Chegamos ao fim da era das hegemonias?

A palavra hegemonia possui origem na palavra grega hegemon, que significa dirigente ou chefe. Sua utilização no meio político ganha outra conotação, sendo caracterizada pela supremacia entre nações ou povos, ou seja, a superioridade que um país tem sobre os demais.

Para pensar como esse conceito se apresenta na atualidade, e como as ascensões das hegemonias impactam na evolução do comércio internacional, os professores Rafael Pons Reis  e Guilherme Lemermeier Rodrigues realizaram um debate no programa F5, uma parceria da Escola Superior Politécnica com a Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança da Uninter.

Citando o autor Giovanni Arrighi, em seu livro “O Longo Século XX”, Pons explica que é possível compreender os cinco últimos séculos relacionando aspectos do comércio internacional à ascensão e queda das hegemonias mundiais.

“Um país que se lança na qualidade de hegemônico é aquele que não apenas desenvolve uma capacidade de criar riqueza, como a produção de bens e serviços, mas também, o que tem em algum momento, uma marinha ou um exército muito poderoso, capaz de salvaguardar suas rotas comerciais. Não é qualquer potência econômica que ascende ao papel de hegemonia”, esclarece ele.

O papel das hegemonias na construção do comércio internacional

A aplicação do conceito de hegemonia, na análise das relações internacionais, traz três países titulares desse poderio ao longo da história: Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.

Para Pons, todo país hegemônico tem duas expansões, a primeira é a material, o momento em que a nação desenvolve uma forma arrojada de ganhar dinheiro, como a promoção de manufaturas e serviços. A segunda é a expansão financeira, por meio da superabundância de capitais, que no caso da própria Holanda levou ao seu lançamento no mercado financeiro. Em decorrência disso, a primeira bolsa de valores do planeta foi fundada em 1602 em Amsterdã.

Depois do término da Revolução Francesa em 1799 e das Guerras Napoleônicas em 1815, a Holanda começou a perder competitividade frente à Inglaterra, berço da Revolução Industrial, um período marcado pelo surgimento da indústria e do capitalismo na segunda metade do século XVIII.

O término das Guerras Napoleônicas, no congresso de Viena em 1815, trouxe da mesma forma uma reorganização na Europa, e foram tomadas decisões que também vieram a atingir o Brasil, como a entrega da Guiana para a França e a condenação do tráfico de pessoas escravizadas.

A supremacia holandesa acabou sendo destituída pela Inglaterra, com sua próspera burguesia, detentora de poder bélico e mão de obra escrava. E com a descoberta de um novo modelo de acumulação de capital, que foi a Revolução Industrial, os ingleses ascenderam seu ciclo material.

Desta maneira, os britânicos precisaram de uma marinha para proteger as rotas comerciais dos seus produtos manufaturados, processo que começou a eclodir com o surgimento de navios mais leves, rápidos e com maior poder de fogo, explica Pons.

“Quando um país está no seu ápice, seguindo a ideia das ondas de expansão, nasce um próximo, e há uma zona de conflito, a exemplo de Inglaterra e Holanda na revolução mercantilista, período marcado por intensas guerra marítimas”, comenta professor Guilherme.

Já a Segunda Guerra Mundial, foi o marco histórico que fez com que o Estados Unidos da América despontasse como uma grande potência capaz de estabelecer a ordem econômica internacional.

“Existe um padrão que ocorre de conflitos internacionais que dura aproximadamente 30 anos, o que ocorreu na transição Holanda e Inglaterra. Entre a Primeira Guerra Mundial, em 1914 e o término da Segunda, em 1945, são 31 anos.  Os teóricos acreditam que o período entre guerras provocou a transição de entrada dos EUA sendo hegemonia após a Segunda Guerra Mundial, com a era de ouro do capitalismo mundial”, afirma Pons.

A expansão material do Estados Unidos se deu por meio do Fordismo, um modelo produtivo criado por Henry Ford em 1913, proposto para a indústria automobilística com o objetivo de aumentar a produtividade e  diminuir custos de produção. “O Fordismo implementou novas formas de gestão não só para as linhas de montagem, mas também para a administração pública”, diz Guilherme.

O fim de uma era

Para os professores, estamos em uma nova guerra de 30 anos, que trabalha com duas hipóteses de início, em 2001, com a queda das torres gêmeas ou, em 2008, com a quebra do mercado americano.

O fim da era das hegemonias é  explicado pelos professores por ser um conceito defendido pela socióloga do trabalho e desenvolvimento estadunidense Beverly J. Silver, autora da Teoria Sistema Mundo Moderno, assim como Arrighi.

“Acredito que estamos passando por um momento de caos sistêmico, a história não se repete, mas a história rima. A cada sucessão hegemônica ocorre o que nós chamamos de complexos de ponta, ou seja, novas descobertas, novos produtos,  novas formas de se fazer guerra. Temos hoje um outro tipo de guerra, além das guerrilhas, que ainda permanecem ao longo do planeta. Temos guerras híbridas, onde não se vê mais a presença de dois exércitos, a guerra hoje é muito mais tecnológica, fora do contexto de conquistas territoriais. Hoje em dia, as guerras são de ganhos relativos, onde um país tenta diminuir o outro para ter vantagens em contratos de negócios e acesso a maiores riquezas e recursos”, assegura Pons.

Outro exemplo citado pelos professores foram as Cyber Wars, ataques cibernéticos realizados por meio de um conjunto de ações de ordem pública, para desmantelar democracias que são contrárias aos interesses de países como China e Rússia.

Para Pons, chegamos ao fim da era das hegemonias. “O mundo está cada vez mais caótico, grande parte pela falta de um líder global capaz de oferecer respostas sistêmicas, pois os países estão se conectando de forma muito visceral. Ao longo da história percebemos que toda ascensão hegemônica se deu por meio de guerras, o que me causa medo. Talvez hoje não seja mais possível pensarmos na ascensão de um hegemon”, conclui.

A conversa foi transmitida pelo canal no YouTube da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança no dia 03 de junho de 2022,  você pode acompanhar na íntegra neste link.

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