Como a arte tirou Claudio do fosso da depressão e o fez moldar uma nova vida

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

A Uninter tem muitos talentos de destaque entre os seus alunos. Claudio Martins, 54 anos, cursa o primeiro período de Design de Animação no polo de educação a distância de Itapevi (SP), onde é servidor público na Secretaria de Cultura, atuando como instrutor de escultura. O artista é a prova viva de que nunca é tarde para começar a realizar seus sonhos, pois a arte é capaz de transformar vidas.

Claudio sempre teve vontade de cursar o ensino superior, mas por condições financeiras desfavoráveis, nunca havia ingressado em um curso, até março deste ano. O estudante teve a oportunidade de fazer o curso de Artes visuais na própria Uninter há dois anos, mas diz que não era o que queria. Segundo ele, embora envolvesse arte, tinha muita teoria e o os artistas gostam é de liberdade criativa.

“Quando surgiu esse curso [Design de Animação], tinha tudo a ver com o que eu faço e com meu sonho. Gostei da grade, gosto do sistema, a forma com que se apresenta todo o material. Então eu acabei me inscrevendo e estou gostando muito”, explica.

O profissional vive sozinho em uma casa de dois cômodos, com pouca estrutura, tendo apenas o celular para realizar as atividades acadêmicas. Ainda que encontre obstáculos com as questões de informática e tecnologia, diz que o que o move são seus sonhos e objetivos pessoais e profissionais.

“Eu sou um escultor hoje porque eu visualizei isso em um determinado momento da minha vida, em um momento crítico da minha vida. É uma necessidade e ao mesmo tempo uma questão de realização. Eu aprendi muito com meu pai, a você ir em busca do seu objetivo, independente das condições”.

Um talento hereditário

Claudio se descobriu um artista aos 40 anos de idade, após um período que ficou desempregado e que não conseguia uma recolocação no mercado de trabalho, entrando em depressão profunda. Mas os primeiros contatos com a arte são de muitos anos antes, quando ainda morava com os pais, Raimundo e Diracy, e o irmão mais novo, Rogério, na cidade de Jacareí, interior do estado de São Paulo.

“O meu irmão é desenhista profissional também, dois anos mais novo que eu. E diante da precariedade, nós não tínhamos brinquedo, então a gente brincava muito usando a nossa criatividade. A gente brincava pegando mato e desse mato buscando formas humanas, fazíamos ali um personagem e brincávamos com aquilo”, conta.

Aos 7 anos, Claudio e seu irmão receberam um presente especial de um tio, Natalício, que na época já era artista plástico. “Eu recebi a caixa de um forte apache, miniaturas do velho oeste com casinhas e miniaturas. Meu irmão também ganhou uma caravana, então pra gente foi uma coisa absurda. Até hoje, pra você ter uma ideia, aos 54 anos, eu consigo sentir o cheiro do plástico daquele presente. A gente começou a se envolver nesse mundo, unimos isso a nossa criatividade.”

O pai também foi bastante influente na vida dos filhos, já que era “uma espécie de instrutor pardal, muito criativo, um gênio”, lembra Claudio. “Eu cansei de ver engenheiros irem em casa pra tentar entender como ele tinha conseguido fazer algo. A gente praticamente cresceu em uma família de artistas, todos eles influenciaram e deram sua contribuição”.

Com o crescimento, Claudio acabou se desvinculando da vida artística e preferiu seguir uma vida mais tradicional, ocupando diversos cargos em empresas e criando sua família. Aos 38 anos, foi demitido do trabalho na produção de uma multinacional da área automotiva. Com a dificuldade para encontrar um novo emprego, se encontrou em um momento crítico e desenvolveu uma depressão profunda. Mas foi também nesta mesma época que o seu dom voltou de maneira muito forte, transformando-o.

“Naquela ânsia de encontrar uma solução para tudo, fazendo umas pesquisas na internet, me deparei com uma imagem de uma escultura. Eu achei fantástica e lancei aquilo como um desafio: ‘eu vou tentar modelar isso, para ver se eu consigo resgatar a minha autoestima, na verdade’. Eu consegui excelentes resultados logo de cara, porque era algo que já estava dentro de mim e eu só precisava de um aperfeiçoamento. Isso foi o que me alavancou, me resgatou, resgatou a minha autoestima e eu vi nisso a oportunidade de fazer dinheiro”, lembra.

O artista conta que chegou a se mudar para o Paraná em 2013 com sua segunda esposa, participando de concursos artísticos em busca de reconhecimento para seu talento. Trabalhou por dois anos na prefeitura da cidade de Cianorte (PR) e tentou desenvolver seu trabalho na área cultural, mas não obteve sucesso. Em 2016, ele prestou dois concursos públicos nas cidades de Santana de Parnaíba e Itapevi, em São Paulo. No primeiro, apesar de ter sido o único a passar, nunca foi chamado. Já na última oportunidade, foi onde ele conquistou seu lugar.

“Além de ter passado, eles tiveram a preocupação de ouvir a minha história e me deram a oportunidade de trabalhar no setor da Secretaria de Cultura e Juventude. Eu já estou para completar 5 anos e venho desenvolvendo essa atividade desde o primeiro dia. Quando eu entrei ali, não tinha recurso algum, acabei tendo que tirar do bolso, um sacrifício absurdo, mas o curso existe porque eu tive a força de vontade para fazer o negócio funcionar”, conta ele, que exerce o cargo de técnico em educação e ação social.

Segundo Claudio, ter se descoberto na arte de esculpir foi um divisor de águas, pois do dia para a noite o comportamento do artista mudou, e ele passou a se sentir “muito mais seguro e útil, uma pessoa importante e capaz. Eu posso dizer que depois que eu fiz os meus primeiros trabalhos, eu acordava em algumas madrugadas às três horas da manhã pura e simplesmente para olhar a minha obra, porque eu não acreditava que eu tinha feito aquilo. Foi um tanto mágico pra mim, foi uma descoberta mesmo”, lembra. Ele completa dizendo que a vida que ficou para trás não faz falta alguma. “Hoje, ganhando quatro vezes menos do que eu ganhava e passando por situações difíceis, eu me sinto muito mais realizado do que na época”.

Claudio se inspira em muitas personalidades, que vêm lá da idade moderna até os dias de hoje, como Michelangelo, Leonardo Da Vinci, Alex Oliver, Cícero D’Ávila e Mark Newman. Quando questionado sobre o que mais gosta de reproduzir na modelagem, diz que sempre busca “resgatar um pouco da história ou reconhecer alguma personalidade influente que contribuiu de forma efetiva para a nossa nação ou mundialmente, assim como a parte de actions, os super-heróis”.

A arte como ferramenta para resgatar vidas

Assim como a arte transformou a vida de Claudio, ele também utiliza o dom que possui para mudar a vida dos alunos. Ainda que no começo do trabalho, o curso de escultura com a técnica de modelagem em argila não tivesse muita procura, hoje o artista tem cerca de 60 a 70 alunos, com faixa etária de 12 a 80 anos. As aulas acontecem de segunda a sexta nos períodos da manhã e da tarde. Não há mais de oito pessoas por turma, pois o técnico gostar de dar atenção especial a cada um dos estudantes.

Além do aumento da procura pelas aulas, o profissional percebeu que começaram a aparecer muitos alunos com questões psicológicas. Segundo ele, ao notarem que as pessoas estavam tendo bons resultados e benefícios com as aulas, os próprios psicólogos da região começaram a orientar seus pacientes para o trabalho com escultura.

“Assim como a arte funciona como uma ferramenta para mim, eu me sinto como uma ferramenta nas mãos de Deus, através da minha arte. Eu tenho criado esse caminho e obtido resultados absurdos. Através da arte hoje, eu consigo resgatar a autoestima de muitos alunos. Eu nunca achei que eu pudesse ser tão útil, resgatando pessoas que vêm de tentativa de suicídio, pessoas envolvidas com drogas, pessoas ditas ‘normais’ que se transformam em profissionais”, conta.

Apesar da pouca divulgação que o trabalho desenvolvido recebe, o artista diz que os comentários de alunos e ex-alunos fazem com que cada vez mais pessoas se interessem pela arte. Ao ponto de pessoas da capital paulista e de outras cidades da região se deslocarem até o interior para realizar o curso com ele. Para Claudio, isso se deve muito à didática utilizada por ele nas aulas e à forma humanitária com que trabalha.

“Sem querer me gabar, a verdade é que é a qualidade do meu trabalho. Você ser um grande artista é uma coisa, mas encontrar uma linguagem pra transmitir o conhecimento pra um leigo é uma coisa muito difícil. Eu consigo fazer isso com uma certa facilidade e os resultados são incríveis. E através dos comentários, isso atrai outras pessoas”, explica.

Um trabalho marcante que Claudio desenvolveu foi quando ele decidiu homenagear o artista Susumo Harada, escultor que já foi conhecido na região onde mora, mas que acabou caindo no esquecimento. Com mais de 80 anos, Harada passava por um tratamento de câncer quando foi homenageado com um busto inspirado nele.

“Isso auxiliou tão positivamente que ele passou pelo tratamento sem maiores complicações, e hoje vai me visitar lá na escola sempre que pode, sempre me agradecendo. Um artista renomado, eu o conheci inclusive internacionalmente e acho que essa foi a obra mais significativa pra mim, pois consegui resgatar a autoestima e ter o reconhecimento de um grande artista. Ele disse que eu fui a primeira pessoa a reconhecer um outro artista ainda em vida, falou da importância que é valorizar não depois que você morre, por isso digo que a arte vai muito além”, salienta.

Para quem tem vontade de começar a desenvolver a arte de esculpir, Claudio diz que não há segredo ou mágica, é praticar e se dedicar muito. “É preciso que tenha interesse, porque achar bonito todo mundo acha, mas não sabe que atrás de tudo aquilo tem muitos momentos árduos. É preciso que esteja disposto a se dedicar a isso, através de literatura, de estudo, disponibilidade em aprender. E saiba que você vai se deparar com alguns problemas, vários. Até porque o nosso país não é como a Europa no que tange à arte, não existe valorização adequada.”

Próximos passos

Ainda que o cenário artístico brasileiro não seja favorável, Claudio carrega consigo muitos planos para os próximos anos. Desde a vida pessoal, que caminha para o terceiro casamento até o fim deste ano, até o reconhecimento e aperfeiçoamento do trabalho que faz.

“A minha idade não influencia em basicamente nada, eu sou extremamente ativo, mas a realidade é uma só e a gente sabe que metade da minha vida eu já deixei para trás. Eu ainda tenho uns bons anos pela frente e eu gostaria de aproveitar esses anos me realizando. Eu nunca sonhei em ter muito material, mas ter estabilidade, de comprar meu material, de comprar livro, lançar projetos e ter dinheiro pra iniciar. Parece uma coisa muito distante, muito irreal, mas eu tenho vontade de fazer cursos na Itália, nos Estados Unidos, me aperfeiçoar e chegar onde eu quero chegar”, explica.

O sonho do artista é participar do AnimaMundi, segundo maior festival de animação do mundo, que acontece desde 1993 nas cidades de São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Mesmo sem ter uma história formada na cabeça, ele diz que gostaria de passar uma mensagem positiva e impactante, desenvolvida com uma boa técnica, trama bem elaborada e personagens interessantes. Tudo isso desenvolvido no stop motion, técnica de animação usada com recursos de câmera fotográfica ou computador, com modelos reais de diversos materiais.

“É algo que me remete muito à infância, desde os filmes antigos quando eu assistia à sessão da tarde. Tem muito a ver com escultura, a modelagem. Tenho isso como um sonho também, de poder criar um personagem, modelar, dar movimento a ele e fazer um curta”, compartilha.

Claudio se inspira muito na frase “Se você pode sonhar, você pode tornar realidade”, dita por Walt Disney. Para ele, nunca é tarde para ir em busca dos sonhos.

“É preciso que você corra atrás, que você não espere que caia do céu, isso não vai acontecer. Essa seria a minha mensagem para pessoas com a minha idade ou mais, ou mesmo em idade tenra. Você não precisa ter 18 anos pra você se desenvolver, você pode acelerar esse processo, mas depende única e exclusivamente de você”, finaliza.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal/Claudio Martins


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