Jornalismo é resistência o tempo todo, diz Angelina Nunes

Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo

Quem conhece a multipremiada jornalista Angelina Nunes sabe que ela não edita conversas, fala na íntegra o que tem de ser dito. Numa conversa sincera, ela participou no último dia 20.05.2020 do programa ContraInformação, apresentado pelos jornalistas Guilherme Carvalho, coordenador do curso de Jornalismo, e Mauri König, professor do curso e editor-chefe do Uninter Notícias. Toda semana, o programa debate os bastidores da mídia.

O tema da semana foi “O jornalismo sob ataque em sua missão de informar”. A convidada foi presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), entidade da qual hoje é conselheira, e trabalhou por muitos anos como repórter especial do jornal O Globo. Durante sua carreira, ganhou vários prêmios nacionais e internacionais, entre eles o Prêmio Esso de Jornalismo e o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha.

Angelina começou explicando que não é de hoje que o jornalismo está sob ataque. “O jornalismo é resistência o tempo todo. Precisamos combater fake news, boataria, assédio online, agressão física quando se está na rua. O tempo todo você está desfazendo armadilhas”. Hoje, é possível observar uma certa normalização da violência contra estes profissionais. No último dia 5 de maio, o presidente da República, Jair Bolsonaro, mandou jornalistas calarem a boca durante coletiva na saída do Palácio da Alvorada. O motivo foi a manchete do jornal Folha de S. Paulo, que relatava mudanças ocorridas no comando da Polícia Federal.

“Nós éramos mal vistos na rua? Não me lembro. Quando estávamos em uma cobertura policial, havia perigo de um tiroteio e sobrar pra você. Quando estávamos em uma manifestação, você era reconhecido como um ator que ia buscar informações para depois repassá-las com qualidade. Hoje estamos sendo agredidos virtualmente, publicamente, fisicamente. Você está fazendo seu trabalho na rua e leva uma bandeirada”.

A bandeirada à qual Angelina se refere se deu num episódio ocorrido no domingo 17.mai.2020, quando a jornalista Clarissa Oliveira, da Band, foi agredida com uma bandeira por uma servidora pública, que participava de uma manifestação que apoiava o presidente da República e também pedia o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção militar.

Agressões virtuais são comuns contra jornalistas. Segundo dados da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), foram cometidas 11 mil agressões por dia contra jornalistas nas redes sociais em 2019. Sete agressões por minuto, em média. Também houve aumento de 15% nas decisões judiciais de censura ao jornalismo.

Outro problema abordado no programa foi a necessidade de se romper com “uma tradição brasileira de jornalismo oficialesco”, nas palavras do professor Guilherme Carvalho, que apontou um dilema atual na profissão: como manter uma cobertura jornalística de qualidade, com checagem ostensiva e apuração, ao mesmo tempo em que as grandes empresas jornalísticas reduzem equipes e as colocam em uma posição de dependência dos releases dos órgãos oficiais?

Angelina Nunes fez uma retrospectiva de sua atuação como jornalista e afirmou que jornalismo de verdade se faz com apuração. “É muito bom você ter um promotor ou ministro como fonte, mas aquele dossiê que você recebe deve ser o ponto de partida de uma investigação mais ampla. Se a publicação acontecer sem o questionamento e verificação daquelas informações, você fica refém da fonte. Será que a empresa apontada existe mesmo? Ou é uma empresa de fachada que só existe no papel?”, explica.

König acredita ser difícil o pool de empresas jornalísticas sugerido por Angelina em prol da informação, já que os interesses que movem esses veículos são distintos. Angelina é mais otimista e acredita que a pandemia de coronavírus pode abrir portas para iniciativas de colaboração que facilitem a difusão de informação de qualidade entre as empresas jornalísticas, combatendo as fake news. “Não é algo para a vida toda. Se alguns veículos se juntassem para fazer parceria, acho que seria viável, pois estamos em um momento específico de cobertura”.

Uma possível saída para aumentar a qualidade das produções jornalísticas seria um incentivo à troca de conhecimento nas redações de forma institucionalizada. Angelina comenta que quando começou a trabalhar na cobertura da administração pública, não sabia de muita coisa, e foi graças a uma colega de redação que ela conseguiu se aprimorar. Mais adiante, quando estava na posição de ensinar, repassou seus conhecimentos para a nova geração de profissionais.

“Isso não acontece nas redações, quando acontece é de forma pontual. Os mais experientes em um determinado assunto deveriam passar seus conhecimentos para formar novos profissionais. Quando você entra na redação acontece uma sensação de ‘você está aqui, pois está pronto’. Eu tive sorte de encontrar colegas que me ensinaram e, graças a isso, ensinei também”.

O bate-papo ainda teve espaço para comentários sobre a importância de influenciadores digitais, que atualmente mobilizam um grande público nas mídias sociais, reconhecerem o papel do jornalismo em informar. A apuração voltou ao final do programa nas palavras de König: “O que torna um jornalista acima da média? O que faz ele sair de um [nota] sete, e ir para o nove, dez? Apuração. É ela que traz o reconhecimento, os prêmios”.

Angelina concordou e finalizou com um convite a quem está chegando na profissão: “Jornalismo é legal. A gente sempre tem desafio, nunca foi tranquilo. Agora está bem puxado. E a gente continua. Não desista! Para o jornalismo de qualidade existir, é preciso de bons jornalistas”.

Você pode conferir a íntegra do debate no canal Jornalismo Uninter no YouTube e também no site da Rádio Uninter.

Próximo programa

Nesta quarta-feira 27.mai.2020, o convidado sera o argentino Carlos Lauría, manager da área de liberdade de expressão e segurança dos jornalistas do Programa da Open Society Foundations para Jornalismo Independente. Link da transmissão: https://youtu.be/nmEOIkyROBc.

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Autor: Fillipe Fernandes - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Reprodução


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