Acordem, acordem, acordem: a urgência da mensagem de Spike Lee em Faça a Coisa Certa

Autor: Douglas Henrique Antunes Lopes*

“Acordem, acordem, acordem” é a primeira frase que ouvimos do personagem “Mr. Love”, o radialista da Rádio Amor FM, interpretado por Samuel L. Jackson no clássico Faça a Coisa Certa (1989) de Spike Lee. Trata-se, dizem os críticos do cinema, do melhor filme daquele ano e ele se torna ainda mais icônico por não ter sido sequer indicado ao Oscar nessa categoria em 1990, pois revela que a sociedade está dormente em relação às questões raciais.

Ao espectador despreparado, pode parecer que essa primeira sequência não queira dizer muita coisa, embora a fala seja muito enfática, é necessário ressaltar alguns pontos: nos pede para despertarmos, o que não significa apenas sair da cama, mas apela para que estejamos, sobretudo, atentos – ouvindo e observando a realidade de forma nítida. É o mesmo chamado enunciado nos séculos anteriores e, infelizmente não ouvidos, pois os mesmos problemas chegam até nós.

É possível que esteja pensando que a questão racial é pertinente apenas aos EUA e que isso seja problema deles, mesmo lamentando a morte de George Floyd, pode acreditar que não temos nada a ver com isso. No entanto, nossas histórias apresentam elementos que nos unem, mais do que o sentimento de rejeição à violência, temos um passado colonial marcado por uma prática escravagista genocida, o que nos maculou até o séc. XIX.

Quando nossas populações negras foram legalmente libertas, não contaram com programas de educação, inclusão social ou acesso à propriedade, como tiveram muitos imigrantes europeus. Portanto, temos uma devastadora dívida histórica com os afrodescendentes, de modo que a meritocracia só poderia ser aplicada se tivéssemos condições de vida com equidade.

Pior do que isso, além de excludentes, continuamos violentos. Escrevo isso no plural porque nós permitimos que as barreiras enfrentadas pelas minorias estejam em pé, nós toleramos a violência e a discriminação.

A morte de Floyd não é problema somente dos norte-americanos. O mapa da violência de 2016 (já desatualizado) nos indica que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos no Brasil. 42.291 pessoas foram assassinadas em 2014, de modo que 70% dessas pessoas são negras ou pardas. “Embora devamos honrar o nome do Sr. Floyd, isso não é uma novidade”, disse Spike Lee à reportagem da BBC, pois todos os dias pessoas negras são assassinadas.

No contexto brasileiro, devemos lembrar de João Pedro, garoto de 14 anos assassinado pela PM na Região Metropolitana no Rio de Janeiro, e Anna Carolina de Souza Neves, menina de apenas oito anos, vítima de uma bala perdida no dia 10/01/2020, também no Rio de Janeiro. Isso para lembrarmos de duas entre milhares de vidas que são apagadas nesse contexto.

O que acontece com o personagem Radio Raheem, interpretado por Bill Nunn não é uma premonição, é um retrato do que acontece diariamente nas nossas cidades. Vale ouvir o conselho do Prefeito (Ossie Davis) e fazer a coisa certa.

O texto foi escrito ao som de Bluesman, de Baco Exu do Blues, clipe ganhador do Cannes de Publicidade em 2019.

* Douglas Henrique Antunes Lopes é professor de Filosofia e tutor da área de Humanidades da Uninter.

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Autor: Douglas Henrique Antunes Lopes*
Créditos do Fotógrafo: José Cruz/ABr


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