A curiosidade de Carlos o levou até as estrelas

Autor: Nayara Rosolen - jornalista

Foi às 9h20 (horário de Brasília) do dia 25 de dezembro de 2021 que a NASA realizou o lançamento do telescópio espacial James Webb. Capaz de captar radiação infravermelha, foi lançado do complexo ELA-3, em Kourou, na Guiana Francesa e se desprendeu do foguete Ariane 5 às 9h50.

Em solo brasileiro, as primeiras imagens do James Webb por instrumento foram registradas através do Remote Observatory of Campos dos Goytacazes (ORCG), ou Observatório Remoto de Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, idealizado pelo estudante de Física da Uninter, Carlos Henrique Barreto. As fotos foram submetidas na madrugada seguinte para o Minor Planet Center (MPC), centro de referência astronômica mundial, que identifica e cataloga a descoberta de objetos.

Com este feito, Carlos entrou em contato com o professor Daniel Tedesco e deu início a uma troca de conhecimentos que resultaria em uma parceria com o grupo educacional e a Fundação Wilson Picler (FWP). Por meio do acordo formalizado em outubro de 2023, professores e estudantes da instituição poderão utilizar o observatório para projetos e pesquisas.

“Nascer somente para trabalhar e morrer sem fazer nada, acho que não tem sentido. O ideal é que você produza algo. Se o seu objetivo é só dinheiro, que sentido tem a vida? Precisava de algo a mais, me sentir fazendo algo diferente e contribuindo com a ciência, levando o conhecimento”, explica Carlos.

Por meio dos equipamentos, é possível fazer um rastreamento do céu, a partir da programação inicial na qual são indicados os pontos do céu a analisar. O acesso é remoto e pode ser realizado de qualquer lugar do Brasil por aqueles que possuem a autorização. Com as observações, o sistema registra fotos da trajetória de possíveis Near-Earth Objects (NEO), que são os objetos próximos da Terra.

Na Uninter, o ROCG está diretamente ligado ao projeto de Segurança Planetária, mantido também pela FWP e agora liderado pelo professores Daniel e Luiz Augusto Polydoro. Assim como o projeto mundial de ciência cidadã que analisa objetos ocultados e outros projetos que ainda estão em desenvolvimento.

Além de entrar como agente de fomento, junto à Fundação, o centro universitário também visa encaixar os projetos de divulgação científica no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais especificamente o ODS 4, a respeito da Educação de Qualidade, que busca “garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.

“A contribuição imediata são análises e possíveis objetos que podem ser prejudiciais no contexto da segurança planetária e de divulgação científica […] Esse fomento à profissionalização da astronomia e mostrar a parte científica, acadêmica e visual também. Tem algumas imagens interessantes e a astronomia sempre chama atenção por causa justamente desse imaginário popular sobre o céu”, salienta o professor Daniel.

O resgate de um sonho de criança  

A curiosidade de pesquisar o espaço surgiu em Carlos ainda quando criança, despertada pelo que via na televisão. Na adolescência, sem muito conhecimento sobre astronomia, nem facilidade para encontrar e comprar um telescópio, o pai, Benedito, o presenteou com um binóculo. Assim, a vontade de estudar Física também apareceu cedo, mas foi adiada pelos rumos que a vida tomou.

Carlos se formou técnico em Química no ensino médio e em 2000 começou a trabalhar em plataforma offshore (no mar), na extração e tratamento de petróleo. Entre 2006 e 2007, começou um curso tecnólogo em petróleo e gás. Com a profissão que exige ficar embarcado por até semanas, uma graduação presencial se tornou inviável. Mas foi também o que gerou recurso para que o profissional construísse seu próprio sonho.

O binóculo o acompanhou até se casar com a esposa, Fabiana, cerca de 15 anos atrás. Questionado, contou a história do presente e do desejo que carregava desde a infância. Quando soube, Fabiana decidiu fazer uma surpresa. No Dia dos Namorados, Carlos ganhou uma luneta. “O pontapé inicial para recuperar a vontade de olhar para o céu”, lembra.

O equipamento foi montado no quintal de casa, em Campos dos Goytacazes (RJ), e a partir daí começou a pesquisar mais sobre o assunto, entrou em grupos e fóruns de astronomia e via os equipamentos dos colegas, assim como o compartilhamento de ideias. Dessa forma, acumulou conhecimento, comprou um telescópio e estudou mais sobre ótica e corpos celestes.

Certo dia, o colega e astrônomo Marcelo de Cicco o convidou para um projeto de monitoramento da lua, mas Carlos estava trabalhando embarcado. O fato o incomodou, já que acredita que o ser humano sempre busca quebrar barreiras e dificuldades através de soluções. Assim, mesmo sem entender de automação na época, decidiu automatizar o observatório.

“Com o telescópio, demorava cerca de uma hora e meia, duas horas para fazer um alinhamento quase satisfatório do telescópio e registrar uma imagem de 30 segundos”, conta. A situação piorava quando chovia, porque precisava desmontar e tirar tudo do quintal. Por isso, decidiu comprar um observatório menor, em que deixava o telescópio seguro dentro, só abria o domo (uma espécie de cúpula) e rodava na posição da fenda, em direção ao ponto de observação.

Foi dessa maneira que surgiu a ideia de automatizar o domo, conectar o telescópio a um computador e, através da internet, fazer os comandos de apontamento. Carlos passou cerca de sete meses em tentativa e erro, até que estivesse funcionando remotamente, com a possibilidade de monitorar a lua (e alguns resultados foram publicados). Outros fatores sobre segurança, energia elétrica, conexão, chuva e automação foram aperfeiçoados com o tempo. Levou por volta de cinco anos para que o observatório funcionasse “sem dor de cabeça”, depois da primeira automação.

O resgate do sonho de se graduar em Física aconteceu durante a pandemia. Para mitigar o risco de contaminação entre os embarcados nas plataformas offshore, os profissionais passavam uma semana em isolamento, em um hotel. Na época, Carlos já fazia um curso de Engenharia Elétrica, mas no desejo de ocupar o tempo e preencher a mente, decidiu pesquisar por instituições que ofertam a educação à distância (EAD). Na busca, se deparou com a Uninter por indicação de um amigo e logo ingressou no curso de Física.

“O Carlos tem sido um bom estudante, um bom aluno. É sempre muito proativo nos trabalhos. Como tenho acompanhado mais de perto, nas discussões sobre o grupo de pesquisa [que investiga sobre Computação Quântica], ele tem sido bem atuante”, afirma Daniel.

A satisfação de contribuir com a ciência

O estudante soube da possibilidade de registrar o James Webb no dia anterior ao lançamento. Na véspera do Natal de 2021, estava embarcado no trabalho quando recebeu uma mensagem de um colega, que cedeu a trajetória indicada no ROCG. As imagens foram detectadas pelo software e registradas por Carlos e Paulo Holvorcem.

Em janeiro de 2021, entrou em contato com o professor Daniel via tutoria no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e contou sobre o feito. “Eu achei aquilo bem esquisito e fui investigar, conversar com ele. Aí nasceu essa amizade e ele se colocou à disposição da Uninter”, conta o professor, a respeito do nascimento do projeto em parceria.

“O conhecimento que você retém para você não serve para nada, precisa ser passado para frente. Sozinho também é mais difícil chegar do que acompanhado. Quando você cria algo e disponibiliza para alguém que através disso venha trazer conhecimento, é satisfatório. O lucro que eu tenho é a satisfação de estar contribuindo com a ciência. É poder de alguma forma participar. […] Há pessoas como o professor Daniel, preparadas com todo o conhecimento a respeito, que viu uma utilidade nos equipamentos para trabalhar com a pesquisa, ajudar os alunos, fazer novas descobertas e estudos. É gratificante”, destaca Carlos.

Mas os profissionais buscam ampliar a pesquisa e divulgação do observatório. Como, por exemplo, levar essa experiência para estudantes do ensino básico. Mesmo que já tenha levado para faculdades também, Carlos garante que o impacto é muito maior para crianças e adolescentes. A primeira vez que realizou uma palestra para os pequenos foi há seis anos, no colégio em que a filha Isabela, agora com 11 anos, estudava.

“Se você puder despertar algum interesse pelo conhecimento e estudos, pode mudar uma pessoa. É despertar a curiosidade, dando fundamento do porquê estuda certas coisas e está contribuindo para a sociedade como um todo. Se você muda algo positivamente, aquilo afeta a você também. O futuro da minha filha vai ser com quem está do lado dela. Se cada um fizer um pouco, no final é muito”, explica o estudante.

Na reta final da graduação, o trabalho de conclusão de curso (TCC) também está relacionado ao observatório. Orientado pelo professor Daniel, Carlos aborda o detector de nuvens, já que sem esse sistema “o risco de perder todos os equipamentos é enorme”. É ele que detecta se as condições estão seguras para o domo ficar aberto ou se a cúpula se mantém fechada devido ao clima.

Além de publicação internacional, o ROCG compõe o projeto EXOSS e Carlos já participou de uma reportagem da TV Record sobre o trabalho de monitoramento de asteroides. Sobre a parceria com a Uninter e a FWP, ele prefere não criar expectativas, mas sim “vivenciar e participar” da contribuição para a ciência.

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Autor: Nayara Rosolen - jornalista
Edição: Larissa Drabeski


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