Coletivo Mães Pretas fortalece maternidade negra frente aos desafios do racismo
Autor: Maria Vitória Alves Silva
Em um cenário onde a maternidade, por si só, já apresenta inúmeros desafios, a experiência da mulher negra é, muitas vezes, atravessada por camadas adicionais de preconceito, isolamento e solidão. É nesse contexto desafiador que emerge o coletivo “Mães Pretas”, idealizado pela jornalista, comunicadora e mãe Letícia Costa, convidada do programa Papo Castiço, veiculado dia 30 de junho.
O projeto de Letícia atua como um farol de apoio, empoderamento e comunidade para mães negras em Curitiba e região metropolitana. Ela explica que o Mães Pretas: “nasceu de uma necessidade que eu tinha e que eu percebi que não era só minha”. O coletivo, que teve início em 2022 como um grupo de WhatsApp, foi concebido inicialmente para ser um ambiente seguro para mães negras, um espaço vital de troca de experiência em que as participantes pudessem se abrir e conversar sobre qualquer assunto sem julgamentos ou receios.
A iniciativa de Letícia é um reflexo direto de sua trajetória pessoal e de sua busca incessante por representatividade. A jornalista fez história ao ser a primeira mulher negra a vencer o Miss Curitiba Universo em 2017, mantendo seu cabelo natural durante o concurso, um ato de resistência e afirmação pessoal. “Eu me sinto eu mesma quando eu uso meu cabelo natural,” pontua Letícia, revelando que “eu me senti bonita pela primeira vez na minha vida depois de deixar o meu cabelo natural.”
Em 2019, Letícia iniciou sua jornada na maternidade com sua filha Aurora, a quem descreve como um verdadeiro presente que impulsionou o nascimento do coletivo: “eu falo que ela me deu ‘Mães Pretas’ de presente, foi um presente dela para mim”. Hoje, o projeto não se limita a ser um grupo de conversa, ele se desdobra em diversas atividades concretas que visam fortalecer a comunidade.
O “Mães Pretas” organiza encontros presenciais repletos de atividades para mães e seus filhos, promovendo um ambiente que valoriza a cultura e a identidade negra. Para as crianças, são oferecidas oficinas com leituras de livros e brincadeiras com bonecas que enaltecem a estética negra, fortalecendo sua autoestima e senso de pertencimento. Para as mães, o coletivo disponibiliza atendimentos com psicólogas negras, garantindo um suporte emocional e psicológico que compreende suas vivências específicas e os impactos do racismo estrutural.
Essa necessidade de acolhimento e fortalecimento é reforçada por dados oficiais. Segundo os dados mais recentes disponíveis da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do IBGE, divulgados em 2023, mães negras enfrentam maiores dificuldades socioeconômicas, como menor acesso ao emprego formal e à educação completa, fatores que influenciam diretamente suas condições de vida e os desafios da maternidade. Além disso, uma pesquisa do Datafolha, realizada no mesmo ano, revela que 48% das mulheres negras já sofreram algum tipo de violência psicológica, evidenciando o peso do racismo também na saúde mental dessas mulheres.
O relato de Letícia sobre sua filha Aurora, que infelizmente enfrentou preconceito na escola por causa do cabelo, reforça a urgência e a relevância do trabalho do coletivo. Nos encontros do “Mães Pretas”, as crianças constroem força e confiança, fazem amizades genuínas e, o mais importante, se veem representadas e valorizadas em outras crianças e adultos.
A essência e a força do “Mães Pretas” residem no conceito de “aquilombamento”, referência direta aos quilombos, que eram, historicamente, locais de refúgio, resistência e organização social para pessoas escravizadas. No contexto atual, ele representa a criação de um espaço comunitário onde mães negras e seus filhos podem encontrar segurança, acolhimento, reconhecimento e o suporte necessário para enfrentar as adversidades do racismo e da sociedade, fortalecendo-se coletivamente para serem autênticos e prosperarem.
Para Letícia, o termo pode ser definido como “esse lugar seguro… esse lugar que muitas vezes a gente não tem no dia a dia. As nossas crianças não têm na escola, não têm quando vão fazer um curso, não têm em lugar nenhum, às vezes nem na família a gente constrói”.
Para as mães pretas que, em meio aos desafios, se sentem sozinhas, Letícia as encoraja a olhar para a ancestralidade, “para as mulheres que te deram força para que você chegasse até aqui e sabe que você não tá sozinha”, reforçando a ideia de que há uma linhagem de resiliência e apoio que as precede e as acompanha.
Atualmente, o coletivo “Mães Pretas” deu um passo significativo ao se tornar uma associação, e agora busca ativamente um espaço físico próprio para expandir suas atividades e atender a uma demanda crescente. Informações sobre como contribuir ou participar podem ser encontradas no perfil do Instagram @mães_line_pretas.
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Autor: Maria Vitória Alves SilvaEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Reprodução Youtube
