Raelli venceu as correntezas do Amazonas para conquistar o diploma de História

Autor: Nayara Rosolen

Democratizar a educação e fazer com que o ensino superior chegue às regiões mais distantes é uma das missões da Uninter. Para muitas pessoas, a educação a distância (EAD) é a única possibilidade de estudo, seja pelo tempo disponível ou pela falta de acesso que determinadas regiões possuem, como os povos ribeirinhos da Amazônia. É o caso de Raelli Ferreira, 32 anos, egressa do curso de licenciatura em História, realizado por ela no polo de Macapá (AP).

Raelli reside em Rio Conceição, vilarejo de Afuá (PA), um dos 12 municípios da Ilha de Marajó, no estuário do Rio Amazonas. Ela ingressou na Uninter em 2018 com o desafio de conciliar os afazeres domésticos e a função de auxiliar de secretaria na Escola Municipal de Ensino Fundamental Herói da Fé, que desempenha há nove anos.

Além das dificuldades financeiras para se manter na graduação, durante os quatro anos de curso a egressa fazia o percurso de cerca de 1 hora e 15 minutos de barco pelo Rio Amazonas, com a passagem no valor de R$ 50. Quando chegava no Igarapé da Fortaleza, bairro de Santana (AP), onde as embarcações encostam, ainda precisava chamar um carro por aplicativo para chegar ao polo de Macapá, um trajeto de pelo menos 30 minutos.

“Foi um período desgastante, pelo cansaço das viagens, porque muitas vezes tinha que ir e voltar no mesmo dia por causa dos filhos que deixava em casa”, explica Raelli, que se casou aos 16 anos com José Elias O casal tem três filhos: Reinaldo, Samara e Ana Maria.

“Mas é gratificante, porque sabia que estava em busca de algo melhor, da realização de um sonho. Tive vontade de desistir, mas meu sonho foi maior que o desânimo”, lembra. Um sonho antigo que Raelli carregava desde muito nova, mas que foi interrompido algumas vezes durante a vida, por diferentes fatores.

Infância ribeirinha 

Raelli nasceu no Rio Antonino, também em Afuá. Começou a estudar aos 8 anos, pois na época não tinha escola perto de casa. Foi com a mãe, Dona Raimunda, que aprendeu a ler a escrever dentro de casa, aos 6 anos.

Quando conseguiu ingressar na escola, no primeiro ano, Raelli acordava às 5 horas da manhã, se arrumava e por 15 minutos seguia em canoa a remo com o pai, Manoel, até chegar à casa do avô. De lá, um tio a levava até o trajeto final da escola, um percurso de mais uma hora.

“Era bem longe e, às vezes, enfrentávamos a correnteza. A aula iniciava às 7 horas e terminava às 11. Nem sempre tínhamos merenda, tínhamos que levar algo de casa. Nos períodos chuvosos, colocávamos uma roupa reserva dentro da nossa mochila de material escolar e colocávamos em várias sacolas plásticas para não molhar e quando chegávamos à escola a gente trocava”, recorda.

Apesar da grande vontade de finalizar o fundamental e realizar o ensino médio em Afuá, única região mais próxima que oferecia as séries finais, Raelli precisou transferir os estudos para o ensino modular perto de casa, na oitava série.

Isso porque a mãe adoeceu, foi acometida por uma forte depressão, e além de cuidar dela e dos afazeres de casa, a jovem, que na época tinha 14 anos, precisava ajudar no cuidado dos irmãos mais novos: Renata, com 11 anos na época, que é deficiente física e mental e precisa de cuidados especiais, e o irmão caçula, Marcos, que tinha apenas 4 anos.

“Esse período foi muito difícil, pois minha mãe tinha crises constantes, me entregava meus irmãos e dizia que iria morrer, que era para eu tomar conta deles. No período que ela ia para Macapá fazer as consultas, eu ficava em casa cuidando dos meus irmãos e da casa. Acordava cedo para realizar os afazeres domésticos e às 11h30 ia à escola, pois o catraio [tipo de embarcação] que fazia o transporte dos alunos passava nesse horário. Consegui conciliar estudo e a responsabilidade de cuidar da casa somente pela vontade que eu sempre tive de estudar. Isso foi o que me motivou”, conta.

Quando terminou o ensino fundamental e se casou, aos 16 anos, Raelli interrompeu os estudos por sete anos. Em 2012, chegou a fazer o exame de massa para certificação do ensino médio no Colégio Albert Einstein em Macapá, mas como não foi aprovada em todas as disciplinas e não tinha condições financeiras para pagar novamente, ficou fora da sala de aula por mais cinco anos.

Até que, em 2017, realizou o Exame Nacional Para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e garantiu a conclusão do ensino básico.

A trajetória na Uninter  

Raelli chegou à Uninter por indicação de uma comadre, que já havia realizado uma pós-graduação na instituição. Assim, em 2018 decidiu iniciar o curso de História. Mas, a paixão pela área se deu ainda no ensino fundamental, mais precisamente na sétima série, devido à metodologia que a professora da época utilizava, fazendo-a gostar e enxergar a história para além da visão de “algo que tinha acontecido há séculos”.

No entanto, o que realmente a motivou a escolher cursar uma graduação na área foi outra professora. “A metodologia dela era muito arcaica, ultrapassada, e tive certeza de que eu poderia fazer melhor. História não se limita apenas a copiar assuntos extensos e retirar as respostas do texto. A partir disso, disse a mim mesma que seria uma professora de história para fazer a diferença”, afirma.

Ainda assim, a rotina cansativa a fez ter vontade de desistir várias vezes. Somado a isso, havia também os desafios financeiros, pois além da mensalidade ainda precisava arcar com os custos das passagens do transporte.

“Muitas vezes cochilei em frente ao computador pelo cansaço e quis desistir, mas meu esposo sempre me incentivou a continuar, me deu muito apoio tanto psicológico como financeiramente. Se não fosse pelo apoio dele, não teria conseguido”, comenta.

Em 2019, realizou a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu uma bolsa integral através do Prouni. “Tudo ficou bem melhor para mim”, diz. Mesmo tendo realizado os últimos dois anos da graduação no período pandêmico, Raelli afirma que não teve os estudos comprometidos e sempre recebeu todo o auxílio da equipe do polo de apoio presencial da Uninter.

“A maior dificuldade foi a apresentação de portfólio online, pois perdemos a oportunidade de debater com os colegas e trocar ideias. Não comprometeu em nada a minha formação e, de alguma forma, até ajudou na situação financeira, uma vez que não precisei mais viajar até o polo para realizar as provas”, diz.

O professor Pablo Richel, que acompanhou a trajetória de Raelli durante a graduação, afirma que ela sempre foi “uma aluna bastante assídua, sempre participou das atividades”, mesmo com todas as adversidades no caminho.

Para a egressa, o curso na Uninter proporcionou agregar teoria e prática, tendo em vista a metodologia usada nos portfólios e estudos de caso, “que buscam moldar a consciência crítica dos alunos”.

“O que mais me marcou neste período foi a disciplina de educação inclusiva, em que construímos uma maquete de uma sala de aula inclusiva e com acessibilidade. Isso me motivou e me fez ver a inclusão com outros olhos”, lembra.

Assim, Raelli finalizou a graduação em dezembro de 2021 e realizou a solenidade de colação de grau no último dia 25 de março. Para a egressa, a formação significa muito mais que status ou possibilidade de um emprego melhor.

“Faço questão de compartilhar não com o intuito de comover pessoas, e sim com o intuito de incentivar jovens e crianças a nunca desistirem da educação. Porque dificuldades existem muitas, mas hoje, quando tudo se tornou mais fácil, é que os jovens estão abandonando seus estudos”, afirma.

“Receber a outorga me fez reviver cada momento da minha trajetória estudantil, bem como cada professor que me acompanhou neste caminho. A todos esses mestres que me acompanharam, o meu muito obrigada. Vocês foram peças fundamentais para que eu pudesse alcançar meus objetivos. Sou imensamente grata a todos que trabalham nesta tão acolhedora e honrada instituição, por todo o apoio que obtive para alcançar meus objetivos”, finaliza Raelli.

 O sonho da sala de aula

Atualmente, Raelli realiza a segunda licenciatura em Pedagogia, também na Uninter, mas desta vez no polo de Santana (AP). A transferência de polo aconteceu por ser mais próximo de sua casa, tornando-se mais acessível. A motivação para o início de uma nova graduação surgiu com o trabalho que já realiza como auxiliar de secretaria na escola onde trabalha.

“Convivo diariamente com crianças e, algumas vezes, na falta de algum professor fui convidada a substitui-los. Isso me fez ver que tinha vocação para dar aulas e para trabalhar com crianças, então resolvi cursar pedagogia”, explica.

Agora, o principal objetivo de Raelli é poder exercer a profissão para a qual se preparou. “Trabalhar como professora é o meu maior desejo”, conclui.

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Autor: Nayara Rosolen
Edição: Larissa Drabeski


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