A vida secreta de Angela Maria

Autor: Julia Siqueira - Estagiária de Jornalismo

Durante três anos, Angela Maria Roman levou uma vida dupla. Sem contar aos familiares e amigos, a educadora de 45 anos decidiu pôr em prática um plano que há muito tempo vinha sendo idealizado em segredo. Angela nutria uma paixão platônica, e a manteve em sigilo por muitos anos.

Educadora da rede municipal de Joinville (SC) e da rede estadual de Santa Catarina há mais de 20 anos, Angela Maria é formada em Ciência da Religião e pós-graduada em Epistemologia e Metodologia do Ensino Religioso, ambos os cursos pela Universidade da Região de Joinville (Univille). Apesar do gosto e interesse pela área, suas verdadeiras intenções para a primeira graduação não estavam exatamente ligadas à religião. A verdade é que a filosofia havia conquistado o fascínio da moça desde a adolescência.

Ainda que não tivesse a disciplina em sua grade escolar do ensino médio, foi neste período que Angela Maria descobriu a filosofia. Ela conta que na época de colégio gostava de ler sobre a história das civilizações e que quando leu sobre a Grécia, de cara começou a estudar mais sobre a filosofia. Suas primeiras paixões dentro da área foram os clássicos: Sócrates, Platão e Aristóteles. Mas, infelizmente, algumas coisas não estão sob nosso controle.

Por mais que a jovem leitora tivesse a vontade de cursar filosofia, quando prestou vestibular não havia oferta desse curso de graduação em sua região. Assim, Angela iniciou os estudos em Ciências da Religião. “A disciplina de ensino religioso trabalha o fenômeno religioso. Essa busca que o ser humano faz por Deus em todos os tempos, em todas as culturas. Ela não trabalha com doutrinas, mas com o estudo científico, utilizando várias ciências, para estudar esse fenômeno. Por isso que, para mim, era muito interessante e tem muito a ver com filosofia”, esclarece.

Antes da faculdade, Angela não se imaginava professora, pensava em cursar administração ou publicidade e propaganda. Contudo, as coisas mudaram após terminar o ensino médio e, antes mesmo de concluir a graduação, já estava na sala de aula. Ao todo, são 23 anos lecionando ensino religioso. E não é só isso! Por 8 anos a professora ministrou, também, aulas de sociologia e filosofia. E foi a partir deste ponto que que as coisas começaram a ganhar outra perspectiva! Depois de um tempo ensinado filosofia, ela começou a fazer opção por apenas esta disciplina.

Foi em 2015, na escola onde trabalhava, que Angela teve a oportunidade de realizar seu primeiro projeto dentro da área e assim ver seu sonho ganhando forma. Ela conta que o “Trilha Filosófica”, nome do projeto de que participou, foi fundamentado na inclusão de um aluno com deficiência visual. Graças ao resultado muito acima da expectativa, sentiu que deveria investir de vez na graduação que tanto desejava.

Agarrada à vontade de fazer dar certo e com um empurrãozinho do acaso, Angela Maria iniciou a Licenciatura em Filosofia na Uninter já no ano seguinte! “Na verdade, foi bem interessante como aconteceu. Eu estava passando na frente do polo da Uninter junto com o meu sobrinho, que estava procurando fazer uma graduação. Falei para ele entrar no polo e obter informações sobre os cursos na área que ele queria. Incentivei-o bastante, fomos bem atendidos e enquanto a recepcionista falava com ele, peguei um folder e li sobre o curso de Filosofia. Combinamos de voltar, mas ele teve um compromisso e não pôde ir. Eu fui, fiz o vestibular e em maio de 2016 iniciei a licenciatura na Uninter”, ela relembra.

O segredo  

Adulta, funcionária pública de duas redes (municipal e estadual), mãe de duas garotas já saindo da adolescência, pós-graduada, mulher. Apesar da grande conquista pessoal, Angela Maria escolheu manter os três anos da graduação em segredo, inclusive de sua família e amigos mais próximos. Não é muito difícil imaginar o porquê.

Além de ser uma forma de se proteger de julgamentos e comentários mal-intencionados, a professora explica que, para ela, não precisamos ser livros abertos o tempo todo e podemos realizar coisas sozinhos, sem transformá-las em um espetáculo. “Hoje as pessoas banalizam tudo, tiram foto até de um copo de água que bebem, contam tudo, se expõem demais. A filosofia nos provoca a pensar sobre isso. Por que não contar? Ou por que contar?”, ela reflete.

As primeiras a saber foram as filhas. Contudo, Angela só falou sobre a graduação para elas quando marcou sua banca para a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “No começo elas não sabiam. Depois acho eu que elas perceberam, mas não perguntaram. Elas achavam que eu estava fazendo um curso de capacitação de professores pela secretaria de educação, porque frequentemente tem curso”, explica.  E a suspeita das meninas não era para menos! Sem contar as 40h de sala de aula, Angela Maria precisava dar conta de estudar em casa, organizando sua rotina com as leituras na sexta e videoaulas nos finais de semana, tudo em segredo.

Hoje, faltando pouco mais de um mês para se formar, a maioria dos amigos e familiares já sabem sobre seu feito e esperam ansiosos pela formatura, que acontecerá em novembro. As reações, segundo a própria professora, foram muito positivas, causando surpresa e alegria na maioria das pessoas.

O concurso

Como se a alegria de cursar filosofia não fosse o bastante, em julho deste ano Angela Maria conquistou o terceiro lugar no concurso “Um(a) português(a) na minha vida”, organizado pela Feira do Livro de Joinville, que aconteceu de 6 a 17 de julho. Este foi o primeiro ano em que professores puderam participar da disputa, que normalmente é restrita a estudantes.

A proposta do concurso era para que os participantes escrevessem um relato sobre sua experiência literária com um autor português. Mais uma vez, Angela Maria buscou motivação e enviou sua história para o concurso. Foi sua primeira oportunidade participando de uma premiação deste gênero e ela não imaginava que poderia ficar entre os três primeiros.

O diferencial de sua participação neste concurso foi, segundo ela, o fato de que sua escolha partiu de algo muito pessoal. “Sempre gostei da poetisa Florbela Espanca. Um dos poemas que gosto muito é ‘Teu Olhar’. Descobri que o cantor Fagner tinha musicado este poema, justamente quando eu pensei em iniciar a licenciatura […] Florbela Espanca foi uma mulher à frente do seu tempo. Foi a primeira mulher a cursar Direito em Lisboa. Foi jornalista e escreveu de forma muito apaixonada.”

Angela conseguiu ligar a inspiração que vinha de Florbela com a paixão pela filosofia. “Parece que tudo foi se encaixando! Decidi naquele dia que voltei no polo da Uninter que eu deveria fazer o que sempre quis fazer: a licenciatura em Filosofia. O meu relato conta todo o meu apreço por Florbela, que já vem de longa data e, no final, como eu decidi, em meio a tantos desafios, ‘filosofar nas poesias’. Como na Alegoria da Caverna. Saí da escuridão e procurei o conhecimento. É nisso que eu acredito! Estamos rodeados a todo momento de poesia e filosofia. O mundo precisa da filosofia. Essa sociedade em que vivemos precisa retomar a reflexão filosófica. Ela embruteceu”, avalia.

Hoje, após três anos vivendo seu sonho em segredo, Angela Maria pode gritar aos sete ventos que conseguiu cumprir um de seus objetivos mais antigos. Sem nenhum arrependimento, a professora e futura filósofa deixa a mensagem de que não existe idade para fazer uma graduação. “Acredito que, como eu, muitas pessoas aproveitarão melhor uma graduação na minha idade. Por isso recomendo estudar sempre em qualquer idade. EAD [educação a distância) é ótimo. Podemos estudar quando queremos, mas com a mesma responsabilidade”, conclui.

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Autor: Julia Siqueira - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal Angela Maria Roman


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