Repórteres falam sobre os caminhos e descaminhos do jornalismo investigativo

Autor: Valéria Alves – Assistente Multimídia

Fazer jornalismo investigativo custa caro, é demorado e exige um conjunto de habilidades do repórter para descobrir por conta própria algo que seja de interesse público. Não é uma tarefa fácil, portanto. Para falar sobre os caminhos e descaminhos do jornalismo investigativo no Brasil, a Universidade São Judas convidou quatro jornalistas que, juntos, somam mais de um século de experiência profissional.

A participação se deu no evento online “Comunicação, arte e crise da democracia: caminhos para a reconstrução”, realizado entre os dias 19 e 23 de abril. No primeiro dia, os convidados foram os jornalistas Gilberto Nascimento, Elvira Lobato, Bruno Paes Manso e Mauri König, professor de Jornalismo da Uninter e editor-chefe da Central de Notícias Uninter.

Durante a conversa, os profissionais esboçaram alguns conceitos do que é o jornalismo investigativo. Elvira Lobato, por exemplo, pontuou que duas das características que o diferem do jornalismo factual são a profundidade da apuração e a capacidade de revelar algo que estava oculto. Isso não significa dizer que ele seja melhor ou pior do que outras formas de se fazer jornalismo, como destaca König ao concordar com Elvira.

“Todo jornalismo é importante para a sociedade. Se caiu um viaduto, as pessoas precisam saber que caiu e que o trânsito vai estar bloqueado, se houve mortos o feridos. Mas existe uma diferença entre você ir lá e cobrir esse tema factual e de você investigar depois o porquê de o viaduto ter caído, se houve falha da construtora, da prefeitura, se há algo que está sendo escondido como causa do desabamento”, afirma.

Desse modo, König cita três formas de começar uma investigação jornalística. A primeira delas é quando o jornalista recebe informações de uma fonte que o procura, seja ela secreta ou não. Outra forma é quando o jornalista sente um vazio na cobertura da imprensa, com temas de interesse público não estão ganhando a devida atenção da imprensa. É o momento em que o jornalista deve se perguntar por que isso está acontecendo, e assim montar um plano de reportagem mais elaborado para descobrir o motivo.

A terceira maneira está relacionada com o instinto de repórter, que é quando ele consegue perceber algo diferente ao observar uma determinada situação. Por que de repente uma pessoa começou a ostentar um estilo de vida que não condiz com a renda dela, por exemplo? E isso desperta a vontade do jornalista de entender se há algum interesse público por trás disso.

O jornalista possui um papel muito importante na democracia, e sendo assim, é preciso que eles identifiquem os desvios que os diferentes poderes estão cometendo. Como comenta Bruno Paes Manso, o papel do jornalista é identificar esses desvios, tornar isso público e fazer que esse poder reveja a si mesmo e mude a sua forma de atuação para que pare de prejudicar as pessoas. “Qual é o tipo de distorção e prejuízo que esse poder está causando? Quantas pessoas estão sendo afetadas por essa distorção de poder? Quanto mais grave, mais exige investigação do jornalista para que os poderes se sintam constrangidos e mudem”, diz.

Junto com a discussão da importância do jornalismo investigativo e da profissão como um todo, também há o fato de que ela muitas vezes é desvalorizada, faltando amparo para os profissionais da área. Além disso, também há a censura e ameaças por quem está sendo afetado pela investigação e, por esse motivo, os professores refletiram sobre esses tópicos na palestra e também compartilharam um pouco de suas experiências e trajetórias.

Sobre esse tema, König falou sobre o quão importante é o investimento em produções jornalísticas e incentivo ao jornalismo independente. Afinal, como ele defende, a informação é um bem público, embora seja operado por empresas privadas. Para que seja possível fazer um bom jornalismo, é necessário mão de obra qualificada, o que custa caro.

“Muitas vezes não há reconhecimento porque nós trabalhamos com um bem intangível, que é a informação, e as pessoas muitas vezes se apropriam daquela informação, usam como melhor lhe convém mas ela não se dão conta de que quem a produziu foi um jornalista e que isso teve um custo, seja uma informação simples como a previsão do tempo ou até uma informação para saber se vai votar ou não em um determinado candidato a presidente” exemplifica König.

Para ele, é preciso investir em mais ações que incentivem a produção do jornalismo, e também que as pessoas sejam ensinadas a consumir informações desde pequenas, principalmente por ser uma peça fundamental para o funcionamento da sociedade e de suma importância para todos. “Uma empresa privada precisa ter audiência para vender, então um fundo público para bancar o jornalismo independente que não precisa dessas métricas de audiência seria algo que precisa ser colocado em discussão no meio político para que se possa privilegiar outras formas de fazer o jornalismo”, comenta.

A palestra contou com a interação dos estudantes, que fizeram diversas perguntas para serem respondidas pelos professores. Esse momento abriu espaço para que mais tópicos fossem discutidos, como por exemplo o limite ético do jornalismo e a linha tênue entre o direito à informação e o direito à privacidade, onde nesse caso é necessário avaliar o que é mais importante no momento: a privacidade da pessoa ou o interesse público.

Além disso, outras questões também discutidas foram o jornalismo no período da ditadura, as mudanças do jornalismo e o momento atual com a tecnologia, que trouxe novas possibilidades. “Que os alunos se empenhem cada vez mais e procurem criar espaço. Antigamente, nós só tínhamos alguns jornais ou emissoras, hoje a gente pode criar espaço nas redes, denunciar, mostrar a realidade, as injustiças”, disse Gilberto Nascimento ao falar que a realidade atual do Brasil exige mais dos jornalistas nesse sentido.

Ao longo do tempo, o jornalismo passou por várias transformações, muitas delas decorrentes das novas tecnologias. “A tecnologia permitiu uma descentralização da agenda setting da imprensa, tirou um pouco do protagonismo dos jornalistas. Por um lado isso é ruim, mas por outro é bom porque permitiu que outros jornalistas ou coletivos se juntassem para colocar na agenda pública outros assuntos que não estão na agenda dos veículos tradicionais. Eu acho que a tecnologia tem mais ajudado do que prejudicado o jornalismo”, opina König.

Cerca de 300 pessoas acompanharam a palestra, transmitida ao vivo pela via plataforma Zoom. A Jornada de Comunicação & Artes é um evento anual da Universidade São Judas para os alunos de comunicação, que votaram e decidiram pelas temáticas discutidas.

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Autor: Valéria Alves – Assistente Multimídia
Créditos do Fotógrafo: Reprodução Zoom


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