Errar é humano, ou apenas um privilégio dos mais ricos?

Autor: Gladisson Silva da Costa*

A nossa sociedade, mesmo sendo apenas uma periferia do capitalismo moderno, apresenta em suas estruturas mecanismos bastante eficientes para manter intocado o status quo de ricos e poderosos. Enquanto os grupos mais abastados vivem sob a proteção do Estado (a despeito de seus “choramingos”), os mais pobres seguem sem direito a questões básicas como educação, saúde, segurança, emprego. Aliás, a crueldade é tamanha que o pobre não tem sequer o direito a algo banal, como o erro.

Enquanto a parte de cima da pirâmide pode se dar ao luxo de se aventurar em investimentos bastante arriscados (e duvidosos), como criptomoedas, NFTs ou surfar na mais nova franquia da moda, a parte de baixo precisa planejar com o maior cuidado possível cada centavo conquistado para não ter seus projetos de futuro obliterados.

Nesse quadro, a ascensão social dos pobres torna-se quase impossível. Entretanto, se para cima o caminho está praticamente interditado, há um alçapão logo ali, para lançar o pobre a um nível de carestia ainda pior.

Como bem sintetizou o escritor e ícone do movimento negro americano James Baldwin, em 1961, “Qualquer um que tenha sofrido com a pobreza sabe que é extremamente caro ser pobre”. Os impostos são mais pesados e os juros do financiamento são mais caros para quem tem menos dinheiro.

Por isso, o pobre não pode errar, por uma questão de sobrevivência. Se cometer um crime (ou acharem que cometeu), talvez nem o direito à vida seja assegurado, imagine a possibilidade de se redimir do erro. A justiça é implacável com o pobre. Se conseguir chegar ao ensino superior, não poderá errar a escolha do curso, pois as condições de endividamento e urgência em satisfazer suas necessidades básicas poderão inviabilizar uma guinada na carreira (algo que não preocupa os filhos da classe média e alta do país).

Para a classe média (bastante remediada, é verdade), ainda é possível fazer escolhas, corrigir uma escolha infeliz. Para os mais pobres, essa possibilidade simplesmente não existe. Uma escolha errada pode custar muito caro e, para quem tem tão pouco, isso pode se tornar um impedimento para uma melhoria significativa em sua condição de vida. Uma redução na renda, o que para alguns pode significar apenas uma readequação de hábitos de consumo, para os mais humildes, pode significar colocar em risco a segurança alimentar de toda a família.

Esse quadro, terrível, mas real, corrobora com a urgência da defesa de uma escola pública, universal e de qualidade, que possa fornecer o conhecimento necessário para ajudar os mais pobres a “errar menos”, a fazer melhores escolhas em suas vidas. Não se trata de um discurso neoliberal de gestão da pobreza, mas de ações concretas que promovam a emancipação dessas pessoas, tornando-as capazes de compreender as estruturas que dão forma à sociedade, não para conviver com elas simplesmente, mas para transformá-las.

O ideal seria a implosão desses mecanismos que geram, cada vez mais, miséria, desigualdade e exclusão, mas, até que isso ocorra, é necessário que nossa sociedade permita, ao menos, que aqueles que estão na base da estrutura social tenham condições mínimas de subsistência e a garantia de acesso a direitos humanos básicos, como a cultura, educação, saúde, moradia, lazer, mas, também, o direito ao equívoco, ao engano, à “pisada de bola”. Se ninguém é perfeito e errar é humano, essa marca da nossa humanidade precisa ser universal, e não um privilégio de alguns.

* Gladisson Silva da Costa é especialista em Metodologia do Ensino de História, professor dos cursos de Letras e História da Uninter.

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Autor: Gladisson Silva da Costa*
Créditos do Fotógrafo: Pixabay


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