A menina do balé virou doutora

Autor: Evandro Tosin - Assistente multimídia

O Teatro Guaíra estava lotado naquele dezembro de 1981. Centenas de pessoas na plateia e umas 15 meninas apreensivas no palco, natural para uma primeira apresentação em público no maior teatro do Paraná. Era de tremer as pernas, mas elas precisavam estar firmes para os movimentos do balé. Deu tudo certo, fizeram a coreografia direitinho, com muitos aplausos no final. Entre as pequenas bailarinas despontavam as irmãs Elenicia e Shirlei Miranda de Camargo, de 10 e 8 anos, respectivamente. Estavam realizando um sonho que a mãe, toda orgulhosa na plateia, não pode realizar na infância.

A dança passou a correr nas veias de Shirlei. Aos 15 anos, decidiu dar aulas de balé para crianças de 3 anos, sem muito êxito em conter os ânimos das crianças. Mas ela tinha outras habilidades que iriam despontar aos poucos. Filha da terceira geração de curitibanos, desde criancinha desenhava super bem. A mãe, Miria Furman, tinha a convicção de que a educação faz toda a diferença, então pagava cursos particulares para as filhas. O pai, Joel Miranda Camargo, não deixava por menos. Incentivava as filhas nos estudos para que nunca precisassem de um homem para sustentá-las. Como se vê, um homem necessário desde os anos 1980.

Acontece que a vida tem lá suas tribulações. As contas apertaram e ficou difícil pagar colégio particular para as meninas. Então, no início da adolescência, a mãe propôs a Shirlei que tentasse ingressar em uma escola gratuita. A menina não passou de primeira, por que não estava muito convicta de que era isso mesmo que queria, mas insistiu uma segunda vez. Valeu a pena. Em 1988, ingressou no curso técnico de desenho industrial no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), concluído em 1992. E logo fez a graduação em desenho na PUC-PR.

Agora tinha diploma, era a primeira da família a ter uma formação superior. Imagine o orgulho. Orgulho também da irmã, Elenicia, que mais tarde se tornaria empresária do ramo de produtos para marcenaria. Nesse meio tempo, a dança não saía dos pés e da cabeça de Shirlei, que continuou a dançar balé até os 18 anos. Foram dez anos dançando, estava no sangue e na alma, era difícil parar. Mas a vida cobrava outras obrigações e, durante a graduação em desenho industrial, fez estágio em uma empresa de projetos elétricos. Era outra vocação se manifestando.

O primeiro emprego de Shirlei foi na elaboração de projetos de layouts para supermercados. Desenhos de móveis e equipamentos, disponibilização de caixas de atendimento aos clientes, ilha de congelados. Logo, passou por um rigoroso e competitivo processo de seleção de uma das maiores empresas de cosméticos do país, O Boticário. Foi uma sequência de entrevistas e dinâmicas avaliativas, mas ela passou, claro. Nos quatro anos em que permaneceu na empresa, fazia a previsão de vendas, tinha de estimar quanto de perfumes e batons seriam vendidos, entre outras coisas.

As reuniões de trabalho envolviam equipes da área de vendas, de química, do marketing. “Aprendi muito. Tive o contato com o marketing e descobri que eu queria trabalhar com isso. Nos lançamentos de produtos, na primeira versão lançada, eu estava junto. Quando se lança um produto, não é só o marketing, chama-se um representante de cada área até o final do projeto. Essa equipe se reúne para fazer escolhas e decisões. Achei muito legal, quero trabalhar com isso, eu pensei”.

Foi então que a sede de conhecimento cresceu. Shirlei concluiu a especialização latu senso em administração e marketing em 2004 e logo emendou o mestrado em administração, concluído em 2008. Mais tarde, em 2017, defendeu sua tese de doutorado em administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A saga da dissertação e da tese merece um capítulo à parte na vida de Shirlei. Ela tinha saído do Boticário, desempregada e sem saber o que fazer, o marido, Cassiano Lemanski de Paiva, a incentivou a ingressar no mestrado.

Um marido pra toda hora

Cassiano foi transferido para Porto Alegre (RS) pela empresa na qual era engenheiro. Shirlei iria junto, mas passou na seleção do mestrado na UFPR. Acabou ficando, e viajava a cada 15 dias à capital gaúcha. Mas, no meio dessa jornada, ela engravidou do primeiro filho, Thiago. Começou o bate-volta para ver o marido em Porto Alegre e cumprir as disciplinas do mestrado em Curitiba. Costumava ir de ônibus, mas, no final da gravidez, já não podia viajar nem de avião. Thiago nasceu em 2007.

Algumas disciplinas ela fez na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para concluir a dissertação, teve de fazer mais duas em Curitiba. Viajava com o filho de colo, quando ainda amamentava. Chegou a ficar 5, 6 horas em uma sala de aeroporto com o bebê no colo. “Foi uma fase  bem complicada”, lembra. Ao concluir o mestrado, a família voltou para Curitiba, agora Cassiano era sócio de uma empresa de engenharia. Shirlei passou a trabalhar como coordenadora de marketing na empresa de um amigo, onde ficou por quatro anos.

Shirlei se viu sem perspectiva, trabalhando em uma empresa pequena. Novamente Cassiano entrou em cena, e a incentivou a fazer o doutorado. Mas havia planos de outro filho, então ela esperou. Tão logo Luiza nasceu, em 2012, foi fazer a prova do doutorado na UFPR, ainda com a cinta pós-parto. Amamentou Luiza no carro e foi fazer a prova. Terminada a avaliação, voltou para amamentar a filha. “Ela cresceu junto com a minha tese”. Os dias transcorreram com Shirlei concentrada nas leituras e Luiza no cercadinho, as mãos sempre estendidas uma para a outra.

A essa altura, Cassiano poderia ser visto como um coadjuvante nessa história, não não é bem assim. Foi ele quem segurou as pontas enquanto Shirlei tocava o mestrado e o doutorado. O valor da bolsa de pesquisa do doutorado era pequeno e Cassiano foi dando conta das despesas da casa, foi compreensivo com as ausências e com a concentração de Shirlei nas leituras, ajudava no cuidado das crianças. Um companheiro pra toda hora, dá para perceber.

Com o apoio da irmã, do pai, da mãe, do marido, Shirlei foi construindo a profissional que ela é hoje. Suas áreas de pesquisa que tangenciam todo esse percurso acadêmico são marketing, previsão e estratégia de venda, varejo, layouts, neuromarketing, análise comportamental do consumidor. Se ter uma graduada já era um orgulho para a família Camargo, imagine uma doutora.

A carreira docente

Da paixão pelo marketing nasceu a paixão pela docência. Shirlei sabia, pela experiência profissional, que na área acadêmica a experiência é valorizada. Não importa a idade, quanto mais você sabe, mais você é reconhecido pelo que sabe. Ela tinha todos os títulos possíveis na formação acadêmica, além da vivência de mercado. Conhecia a teoria e a prática. Tinha, portanto, o melhor de dois mundos.

Mas, foi só depois do doutorado que Shirlei começou a lecionar. Metódica, levou uma semana para planejar a sua primeira aula em uma instituição de ensino superior, preocupada com cada detalhes e como seria a recepção dos alunos. Assim como a bailarina precisa repetir os movimentos até a perfeição, muitas vezes indo ao limite do que o corpo suporta, a professora também precisa colocar a mente em rendimento máximo. Shirlei foi persistente, ganhou experiência.

Na Uninter, realizou uma aula-teste em 2017 e passou a lecionar no curso de Publicidade e Propaganda. No ano seguinte,  recebeu convite para atuar na Escola de Gestão, Comunicação e Negócios da instituição, trabalhando como professora e tutora dos cursos de Varejo Digital e Gestão Comercial. Em novembro de 2020, iniciou o mestrado em neuromarketing na Escola Superior de Comunicação e Marketing (ESCO) de Granada, Espanha. Se já tem doutorado, por que fazer outro mestrado? Coisa de quem nunca se contenta com o que já sabe.

Há uma razão prática para esse nova investida no mundo acadêmico, o que se reflete na qualidade do trabalho docente. “Estou gravando uma disciplina de neuromarketing, ajuda também no marketing em geral, conhecimentos e exemplos de como o cérebro do consumidor funciona. Conhecer o consumidor melhor, saber o que ele realmente gosta, porque às vezes nem ele sabe expressar. O neuromarketing consegue, através de ondas cerebrais, respostas fisiológicas do corpo, descobrir o que as pessoas gostam ou preferem”, explica.

Em fevereiro de 2021, Shirlei assumiu o cargo de coordenadora-adjunta do curso de Administração da Uninter na modalidade de ensino Ao Vivo Telepresencial, coordenado por Vanessa Rolon. A graduação em de Administração da Uninter possui a nota máxima na avaliação do Ministério da Educação (MEC), já recebeu o prêmio da Angrad de inovação e aprendizagem, em 2018, ao desenvolver a metodologia de Unidades Temáticas de Aprendizagem (UTA). O curso também conta com 18 mil alunos na educação a distância, e está no ranking de melhores cursos da Folha S. Paulo.

A escritora e pesquisadora

Shirlei sempre está antenada e produzindo conteúdo. Em parceria com Juliana Costa, Ana Toaldo e Simone Didonet, escreveu em 2018 o artigo científico O papel das capacidades de marketing, capacidade de absorção e desempenho de inovação. Inteligência de marketing e planejamento, que foi publicado em uma revista científica do Reino Unido, e ainda ganhou o prêmio de melhor artigo científico (clique no título para acessar).

Em 2020, desenvolveu um artigo de opinião, dessa vez, em parceria com Pollyanna Gondin, também professora da Escola de Gestão, Comunicação e Negócios da Uninter, intitulado A pandemia e sua influência no relacionamento íntimo das pessoas, publicado na Revista Acontece, distribuída na região Sul da Flórida (EUA), na edição de Fevereiro 2021. Elas analisaram o Google Trends, pesquisaram o tipo de busca dos usuários e, bingo!, escreveram sobre as novas formas de relacionamento na pandemia.

Atualmente, Shirlei está com três livros em andamento pela Editora Intersaberes. E também vive a expectativa da nova modalidade de ensino Ao Vivo Telepresencial, com aulas transmitidas para os alunos em qualquer lugar do mundo. “Eu achei sensacional, estou super empolgada com esse projeto. O telepresencial vem justamente para esse aluno que precisa entrar no horário da aula para ser diferente da EAD. É ter essa interação entre o professor e professor-adjunto, essa conversa e troca, que dá a sensação de que o aluno está na sala”, diz.

“Sou muito grata à Uninter e às pessoas pela oportunidade, e agora, estando coordenadora-adjunta, pretendo continuar seguindo com meu trabalho. Sou detalhista, me empolgo com projetos novos.  Muito orgulho de estar vivendo esse momento que a EAD está crescendo, com qualidade, uma metodologia que funciona, que ajuda muitas pessoas por todo o Brasil a ter upgrade de carreira. A gente recebe vários casos de alunos falando que receberam uma promoção ou conseguiram aumento de salário por causa da gente, pessoas que, de repente, lá no meio do interior do Brasil, não teriam acesso a uma faculdade”, diz.

De volta ao balé

Depois de quase três décadas distante da dança, com marido, filhos, trabalho e casa para cuidar, ressurgiu a vontade de voltar a fazer balé. Mas Shirlei ficou um tanto constrangida de, às vésperas dos 50, compartilhar turmas com meninas de 15, 16 anos. Então, em 2020 encontrou uma escola de balé para adultos. A memória corporal surgiu de imediato, a flexibilidade veio aos poucos. Foi como uma redenção, o balé tornou-se um porto seguro na pandemia. “É o momento em que eu consigo relaxar, desestressar, faz bem para a alma e o corpo”.

Antes da pandemia as aulas aconteciam na escola. Agora, o palco não é mais o teatro, e sim a sala de casa. Com as medidas de distanciamento social imposta pela pandemia do novo coronavírus, Shirlei voltou a fazer os exercícios com o balé online. São pelo menos três dias de atividade na semana. E ela procura registrar suas atividades de dança em vídeos curtos nas redes sociais, como uma forma de incentivar outras pessoas.

“O balé me trouxe muita determinação, organização. Isso você internaliza e leva para sua vida profissional. Além de fazer bem para o corpo, para a alma, de ser um momento de relaxamento, ajuda a construir essa característica de fazer as coisas, de persistir. Para ser bailarina tem que fazer isso. Acabou contribuindo com essa trajetória”, comenta.

Shirlei contou suas experiências no programa Memória Viva da Rádio Uninter, no dia 4.mar.2021. Para assistir, clique aqui.

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Autor: Evandro Tosin - Assistente multimídia
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal Shirlei Camargo


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