As lutas de Tamires para empoderar as pessoas com deficiência

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Tamires Xavier tem 32 anos e desde que nasceu convive com uma atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 3, doença rara e degenerativa que não tem cura. Ela mora em Pindoterama, cidade de 20 mil habitantes a 84 km de Fortaleza, capital do Ceará. Seria de se imaginar que Tamires iria se acomodar em sua cadeira de rodas e esperar a vida passar. Nada disso.

Tamires leva adiante dois cursos superiores simultaneamente. Já cursava Serviço Social na modalidade a distância na Uninter e no ano passado deu início ao curso de Direito na Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela enfrenta o desafio de se locomover de Pindoterama até a capital para as aulas na UFC e para realizar as atividades presenciais do curso EAD da Uninter no polo de Fortaleza. Para isso, percorre 84 km entre ida e volta em transporte público.

A estudante tem a cadeira de rodas por companheira e lida com as limitações que a AME lhe impõe desde que nasceu. A doença, que é degenerativa, afeta os movimentos, a força e o equilíbrio de membros e órgãos. Durante toda sua vida, ela teve o acompanhamento de profissionais, não só da saúde, mas também de assistentes sociais, que a ensinaram a lutar por seus direitos, como, por exemplo, o acesso a remédios e passagens de transporte pela rede pública.

A convivência com esses especialistas fez com que a jovem se inspirasse e tivesse o desejo de também ajudar outras pessoas, da forma como foi e continua sendo ajudada. “Escolhi Serviço Social porque me inspira a vontade de empoderar as pessoas, falar sobre os direitos e como alcançar. Escolhi o EAD por conta das dificuldades de acessibilidade, então foi uma boa oportunidade de acesso ao ensino superior”, explica.

Em 2018, com a dificuldade de manter os estudos por causa da carência de recursos financeiros, a estudante decidiu realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o intuito de conseguir uma bolsa estudantil pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). O que ela não esperava era que sua nota seria o suficiente para se candidatar a uma vaga na Universidade Federal do Ceará (UFC). Tamires optou pelo curso de Direito e garantiu seu lugar. No segundo semestre de 2019, ela foi chamada para a vaga.

Ainda que isso significasse um esforço adicional, a estudante decidiu se dedicar às duas graduações ao mesmo tempo. Atualmente, a cearense está no segundo semestre da universidade pública e conta que o curso é um sonho desde a época do colégio, pois tanto o Direito quanto o Serviço Social são áreas que a acompanham por toda a vida.

“Eu sempre quis o Direito por uma questão de autoproteção, sabendo das leis e podendo operá-las eu posso me defender das dificuldades. Como o coração é dividido, eu optei por lutar pelas duas. Enquanto em uma você aprende os direitos, na outra você tem como agir propriamente dito. Eu diria que se completam”, conta.

Quanto às modalidades distintas em que estuda nas duas instituições, a distância na Uninter e presencial na UFC, Tamires diz que ambas possuem pontos positivos e negativos. “A convivência diária, o calor humano, todo o ambiente acadêmico não tem como comparar, mas a praticidade do EAD no meu caso, enquanto PcD, é um diferencial”.

A distância não é o único obstáculo enfrentado por Tamires para frequentar as aulas presenciais todos os dias na UFC. As dificuldades começaram já no transporte público, que não contava com as condições apropriadas para levá-la diariamente até a universidade. Mesmo com a obrigatoriedade de acessibilidade, o ônibus disponibilizado pela prefeitura não dispunha do elevador de cadeira de rodas funcionando.

Tamires precisou levar o caso à Justiça e passou por um processo de oito meses, do qual saiu vitoriosa. “Antes eu ia de carro e a despesa era bem alta. Eles não queriam arrumar o elevador do ônibus, mas uma ordem judicial os obrigou e deu certo”, lembra.

Mesmo com todos os percalços em sua caminhada, a estudante não deixa de sonhar e tem grandes planos para o futuro como profissional. No terceiro ano de Serviço Social, ela já faz estágio no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da cidade onde mora e diz que o que mais gosta de fazer é atuar no programa de apoio aos idosos, onde são realizados encontros, palestras e passeios. Mas o que realmente toca o coração de Tamires é o trabalho feito por profissionais no Centro de Neurorreabilitação SARAH, em Fortaleza.

A Rede SARAH de hospitais se dedica à reabilitação de adultos e crianças com lesão modular e cerebral, e é onde Tamires trata a sua atrofia desde 2001. “Eu sonho em atuar na Rede SARAH, pois lá eles possuem um trabalho multidisciplinar bem legal. O trabalho deles envolve não só o físico, mas o social e o emocional”, salienta.

Na área do Direito, a estudante sente mais identificação com o trabalho feito na Promotoria de Justiça, já que gosta de “agir nas problemáticas diretamente”. Pensando nesses problemas encontrados por pessoas que estão na mesma condição que ela, Tamires diz que a sociedade tem dificuldade em se adequar à realidade dos que têm qualquer deficiência física e que, na maioria das vezes, não consegue oferecer adaptações às necessidades deles. Para ela, essas pessoas “estão sempre desconfiando da capacidade que possuem e acham que tudo é um favor”.

Ainda assim, ela acredita que é movida por seus sonhos. Mesmo não gostando de romantizar sua condição de vida, a realização pessoal compensa toda a luta. Para aqueles que vivem na mesma situação e têm dúvidas sobre seguir este caminho, Tamires diz que “é um desafio muito grande, um desgaste emocional e físico fora da realidade. Mas se o sonho for maior, se a vontade for dessas que te deixam inquieto, vai com tudo, foca no objetivo e não olha para trás. É uma escolha de muita luta, mas vale a pena por você mesmo”.

É com essa garra e força de vontade que a estudante deseja construir um “nome de peso”, sendo uma boa profissional, qualquer que seja a carreira que decida seguir após a formação.

“Um bom profissional precisa gostar do que faz, antes de tudo. Muita gente admira por eu pagar faculdade sem ter posses, fazer EAD, no meio do curso ter feito o Enem e ainda entrar para o Direito, rodar 84 km todo dia. Mas é isso, eu não vejo como motivo de admiração, vejo como alguém que está tentando. Deus me deu os sonhos, eu luto por eles”, finaliza.

Chegar ao ensino superior é um sonho para milhares de brasileiros, como foi para Tamires. Para aqueles que possuem necessidades especiais, igual a ela, o desafio é ainda maior. Preocupada com a inclusão, a Uninter é uma instituição que trabalha para acolher a todos os seus alunos, e conta com um departamento especial para isso, o Sianee (Serviço de Inclusão e Atendimento aos Alunos com Necessidades Educacionais Especiais).

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal Tamires Xavier


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