Reforma pode ser retrocesso para a participação feminina na política

Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de Jornalismo

No Brasil, a política ainda se parece com um “clube do Bolinha”. Nos últimos anos as mulheres têm conquistado espaço, mas ainda enfrentam muitas barreiras para atuar na vida política do país.

A cientista política e professora da Uninter Karolina Roeder foi convidada a palestrar em uma audiência pública da Câmara dos Deputados, no dia 27.ago.2021, falando sobre o impacto das novas regras eleitorais na participação das mulheres em cargos públicos eletivos.

O evento, intitulado “A reforma política e a representatividade das mulheres”, foi promovido pelo Observatório Nacional da Mulher na Política, sendo o primeiro da série “Diálogos & Estudos de Política”.

Com mediação de Alessandra Abraão, integrante do eixo 2 do Observatório Nacional da Mulher na Política e da equipe da Procuradoria da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, especialistas e parlamentares debateram aspectos relacionados à representatividade feminina em contraponto com as novas regras propostas na reforma política.

A ação integrou o “Agosto Lilás”, que aborda temas relacionados ao enfrentamento da violência contra as mulheres, promovido pela Secretaria da Mulher e Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.

Logo no início do evento a deputada Tereza Nelma, do PSDB (AL), procuradora da mulher na Câmara dos Deputados, recordou que o mês de agosto celebra os 15 anos da criação da Lei Maria da Penha, legislação que estabelece mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, considerada por ela uma referência em todo o mundo.

Tereza destacou que as mulheres representam somente 15% das parlamentares na câmera federal no Brasil, um dos mais baixos percentuais da América Latina. Em um outro exemplo a parlamentar cita o Afeganistão, uma pátria que nega direitos às mulheres, mas conta com um parlamento feminino de 27%.

Segundo ela, a sistemática violência política de gênero no Brasil dificulta a entrada e manutenção das mulheres nas instituições políticas formais. “É importante criar esse movimento para que a Câmara dos Deputados não retroceda nos direitos já garantidos das mulheres na sua participação política”.

Karolina Roeder explanou que existem vários aspectos que podem impactar a participação das mulheres na ocupação de cadeiras no legislativo, de natureza social, cultural e institucional. Ao abordar os aspectos institucionais, ela contextualizou primeiramente sobre as diferenças existentes entre os sistemas eleitorais: majoritário e proporcional.

“Sistema majoritário é utilizado em 59 países hoje, 27% dos países em 2021. A média de mulheres eleitas na década de 2000 por este sistema foi de 15%, sendo utilizado para eleger cargos de presidente, governadores, senadores e prefeitos”, declara. Sendo o primeiro modelo que surge no sistema democrático, define o conceito em que os mais votados são eleitos de forma uninominal, isto é, podem ser lançados um candidato por distrito, com voto do eleitor sendo intransferível. Nomes não eleitos são votos desprezados.

Já no sistema proporcional existe a garantia da representação de minorias, das opiniões diversas e não somente as ligadas a questões territoriais, conforme explica Karolina. Cada partido pode apresentar uma lista de candidatos, decidir sobre a possibilidade de coligação ou não, além de questões como as cláusulas de barreira e cotas de gênero.

“Os sistemas proporcionais existem em 39% dos países e a média de mulheres eleitas na década de 2000 foi de 21%, é adotado hoje na câmara dos deputados, assembleias estaduais e câmaras municipais brasileiras”, afirma. Este modelo preza pelo aproveitamento geral dos votos, e o número de cadeiras acessadas pelos partidos é diretamente proporcional aos votos recebidos, sem desconsiderar nenhum. A unidade é o partido e não o candidato. Desta maneira, mulheres, assim como candidatos que não possuem capital político, ou não sejam famosos, têm chance de concorrer a cargos políticos.

Karolina acredita que havendo uma correta atuação dos partidos com espaços inclusivos, utilizando de forma assertiva os recursos dispostos, a inclusão das mulheres pode avançar, trazendo assim uma democracia mais plural.

Para Roberta Eugênio, integrante do Instituto Alziras, os projetos de lei que estão tramitando no congresso sobre a reforma política estão sendo tratados de forma apressada, não democrática, com pouca participação da sociedade, podendo afetar negativamente a presença das mulheres no parlamento para as próximas eleições.

De acordo com Roberta, a Câmara, sendo composta por uma minoria social de homens brancos, dificulta a transição para um parlamento que possa vir a representar a sociedade, afastando as mulheres e outros grupos minoritários da política.

As diretrizes para o avanço da representação política das mulheres descritas na PEC 18/2021 e no PL 1951/2021 são consideradas retrocessos por Roberta. Os novos textos conferem mais autonomia partidária em relação ao preenchimento de cotas de candidaturas femininas, e também de destinação de 30% do fundo eleitoral às vagas femininas, de forma que eles dificilmente serão cumpridos.

“Eu acho então, que é possível que essa reforma seja destacada não exatamente como um avanço, mas como uma construção de algumas barreiras burocráticas à ampliação da presença das mulheres no parlamento”, declara.

A ausência de responsabilidades e sanções pelo não cumprimento do direcionamento de recursos e de outras medidas vão implicar em desestímulo aos partidos para praticar com rigor a legislação.

A professora Eneida Desiree Salgado, pesquisadora do Observatório Nacional da Mulher na Política, afirma que “está na hora da gente avançar e mudar de pauta”. De acordo com ela, o país encontra-se na vanguarda do retrocesso e apresenta mudanças que vão piorar a situação da mulher na política.

A pesquisadora se refere também à violência simbólica atestada através da possível aprovação deste novo código eleitoral, sendo uma involução o reconhecimento do masculino como “neutro”, trazendo o sexo no lugar do gênero, colocando assim o sujeito de direito como “homem”, de forma específica. “Devemos pensar um pouco melhor que reforma queremos para termos uma sociedade efetivamente representada e não apenas cartolas, casacas e bengalas no parlamento”.

Todas as contribuições, críticas e apontamentos das especialistas seguem disponíveis na transmissão completa neste link.

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Autor: Sandy Lylia da Silva - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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