Ruptura com a natureza é o centro dos problemas de fome e sustentabilidade

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

Com os avanços científicos, tecnológicos e de inovação das últimas décadas, há também um aumento de produção nas mais diversas áreas, inclusive a agrícola, que produz alimentos para o sustento da população. Entretanto, isso não significa comida para todos, seja em escala nacional ou mundial. De acordo com pesquisa realizada pela Rede Penssan, o Brasil tinha 10,3 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave em 2018. Dois anos depois, em 2020, esse número saltou para 19,1 milhões. No país, há 112 milhões de brasileiros em algum grau de insegurança alimentar.

“Pensar no acesso ao alimento para todos significa que a gente precisa pensar na sustentabilidade, como estamos utilizando os nossos recursos”, afirma Renata Garbossa, coordenadora da área de Geociências da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter. Mestre e doutor em gestão urbana, o vice-reitor da Uninter, Jorge Bernardi, lembra que a pandemia tornou a situação ainda pior, pois é possível observar um aumento no número de pessoas em situação de rua. “Não têm trabalho e não têm o que comer. Esse é um tema emergencial”, salienta.

O presidente do conselho curador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Cândido Grzybowski, que é mestre em educação e pós-doutor em economia, aponta que a cultura alimentar e a mercantilização do alimento estão no centro do problema enfrentado atualmente, partindo do momento em que a agricultura passa a ser tratada como agronegócio.

“O alimento deixou de ser um bem comum e virou uma mercadoria. Mercadoria tem quem paga mais. A mercantilização do alimento, que está no centro dessa polaridade, é um dos problemas. Não é por outra coisa que tem tanta gente tentando pensar modelos ou paradigmas alternativos. Essa ideia de que outro mundo é possível, é fundamental termos presente. E resgatar a cultura alimentar, ao invés de agronegócio, é uma forma de resistência”, pontua Grzybowski.

O profissional, que se considera um “intelectual militante” e tem uma perspectiva de “sociedade civil planetária”. Grzybowski diz que “a cultura alimentar é algo mais complexo do que o alimento em si. Não é uma qualidade de calorias, vitaminas. Tem toda uma cultura, uma mística. Na cultura indígena, por exemplo, há toda uma relação da mãe terra, porque ela nos dá vida”.

Para ele, o melhor caminho para se começar a pensar no assunto é observar o prato de comida em um almoço de família e o quanto de relações humanas está contida no momento e alimentos ingeridos. “Isso permite nos inserir e ver o quanto não existe vida sem relação com a natureza. Mas a qualidade dessa relação com a natureza e com os seres vivos é um elemento essencial que se rompeu ao longo dos últimos séculos”, salienta.

De acordo com o Grzybowski, a mercantilização é o que rompe a cultura alimentar. Isso porque o alimento passar a ter valor de mercado, se torna uma commodity, cotada na bolsa de valores. Um exemplo citado é a produção do arroz, básico na alimentação brasileira, que é exportado e tem um salto de valor nos mercados.

“Temos uma das melhores agriculturas do mundo, incapaz de alimentar o seu povo”, afirma. “Essa ruptura com a natureza está no centro dos problemas que enfrentamos de sustentabilidade, saúde. Nos faz chegar em um extremo que estamos afetando sistemas ecológicos fundamentais. A biodiversidade é uma. Temos, só aqui nas Américas, quase 50% da biodiversidade do mundo ainda, mas estamos perdendo rapidamente”, diz Grzybowski.

Segundo o profissional, a grande questão é refletir se é o desenvolvimento que precisa ser sustentável ou a sociedade é que tem que ser responsável. As políticas públicas são um caminho fundamental no sentido de combater a pobreza e criar segurança alimentar e nutricional. Os movimentos agroecológicos das últimas décadas também possibilitam a experimentação de algumas políticas agrícolas.

O maior exemplo de política, apresentado por Grzybowski, é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que, com apoio da Fiocruz, é o maior do mundo e exigiu o papel dos nutricionistas nas escolas. “Há uma mudança radical na alimentação escolar. A gente fez progresso, com 46 milhões de refeições por dia, é o maior restaurante do mundo. E é feito de forma descentralizada, ainda mais com a exigência de que um terço deveria vir da agricultura familiar”, conclui.

Colóquio de práticas

Cândido Grzybowski debateu Alimentação, ciência, tecnologia e sustentabilidade no primeiro dia do 4º Colóquio de Práticas da ESE, realizado em 28 e 29.jul.2021. Na ocasião, pôde sanar dúvidas de profissionais e estudantes que acompanhavam ao vivo, com mediação das professoras Renata Garbossa, Larissa Warnavin e a diretora da ESE, Dinamara Machado. Na primeira noite, o professor André Luiz Santos, do curso de Artes Visuais, também realizou ilustrações sobre os assuntos abordados. O tema discutido nos dois dias de apresentações norteia o portfólio que será desenvolvido pelos graduandos nos próximos meses.

“Os nossos colóquios têm como objetivo aprofundar os debates sobre as nossas práticas no ensino superior, primeiro à luz da legislação, pensando nas questões loco regionais, nas competências, nas habilidades, para que esses nossos egressos tenham e desenvolvam essas competências e habilidades. E também essa relação teoria, pesquisa e prática social. Isso é fundamental para o exercício das suas funções enquanto egressos”, explica Renata.

Dinamara ressalta que a temática não entra em discussão apenas para se obter boas notas e passar pelas disciplinas dos cursos, mas “aprender para guardar para vida”. “Para que nós, cidadãos em ação, possamos buscar pelo que ainda não temos, que é uma questão de igualdade e, quiçá um dia, termos a equidade. Para que pensem, façam essa reflexão na sua cidade, família, comunidade”, complementa.

As palestras e debates, que aconteceram de forma remota, por meio de transmissões ao vivo nas páginas e canal da ESE, contabilizam mais de 5,7 mil visualizações até o momento. Dinamara diz que eventos abertos para estudantes e comunidade externa, são importantes, pois “precisamos pensar que é possível uma nova sociedade, em que vamos discutir sobre alimentos, mas que todos tenhamos alimentação digna. A temática de alimentação e de sustentabilidade ultrapassa qualquer barreira geográfica, qualquer espaço, qualquer CPF, porque é da preservação da vida das próximas gerações”.

O vice-reitor da Uninter, Jorge Bernardi, aponta que, neste sentido, o centro universitário tem buscado meios de tornar as pessoas cada vez mais capacitadas para atuar na melhoria da sociedade, trabalhar com os recursos naturais de forma consciente, sem comprometer a qualidade de vida e tornar a produção acessível a todos. Uma destas ações é o lançamento de uma nova escola superior na área de agrárias, que acontece no próximo ano.

“Sabemos das dificuldades que o mundo tem de ter alimentos. Temos, como instituição de ensino, que também capacitar as pessoas que estão no campo ou mesmo na cidade, que desejem trabalhar nesta área, porque se há algum tempo, os grandes pensadores da questão urbana separavam o rural do urbano, isso hoje já não é mais verdadeiro. As cidades, de um modo geral, estão desenvolvendo programas, hortas comunitárias, jardins comunitários. O urbano e o rural acabam se confundindo”, finaliza.

O segundo dia de apresentações foi realizado de forma individual, direcionado a discussões específicas de cada área da ESE, em bate-papos com professores e estudantes dos cursos. As lives podem ser acessadas nas páginas de Educação, Geociências, Humanidades, Linguagens e Sociedade, Linguagens Cultural e Corporal, Exatas e EJA.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: PercursoDaCultura/Wikimedia Commons


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