A crônica como relato crítico e agudo do Brasil real

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

O sobrenome Veríssimo ajudou a construir a identidade da literatura brasileira de um século para cá. O gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975) se notabilizou como tradutor e na produção de romances, contos, novelas, ensaios, narrativas de viagem. Seu filho, Luis Fernando Veríssimo (foto), herdou o gosto pela escrita e também viria a se tornar um dos grandes nomes da literatura nacional, como tradutor, roteirista, músico, jornalista e, sobretudo, como cronista. A marca da sua escrita é o humor.

“Uma das grandes habilidades do [Luis Fernando] Veríssimo como escritor é conseguir abordar temas espinhosos, desagradáveis, polêmicos, mecanismos tão enraizados nas estruturas sociais do Brasil, a fim de propiciar uma reflexão crítica a partir do tratamento cômico”, diz Cleber Cabral, professor do curso de Letras da Uninter. Para a professora Maria Thereza João, do curso de História, a grande sacada do autor, além de fazer rir, é “colocar situações em que a maioria de nós se reconhece”.

Cleber e Maria Thereza participaram da oitava edição do “E agora, José?”, Clube da Leitura dos cursos de Letras e História da Uninter, no dia 10.jun.2020, quando se comemora o Dia da Língua Portuguesa. A professora Deisily de Quadros foi a mediadora do bate-papo, que contou com a participação de alunos e comunidade em geral por meio do chat, em uma transmissão ao vivo pela página do Facebook de Linguagens e Sociedade e também pelo canal do Youtube da Escola Superior de Educação.

Antes do evento, os interessados podem colaborar, através do Facebook, votando em uma enquete para escolher qual obra será o assunto central da conversa. Desta vez, o debate que durou pouco mais de uma hora se deu em torno das crônicas “O tempo” e “O Brasil explicado em galinhas”, de Luis Fernando Veríssimo. Ambas abordam temas muito atuais. A primeira sobre a falta de tempo para tantos afazeres do cotidiano e a segunda sobre a corrupção e a forma como ela é tratada e vista no cenário brasileiro.

Comparando as histórias e situações que são colocadas em reflexão pelo autor, Maria Thereza diz que estes “mecanismos” muitas vezes são vistos como algo natural, sendo levado como o “jeitinho brasileiro” por estarem entranhados na história do Brasil. Por isso, refletir e questionar é o caminho para uma desnaturalização dessa condição e compreensão disto como um processo sócio-histórico, podendo assim perceber formas de combater.

“Existem razões pelas quais esses mecanismos estão em funcionamento, é preciso que a gente reflita sobre eles, é por isso que a história é tão importante. Tem tanta coisa que uma ‘cronicazinha’ dessa do Veríssimo esclarece”, pontua Maria Thereza. “E daí a importância de a gente estudar, de estudar história, de pensar a história como uma ciência, porque ela vem para nos esclarecer, para nos tirar dos eternos mitos que nos cegam muitas vezes”, completa Deisily.

A crônica como gênero

Segundo o professor Cleber, a crônica é ao mesmo tempo crônica e aguda. Ela trata de uma questão crônica, que é o próprio tempo, mas é uma reflexão tremendamente aguda, no sentido de afiada e atenta sobre o dia a dia. Para Maria Thereza, “a crônica tem uma capilaridade gigantesca, adentra a todos os aspectos do cotidiano, trazendo reflexões absolutamente essenciais, que muitas vezes a gente não para pra pensar sobre elas, mas a partir do humor se pega refletindo sobre coisas aparentemente insignificantes”.

“A gente não pode acreditar que o humor não leva à reflexão ou que ele é uma coisa boba, aleatória. O recurso bem empregado pode nos fazer pensar muito, refletir muito enquanto leitores”, complementa Deisily, atentando para o fato de que não é porque o texto é breve e simples que deixa de ser denso e ter reflexibilidade.

Cleber introduz o tema mostrando a diferença do gênero, que foi se transformando com o tempo. Conforme explicado por ele, até o início do século 19 as crônicas eram relatos, listas de acontecimentos, uma exposição de fatos organizada cronologicamente. Já a crônica moderna, que começa no século 20, tem um texto próximo da história, mas também do jornalismo e da literatura, sendo uma recreação da realidade, aparecendo nos jornais como relato de fatos do cotidiano em um texto breve, sintético, curto, ágil e conciso.

Relacionando com a História, a professora Maria Thereza ainda destaca a transformação que acontece no século 20, em que histórias marcadas pelo positivismo, super-científicas com a prevalência de narrativa dos grandes heróis, grandes homens e grandes feitos passam por um processo de reflexão. Assim, a nova história parte de uma renovação dos estudos históricos trazendo novas abordagens e possibilidades.

“Aí é que essas histórias cotidianas começam a fazer parte da narrativa histórica, tendo a mesma relevância que esses grandes feitos. Analisar a realidade a partir de uma experiência micro, a partir de um paradigma indiciário, que é uma ferramenta importante dessa construção de micro história. Sem perder de vista, é claro, as relações que fazem essa macro narrativa, que tem a ver com essas relações sociais mais amplas”, explica Maria Thereza. Mas ela ainda pondera dizendo que é importante ter cautela, pois “a crônica também está sujeita a intencionalidade do autor”, podendo manipular para um determinado tipo de resposta que busca atingir.

Questionada sobre a crônica ser algo datado e que pode ficar no passado, ela diz acreditar que o gênero tem o elemento atemporal e que estamos constantemente ressignificando o passado com o nosso presente, a partir das demandas atuais, cotidianas e que importam para o nosso tempo.

“É interessante a gente pensar que a crônica é esse olhar sensível para o tempo, é essa observação para certas situações a fim de expor uma imagem breve, que não tem pretensão a ser permanente, mas ao mesmo tempo aspira uma certa universalidade”, afirma Cleber.

O professor também fala, durante o bate-papo, que não existe nenhuma outra literatura no mundo que tenha tantos cronistas, romancistas, contistas e poetas produzindo crônica com a densidade e qualidade das crônicas brasileiras. E afirma que “uma boa crônica estabelece uma relação de cumplicidade entre autor e leitor, é um diálogo”.

Os debatedores refletem todas essas características do gênero em cima das duas crônicas de Veríssimo, relacionando com a realidade brasileira e as questões políticas que trazem junto com as ações do tempo e dos seres humanos. Além de citar outros autores como Machado de Assis, Olavo Bilac, Antônio Cândido e Rubem Braga.

Assista ao bate-papo completo, acessando a página do Facebook de Linguagens e Sociedade da Uninter ou o canal do Youtube da Escola Superior de Educação e fique atento às próximas edições do evento.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Alice Vergueiro/Abraji e reprodução


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