Cidades educadoras devem promover formação integral dos cidadãos

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Seminário das Cidades Educadoras no parque Barigui. Curitiba, 30/11/2019. Foto: Luiz Costa /SMCS

A ideia de cidade educadora, para além da educação formal e dos muros das escolas, que pensa na formação integral da população para a cidadania, não é uma busca recente. No entanto, a iniciativa ganha uma nova roupagem na década de 1990, com a proposta da Associação Internacional de Cidades Educadoras (AICE), quando o debate se volta para o âmbito das administrações públicas.

Fundada em 1994, a AICE é uma estrutura permanente de colaboração entre governos locais que se comprometem a reger pelos princípios da Carta das Cidades Educadoras. O documento aborda 20 tópicos sobre o direito à cidade educadora, o compromisso da cidade e o serviço integral das pessoas. De acordo com a associação sem fins lucrativos, “partiam da convicção de que o desenvolvimento dos habitantes não pode ser deixado ao acaso”.

No início de 2020, mais de 500 cidades de 36 países compunham o quadro de membros da organização. Entre estas, 21 são brasileiras, entre elas Curitiba (PR), São Paulo (SP) e Vitória (ES). A proposta para os municípios que levantam e defendem essa bandeira, é reconhecer, promover e exercer um papel educador na vida dos sujeitos, com o desafio da formação integral. Assim, as diferentes políticas, espaços, tempos e atores são compreendidos como agentes pedagógicos, capazes de apoiar o desenvolvimento de todo potencial humano.

“Não é que se exclui o papel da escola, das instituições de ensino. Elas estão presentes e são consideradas espaços formais de educação. Mas aquilo que se dá com ênfase é a educação a partir do espaço em que a gente vive, nossas comunidades, nosso bairro, andanças pela cidade”, explica o professor e pesquisador da Uninter, Alceli Ribeiro, que é doutor em geografia. “A proposta da cidade educadora é esse senso de coletividade. A educação se dá em todos os ambientes ditos não formais. Todos os espaços podem ser utilizados para garantir o engajamento da comunidade, o sentimento de pertença”, complementa.

Ribeiro lembra de Paulo Freire, quando diz que “não há administração ou projetos pedagógicos neutros”. Ou seja, “a proposta não é apenas pedagógica, mas é também essencialmente política” e “há o compromisso da cidade com aquela bandeira que se levanta”. Dessa forma, o docente apresenta alguns projetos que acontecem pelo mundo, motivadas por esse pensamento.

Em Braga (Portugal), desde 2015 existe o Rios, uma iniciativa que acontece ao longo de todo ano, mas que promove duas grandes campanhas no outono e na primavera. Visa a limpeza, conscientização e qualidade de vida, com estudos sobre a fauna, flora e qualidade da água. Apesar de ser um projeto que envolve toda a comunidade, o foco são as crianças e os jovens.

“Por que as crianças aprendem muito rapidamente? Porque estão abertas à aprendizagem, têm interesse, são curiosas. Enquanto ainda estão naquela fase lúdica, o ambiente é solto, fluido e a curiosidade é a pauta que se coloca”, afirma Ribeiro.

Há algumas outras ações que já aconteciam em décadas passadas, mas que retornaram nos últimos anos, em diferentes localidades. Curitiba, por exemplo, tinha o projeto SePaRe, em 1989. E em 2010, a cidade de Rosário (Argentina) trouxe uma proposta semelhante. Em Barcelona (Espanha), em 2006, ruas foram fechadas para uso público, com a iniciativa do Superblock. A ideia é que as pessoas ocupem o espaço com atividades recreativas, arborização, cultura, jogos.

No ano de 1972, a capital paranaense realizou uma mudança parecida. A rua XV de Novembro, conhecida como Rua das Flores, que era aberta para a passagem de carros, foi fechada. As calçadas foram ampliadas para uso dos pedestres. “Isso é louvável. Ainda que seja uma inovação de algo que já aconteceu no passado, não deixa de ser uma inovação naquela localidade, de ter sua importância para o país, região e, sobretudo, para a comunidade, crianças e jovens”, salienta o pesquisador.

Mas Ribeiro garante que “em termos de gestão participativa, uma das propostas mais ricas” é o projeto Nosostros proponemos, que partiu da Universidade de Lisboa (Portugal), em 2011, e é muito defendida por professores do ensino médio, principalmente da área de geografia. De acordo com o docente, no Brasil, a mesma ação também é realizada pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

A ideia parte de um espaço de educação formal. Os estudantes de instituições de ensino interessadas executam uma aula de campo, saem pela região onde estudam para identificar problemas na comunidade. Ao retornar, sistematizam o conhecimento e a coleta de dados. Assim, propõem soluções para melhoria e a administração pública local é chamada para analisar as propostas, que muitas vezes são acatadas.

“É um projeto que acho fantástico, onde o aluno se sente protagonista. Não só da sua aprendizagem, mas entende realmente e vê o quanto pode, enquanto cidadão, a partir da realidade local, promover mudança”.

Ainda que seja uma importante iniciativa, o projeto espanhol é minoria quando se trata de gestão participativa. Além disso, Ribeiro consegue enxergar outras lacunas em ações de cidades educadoras. Uma delas é a falta de intersetorialidade. A maioria das propostas são lideradas por secretarias de educação, quando, na verdade, deveriam envolver toda a iniciação pública e os mais diversos setores.

O direito à cidade, na questão da moradia, é outro ponto. Muitas famílias vivem em ocupações ditas irregulares, pois estão na fila da moradia há anos e não são chamadas. No contexto da pandemia, a realidade fica ainda pior. O alto índice de desemprego deixa a população em situação de vulnerabilidade, muitas vezes tendo que deixar seus lares, pois perdem a condição de pagar os alugueis. Nesses casos, o aprendizado das crianças fica responsável por voluntários moradores dessas ocupações, em espaços não formais.

“Às vezes, a gente tem que sair um pouquinho do óbvio. Essas questões de moradia nos chamam para as lacunas, questões sociais muito graves, que às vezes são negligenciadas em análises”, conclui o docente.

Ribeiro realizou a palestra sobre Cidades sustentáveis e educadoras na 2ª Maratona da sustentabilidade da Uninter, com mediação do professor André Pelanda, que atua na Escola Superior de Saúde, Biociência, Meio Ambiente e Humanidades. O bate-papo está disponível para livre acesso, na página Maratonas para Desenvolvimento Sustentável Uninter e no canal do Grupo Uninter.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Luiz Costa/SMCS Curitiba


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