Sociabilidade e autonomia são fundamentais para a formação do cidadão

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 30 anos de existência no dia 30.jul.2020. Neste mês, marcado por essa conquista histórica de direitos tão importantes, é indispensável falar sobre a educação no Brasil. É dentro de casa, com a família, que se inicia a formação do cidadão. A partir do período escolar, toda essa bagagem de vivências é estimulada em um trabalho conjunto entre pais e educadores, cada um em seus devidos papeis igualmente importantes, para o desenvolvimento do indivíduo.

Com o passar dos séculos, muitos avanços puderam ser observados dentro da sociedade, mas uma questão que pouco obteve mudança é a maneira de ensinar e formar a criança e o adolescente. Ainda persiste o sistema escolar organizado em torno de uma turma de jovens enfileirados e o professor à frente, como o detentor do conhecimento e da autoridade. A própria sociedade pede por mudanças na formação dos cidadãos, mas ela demora a chegar.

O mundo atual pede um ser que seja mais do que aluno, que seja um estudante autônomo, ativo diante do conhecimento, e não mais o ser passivo que só recebe informações do professor. O problema da nossa formação escolar é visível já na educação básica da rede pública do país. Segundo a jornalista, psicóloga e coach educacional Marcela Bernardi, os dados obtidos são alarmantes.

“De acordo com o PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos], o programa que avalia mais de 600 mil estudantes em 80 países, na matemática básica o Brasil está entre os 10 piores países do mundo. Na leitura, a gente consegue ficar atrás de 50 países, está muito ruim. Tem um dado do próprio MEC que nos mostra hoje que 4 em cada 10 professores do ensino médio dão aulas para assuntos que eles não têm especialidade”, explica.

Com a pandemia, a situação se agrava. Só conseguem ter acesso ao aprendizado aqueles que têm a tecnologia ao alcance. Outro desafio é a dificuldade que os pais encontram trabalhando e tendo que lidar com os filhos 24 horas por dia dentro de casa, incluindo os momentos de estudo. Muitos fazem as atividades pelos filhos e acreditam precisar inventar dinâmicas o tempo todo para as crianças. Para Marcela, esse não é o melhor caminho. A coach diz que o papel dos pais é encaminhar os indivíduos para que eles arranjem modos próprios de aprender.

“É superimportante a gente lembrar que a criança precisa, acima de tudo, ser criança. O processo de autonomia também passa por aí. O brincar, por exemplo, é uma atividade lúdica importantíssima. No tédio há muita criatividade”.

O professor Dorival Costa é assistente social e considera que os adultos têm medo da autonomia da criança, pois a sociedade se desenvolveu de forma altamente complexa enquanto humanidade e isso gera desafios que não existiam há décadas atrás, quando se formavam. O profissional faz uma reflexão sobre a escola estar formando alguém para o mercado ou de fato um cidadão e acredita que o ECA mexe com a estrutura mental das pessoas, que recebem o status de cidadão com a garantia de direitos.

“A autonomia é cara, mas não é cara monetariamente. Ela é cara porque é preciosa. Uma pessoa que pensa, que faz uma reflexão, que consegue fazer um caminho e consegue ter atitudes em sua vida de forma autônoma, decidir os seus caminhos, ajuda na construção de um país. O importante é que as pessoas percebam que falar de direitos humanos, falar de educação, falar de atendimento personalizado, é pensar que esse ser humano tem direitos e ele merece ser respeitado. Eu acho que é o grande exercício da sociedade moderna, o respeito”, defende a professora Dinamara Machado, diretora da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter.

Marcela enxerga uma falha no ensino conteudista, que apesar de ter sua importância, ignora a sociabilidade, os valores e a formação humana. Um dos pontos destacados por ela nesse sentido é o método de avaliação colocado aos brasileiros.

“Infelizmente, tudo vai afunilar lá no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] e se a gente for analisar o que de fato essa prova avalia, não é nenhuma outra faculdade mental que não a memória, a razão. A gente não trabalha a criatividade, os valores. Por mais que a gente esteja tentando em alguns projetos e com vários educadores que eu sei que estão fazendo o possível e o impossível, a carga de conteúdo é tanta, às vezes, que ele não consegue”, afirma.

Além disso, o educador não recebe a remuneração adequada ao trabalho que realiza na alfabetização de dezenas de crianças, ao mesmo tempo, dentro de uma sala de aula. Ainda que neste momento de isolamento social a família perceba a importância do profissional e passe a valorizar mais seu papel na educação dos próprios filhos, Marcela não vê como isso será revertido em melhores salários e segurança aos professores após a pandemia. Problema este que vem da própria desvalorização de poderes públicos que não investem devidamente na educação.

“O nosso dinheiro tem que ir para o lugar certo. A população não tem que ser de esquerda e nem tem que ser de direita, nós temos que pensar em uma ética solidária, numa ética para um país melhor. Quando a gente fala em direitos humanos, em Estatuto da Criança e do Adolescente, não é só a minha criança que tem direito a uma escola. Indiferente se ela está na pública ou na privada, ela precisa ter qualidade”, salienta Dinamara.

O professor Dorival destaca a diversidade dos alunos e as desigualdades sociais, implicando maior cuidado dos profissionais no processo de aprendizagem. Para ele é necessário, antes de qualquer coisa, conhecer muito bem o sujeito para desenvolver uma autonomia mútua entre os dois neste trabalho, sabendo diferenciar os estudantes e reinventar a sala de aula, aplicando atividades personalizadas ou diferenciadas.

“Formar o humano para que ele seja capaz de como humano ser extremamente importante socialmente, e não apenas fazer um tipo de adição. É nessa autonomia que a gente precisa investir”, explica Dorival.

“A primeira coisa é gerar significância”, aponta Marcela. Segundo a profissional, o indivíduo precisa entender o porquê de estar estudando, ele precisa enxergar sentido. Um dos primeiros passos nesse processo é tornar o estudo um momento mais agradável, deixando o espaço favorável. “A gente tenta envolver o máximo dos cinco sentidos para que aquela criança gere memória afetiva e efetiva”.

A coach educacional diz que uma das funções importantes da família é desenvolver disciplina gerando uma rotina, para que o estudo se torne um hábito. Além disso, é possível trabalhar a iluminação, a audição com sons específicos e até o olfato com a difusão de essências no ambiente. Tudo isso estimulando o cérebro para ter mais foco e concentração.

Quando questionada sobre a família e os direitos humanos, Marcela afirma que é necessário engajamento, pois os pais e responsáveis precisam entender que não é apenas da escola que vem a educação. Todo esse processo se inicia com a família, que “faz parte dessa engrenagem com o todo”.

“A diversidade é um item extremamente importante. Se a gente não reconhecer a diversidade, de sociabilidade e de costumes, a gente não consegue trabalhar com os alunos em sala de aula. Então diversidade, respeito, respeito pelas vivências e as lutas que essas famílias fazem, porque são elas que conseguem segurar e encaminhar para as escolas e são elas que são o grande aliado da educação”, finaliza Dorival.

O bate-papo entre os profissionais se deu através de uma transmissão ao vivo pelo Facebook e Youtube da ESE, com o tema Meu dever de casa e o ECA, do programa Educa Brasil, apresentado pela professora Dinamara Machado todas as terças-feiras às 17 horas. Siga a página do Facebook da ESE para acompanhar as próximas edições.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Gsé Silva/Wikimedia Commons e reprodução Facebook


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