Troca de ministro no Itamaraty impõe desafio de reaproximação internacional do Brasil

Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo

Brasília 60 Anos - Palácio Itamaraty

Após 27 meses à frente do Itamaraty, Ernesto Araújo deixou o Ministério das Relações Exteriores ao final de março deste ano. A passagem do ex-chanceler ficou marcada por uma série de retrocessos na política internacionalista do Brasil, agravada pela falta de acordos com outros países e farmacêuticas na importação de vacinas contra a Covid-19. Em seu lugar, o diplomata Carlos Alberto França passa a ser o responsável pela pasta.

O estopim para o pedido de demissão feito pelo próprio ex-ministro foram os embates cada vez mais acalorados com parlamentares do Centrão, especialmente com a senadora Kátia Abreu (PP-TO) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Antes disso, Araújo vinha sendo pressionado principalmente pelos ataques feitos à China em relação ao coronavírus e pela aproximação desmedida com os Estados Unidos de Donald Trump.

Ambos os países são importantes parceiros comerciais do Brasil. Em 2020, a China manteve o ritmo dos últimos anos e permaneceu no topo como país que mais exportou e importou do Brasil. O superávit com a nação asiática ficou em US$ 35,4 bilhões (resultado em valores das exportações diante das importações). Já com os Estados Unidos, o Brasil registrou déficit de US$ 2,6 bilhões (resultado da diferença de importações frente às exportações), registrando o pior resultado comercial em seis anos.

“A China é um dos maiores compradores de commodities agrícolas do Brasil. Se você atacar o seu maior comprador, isso vai gerar automaticamente um debate público, uma massa crítica de discussão”, comenta Rafael Pons, professor do curso de Relações Internacionais da Uninter.

Ainda que as gestões anteriores do Itamaraty pregassem uma relação pragmática e de interesse de Estado, o ex-chanceler renunciou ao pensamento e agarrou-se a um alinhamento estritamente ideológico. Os acenos nada sutis aos Estados Unidos do período de Trump iam do apoio declarado à reeleição do americano por parte de Jair Bolsonaro (sem partido) e na suspeição verbalizada por Araújo sobre o resultado das eleições que indicou a vitória do democrata Joe Biden. Contra a China, o discurso adotado pelo ex-ministro foi agressivo, fazendo referência ao “comunavírus” como parte de um plano comunista orquestrado pelos chineses em parceria com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

O desconforto ganhou coro na voz do deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao mencionar a doença como “vírus chinês”. O ataque fez com que a embaixada chinesa no Brasil emitisse uma nota de repúdio às declarações. Além de pôr em xeque a relação comercial com a segunda maior economia do mundo, as ofensas poderiam ter consequências na importação de insumos para a produção das vacinas da Fiocruz e do Butantan. Hoje, o Brasil é dependente do IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) vindo da China, que constitui 35% dos ingredientes de medicamentos básicos importados pelo país.

A falta de mobilização do Itamaraty na importação de vacinas culminou na suposta tentativa de Araújo em deixar o Brasil de fora da Covax Facility, organização liderada pela OMS para distribuição de vacinas a países em desenvolvimento. A resistência do ex-ministro se devia à possibilidade do fortalecimento da OMS, criticada pela base de apoio de Bolsonaro durante as negociações. O Brasil ingressou no projeto apesar disso e assinou contrato que prevê o recebimento de 10,6 milhões de doses no primeiro semestre deste ano.

Dias antes da demissão, um grupo com mais de 300 diplomatas publicou uma carta pedindo a renúncia de Araújo. O documento, não assinado, foi publicado na Folha de S. Paulo e condenava as “condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática” tomadas pelo ministério.

O que esperar do novo chanceler?

Carlos Alberto França é reconhecido por diplomatas e especialistas como um profissional discreto e pragmático. Antes assessor-chefe na Assessoria Especial do Presidente, França assume agora a responsabilidade de religar as pontes entre Brasil e o restante do mundo, em especial com a China, os Estados Unidos de Joe Biden, a Argentina e parte da Europa.

Para Pons, é necessário que o novo chanceler retome as políticas internacionais que foram construídas ao longo de décadas e desprezadas pela gestão anterior. As relações exteriores devem ser pensadas como políticas públicas de Estado em prol da nação, e não como ferramentas de alinhamento ideológico de governo.

A inserção do Brasil no cenário internacional deve ser pensada e executada a partir de um projeto de política externa, inexistente durante o comando de Araújo, segundo o docente. O novo ministro declarou na cerimônia de posse que buscará a cooperação internacional “sem exclusões”, principalmente no combate à pandemia, e nos dias seguintes tentou uma aproximação com os ministros exteriores de países do Mercosul, da China e da Alemanha.

“O Brasil precisa tentar resgatar muito daquilo que foi perdido na gestão do Ernesto Araújo”, diz Pons.

A conversa entre os professores Rafael Pons e André Frota foi realizada pelo curso de Relações Internacionais da Uninter em 12.abr.21. Para conferir a transmissão completa, clique aqui.

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Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Marcello Casal JR/Agência Brasil


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