Sobre Ladrões de bicicleta e a realidade, as angústias do trabalhador

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

A questão do desemprego está longe de ser uma novidade, mas com a pandemia o problema se tornou ainda mais grave. Muitos negócios fecharam ou tiveram suas equipes reduzidas, afetados pelo isolamento, menor circulação de pessoas e consequentemente menor procura por produtos e serviços. Os trabalhadores que se veem sem uma fonte de renda partem para alternativas, como o emprego informal. Muitos decidem começar o trabalho de entregador em sites e aplicativos de celular.

E neste momento, começam a aparecer outras questões relacionadas com as estruturas de trabalho. No último dia 01.jul.2020 os entregadores fizeram uma paralisação em nível nacional, mobilizando milhares de profissionais em todo o Brasil. Eles reivindicavam melhor remuneração, maior segurança, entrega de equipamentos de proteção individual durante a pandemia, além de outras exigências para que pudessem desenvolver o trabalho com mais qualidade e amparo.

A precarização das condições de trabalho tornou-se um tema extremamente atual, mas já era abordado no cinema em meados do século passado. O filme “Ladrões de bicicleta” (Vittorio De Sica, 1948) é um exemplo disso. Em um contexto pós-Segunda Guerra Mundial, o longa-metragem italiano mostra a cidade de Roma sob um ângulo diferente da visão romantizada que estamos acostumados a ter, já que a Europa passava por um período de reconstrução.

A obra conta a história de Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), que consegue um trabalho colando cartazes pela cidade. Como ele precisava de um meio para se locomover, a esposa Maria (Lianella Carell) vende os lençóis da família para comprar a bicicleta que Antonio precisava para trabalhar. Porém, ela acaba sendo roubada, e ele fica completamente desamparado.

O filme, clássico do cinema neorrealista, foi de baixo custo, bancado pelo próprio diretor Vittorio De Sica, e teve como elenco atores não profissionais. De saída, foi um fracasso de audiência, o povo parecia não estar interessado em olhar para sua própria miséria reproduzida na tela grande, especialmente no período natalino, quando o filme foi lançado. Apesar disso, o filme ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1950 e escreveu seu nome na história do cinema.

O professor Douglas Lopes, da área de Humanidades da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter, faz uma relação do filme com a realidade dos trabalhadores neste contexto atual. “Me lembrou muito as fotos que viralizaram ainda antes da pandemia, dos entregadores alugando bicicletas para trabalhar pelos aplicativos. A gente nota que essa precariedade das relações de trabalho não mudou muito.”

A inserção no mercado de trabalho simboliza muito mais do que deixar de passar necessidade, ela insere o indivíduo na própria estrutura social, segundo a professora Maria Emília Rodrigues, professora da ESE. A profissional cita uma nova tendência de mercado que surgiu com a disseminação dos aplicativos: a “uberização” do trabalho. Neste modelo, o profissional não é autônomo, pois não manda na própria atuação, e ao mesmo tempo também não é vinculado a um empregador.

“Há aí uma dificuldade. Primeiro, porque é necessário ter um veículo próprio, ele é responsável por isso, mas também pela própria segurança. Nem o Estado, nem as empresas, nem os aplicativos se responsabilizam. Nós estamos no contexto do desemprego que quando as pessoas conseguem se colocar no mercado, se colocam dessa maneira precária”, afirma Maria Emília.

Alvino Moser, professor da ESE, vai além dos grandes enfrentamentos abordados e fala sobre outra importante questão do longa relacionada com a realidade da pandemia. Para ele, o filme “talvez seja a melhor obra neorrealista”, pois “traz a universalidade da humanidade”. “Ele [o filme] quer sensibilizar o povo em geral para a solidariedade, para o amor com o próximo, não só demonstrar a situação precária e miséria que existe”, afirma, ressaltando a importância do respeito e cuidado com as pessoas ao redor em um momento tão difícil.

Dentro desta percepção, o professor Luís Fernando Lopes, que também atua na ESE, questiona reações e atitudes de indivíduos que não conseguem ter empatia e compaixão com aqueles que passam por dificuldades nestes momentos.

“O que acontece com o ser humano que esquece de ser humano de fato? Que acaba colocando a máquina como padrão, como a marca da eficiência, a divisão cada vez maior, a desigualdade cada vez maior e os modelos que são colocados, inclusive os modelos de felicidade, de eficiência cada vez mais distantes do grupo principalmente que fica sem acesso às tecnologias, ao dinheiro de um modo geral.”

Luís Fernando acrescenta que mais do que discurso, é imprescindível que sejam colocadas ações em prática para a proteção dos trabalhadores e para a humanidade de modo geral. No entanto, segundo ele, “a nossa sociedade é marcada pelo egoísmo, pelo egocentrismo, pela idolatria. Inclusive no fato de fazer as pessoas desacreditarem em instituições, professores, dos discursos de um modo geral. E aí quando a união é necessária, quando é necessário inclusive dar crédito à própria ciência, isso não é feito”.

Maria Emília ressalta uma necessidade de se pensar em políticas públicas protetivas para que este momento atual não chegue a uma realidade ainda mais próxima da que foi retratada no longa-metragem.

“Em um contexto que já estava complicado em função do desemprego, tem muitas pessoas que estão minimizando a questão da pandemia. Todos esses elementos são importantes para a gente pensar que tanto os Estados, o governo, as empresas, quanto nós temos que fazer a nossa parte, sermos solidários, termos mais empatia, porque se for no cada um por si aí sim que a gente vai para o fundo do poço mesmo”, finaliza.

Os professores debateram sobre o assunto na última edição do CineClube: luz, filosofia e ação, que teve como tema central o filme “Os ladrões de bicicleta” e foi transmitido pela página do Facebook de Humanidades da Uninter. O bate-papo, que durou pouco mais de uma hora, contou com a participação de alunos e comunidade em geral, que assistiram ao vivo.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Reprodução


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