam a humanidade. 

Ao longo da história, cientistas talentosos se envolveram em projetos cuja ética nem sempre foi levada em conta, em especial com relação à preservação ambiental. Como exemplo, o professor cita o desenvolvimento de bombas atômicas, em que vários cientistas trabalharam juntos na construção de uma arma que dizimou milhares de civis. 

Especialistas em direito da guerra dizem que o lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foi um crime de guerra pelo desrespeito a tratados internacionais e pelo bombardeio intencional de civis. O cientista Albert Einstein, que incentivou a criação da arma, recuou posteriormente, e Robert Oppenheimer, principal rosto do projeto, disse que “me tornei a Morte, o destruidor de mundos”, assumindo a responsabilidade de sua contribuição. 

Outro exemplo abordado no curso foi o fato de os cientistas produzirem de forma indiscriminada substâncias potencialmente danosas ao meio ambiente. O professor apresenta um levantamento da produtividade de substâncias químicas dos últimos 200 anos e mostra que a maior parte delas são artificiais, ou seja, que não podem ser encontradas na natureza. As substâncias naturais, por sua vez, participam de uma ecologia química, interagem e se desenvolvem juntas há milhares de anos, formando um equilíbrio. 

 “De repente a gente começa a produzir esse monte de compostos e lança eles à atmosfera. Então eles vão poluindo rios, poluindo a atmosfera, vão se espalhando por toda a nossa biota […] quais são as consequências éticas da produção dessas substâncias para o meio onde a gente vive?”, questiona. 

 São essas as reflexões que o curso provoca, ressaltando sempre esse lado sujo e maleável a interesses sociais e políticos pelos quais a ciência sempre esteve envolvida. 

 Eurocentrismo 

A partir dessas reflexões, o curso pontua outra consideração igualmente importante: o eurocentrismo na história da ciência. Quando se pensa nos principais nomes desta área, vêm à mente Einstein, Marie Curie, Isaac Newton e Galileu Galilei, quando muito alguns pesquisadores norte-americanos. Enquanto isso, a América Latina permanece quase invisível. Segundo Flávio, os povos originários já desenvolviam técnicas complexas de mineração, agricultura e astronomia muito antes da ocupação europeia. 

No entanto, essas práticas raramente são chamadas de ciência. “A gente sempre considera a ciência desenvolvida pelos europeus como sendo a grande ciência. Claro que eles vão estar sempre à frente, a história deles é muito mais longa. Mas depende daquilo que a gente considera como sendo conhecimento científico”, comenta. 

Para dar nome ao apagamento das contribuições latino-americanas, o curso cita o químico tcheco radicado no Brasil Otto Richard Gottlieb, indicado três vezes ao Prêmio Nobel de Química (1998, 1999 e 2000). Desconhecido fora do seu meio, Otto foi pioneiro em química de produtos naturais e fitoquímicos no Brasil. Seu trabalho contribuiu para a revelação da quimiodiversidade da flora brasileira, impulsionando a pesquisa em botânica e ecologia, e desenvolvendo a teoria redox para explicar a evolução das plantas. 

“Será que esse químico tão importante que deu grandes contribuições, trouxe um novo olhar para a ciência, uma nova maneira de se fazer química, por que que ele nunca ganhou um prêmio Nobel?”, pergunta Flavio. A resposta, em grande parte, está na estrutura de valorização do conhecimento científico, que privilegia centros de pesquisa do norte global. 

Ao trazer essas reflexões, o minicurso desmistificou a ideia de neutralidade científica e colabora na construção de uma visão mais plural e alinhada aos questionamentos da atualidade. 

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Autor: Madson Lopes - Estagiário de Jornalismo
Edição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Reprodução Youtube


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