Estudo analisa presença de pessoas negras nos anúncios publicitários

Autor: Poliana Almeida – Estagiária de Jornalismo

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra representa 53,9% das pessoas residentes no Brasil. O órgão deixa claro que, para fins de levantamento demográfico, inclui pessoas autodeclaradas pretas e pardas nesta categoria.

Por mais que sejam maioria, essas pessoas ainda não têm uma representatividade condizente na mídia. Os pesquisadores Luiz Augusto Campos e Marcelle Felix, do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemma), decidiram analisar as campanhas publicitárias inseridas na revista Veja, entre 1987 e 2017.

Nas 370 edições analisadas, foram constatadas 13 mil figuras humanas. Deste grupo, o pico de representação de pessoas pretas ou pardas nos anúncios publicitários foi em 2002, com 17%. No último ano da análise, a pesquisa apontou 16% do total.

Quando há o cruzamento entre raça/cor e gênero, a desigualdade é ainda mais aparente. Os homens pretos, pardos ou indígenas corresponderam a 8% dos anúncios, enquanto que as mulheres pretas ou pardas foram apenas 4% dos casos.

De acordo com o professor Pablo Moreno Fernandes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), este problema é histórico. “Um dos principais produtos anunciados pela publicidade brasileira, no século 19, eram as pessoas escravizadas. Hoje a gente usa o termo ‘pessoas’, mas na época da escravidão a essas pessoas não era dado o status de humanidade. Elas eram tratadas como propriedade. Logo, eram comércio. E comércio desencadeia relações publicitárias”.

Com a abolição da escravatura, os negros foram empurrados para as margens da sociedade. Isso, direta ou indiretamente, fez com que não fossem considerados sujeitos de consumo. “Capitalismo também é o exercício de cidadania e de entender seu lugar no mundo. As pessoas negras deixam de ser produto, mas não se tornam sujeitas consumidoras ao longo do século 20. Ainda que seja a maioria da população do país, não é representada de forma coerente com a realidade”, esclarece o professor.

Foi pensando em ir mais a fundo nessas questões que Pablo, em 2019, deu início ao seu projeto de pesquisa na UFMG. O trabalho, intitulado Publicidade e Negritude: olhares interseccionais sobre o consumo, também partiu de uma pesquisa na revista Veja. Naquele mesmo ano, Pablo registrou 85 anúncios com pessoas negras, o que representa 19,46% do total de anúncios veiculados. Neste conjunto específico de anúncios, ele contabilizou 643 pessoas, das quais somente 217 eram negras (33,7%). “Ou seja, dos 19% do total, elas são 33%. Elas são a minoria da minoria mesmo nos espaços em que aparecem”, complementa.

“A pesquisa abre um espaço de questionamento porque, provavelmente, essas peças publicitárias são majoritariamente representadas de pessoas brancas, porque elas foram feitas por pessoas brancas. Então é provável que haja poucas pessoas negras nas agências, em design, em marketing”, descreve.

Muitos autores consideram a comunicação como um Quarto Poder, devido a sua importância nas relações sociais. E a publicidade, neste meio, busca retratar um mundo desejado por todos. “E por que neste mundo mais belo as pessoas negras são tão poucas? A que interesses serve uma representação tão baixa e pouco significativa?”, questiona o docente.

O olhar interseccional – um teoria nova criada por mulheres negras – ajuda a compreender melhor essa situação. “A interseccionalidade impede o reducionismo da política de identidade. Na pós-modernidade, temos um advento de várias identidades: negro, branco, gay, hétero… E entender como esses itens combinam é uma maneira interessante da gente entender como as opressões ocorrem”, destaca.

Pablo deixa algumas dicas de referências do assunto. Autoras como Kimberlé Crenshaw, Angela Davis, Patricia Hill Collins e Lélia Gonzalez abriram caminho neste rumo de pesquisa e são ótimas indicações de leitura para quem quiser se aprofundar no assunto.

Por fim, o docente deixa claro por que é essencial discutirmos a representatividade de pessoas negras dentro da publicidade: “Os hábitos de consumo refletem as práticas culturais e a publicidade representa os desejos da sociedade, ao mesmo tempo em que a provoca para adotar novas práticas culturais e de consumo, participando também de sua transformação. Para além disso é importante pensar qual é a responsabilidade da publicidade na manutenção dessas estruturas racistas, e qual a ação dela nesse futuro”, projeta.

O tema Publicidade e Negritude: olhares interseccionais sobre o consumo foi debatido em uma transmissão ao vivo pelo AVA Univirtus, no dia 01.jun.2021, às 19h20, ao longo do programa Vem Saber. A conversa contou com mediação do professor Clóvis Teixeira Filho, coordenador dos cursos de pós-graduação na área de comunicação da Uninter.

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Autor: Poliana Almeida – Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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