ODS em pauta: COP30 pode fortalecer o turismo sustentável na Amazônia
Autor: Cyntia Fonteles e Madson Lopes
Belém se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30. A ser realizado entre 10 e 21 de novembro, o evento coloca a Amazônia brasileira no centro das discussões climáticas e tem potencial para alavancar o turismo da região. É nisso que acredita a coordenadora do curso de Gestão de Turismo da Uninter, Grazielle Ueno Maccoppi. Segundo ela, a cúpula pode servir de vitrine ao promover um turismo sustentável — modelo de viagem que equilibra o prazer do turista com a responsabilidade socioambiental, buscando minimizar impactos negativos e garantir benefícios reais para a comunidade local.
Vinculada diretamente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8, que trata do trabalho digno e crescimento econômico, e ao ODS 12, que busca garantir consumo e produção sustentável, essa visão de turismo busca promover trabalho decente e benefícios econômicos. A ênfase está especialmente nos pequenos empreendedores — que tanto no primeiro momento quanto a longo prazo podem ser os mais beneficiados com um evento deste porte na capital paraense.
No entanto, os benefícios e a própria imagem da região aos olhos do mundo estão sob ameaças devido à alta dos preços das acomodações, que dispararam desde 2023, quando Belém foi anunciada como sede da cúpula. Para Grazielle, o fato de esse assunto ter roubado a pauta central do evento nos últimos meses já configura uma perda por si só.
Embora siga a lógica tradicional do mercado, em que a oferta tende a crescer conforme aumenta a demanda, Grazielle explica que os preços abusivos comprometem, sim, o turismo da região. “Os princípios do turismo sustentável trabalham muito no eixo da valorização local, do respeito com o meio ambiente, com a sociedade, com as tradições. Então a prática desses preços abusivos destoa das diretrizes do turismo sustentável”, disse.
Belenense, a pesquisadora e professora da Faculdade de Turismo da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jessika Paiva França compartilha da mesma opinião, mas vê a questão dos preços como controlada. Segundo ela, isso se deve, em parte, a uma conscientização natural do setor de hotelaria, à pressão midiática, mas também aos esforços do governo federal, que, por último, contratou dois navios para ampliar a oferta de hospedagem em Belém, adicionando mais de 4,5 mil quartos à capacidade da cidade.
A chegada dos cruzeiros, inclusive, já pode ser vista como um legado da COP30 para o turismo da região. Isso porque o porto de Belém não tinha capacidade para atracar transatlânticos de grande porte, como os que foram contratados para a conferência. Agora a infraestrutura do Terminal Portuário de Outeiro está sendo reforçada para acomodar as embarcações e facilitar o trânsito de passageiros. A construção importa porque fica após o evento e vai favorecer o turismo nos próximos anos, como, por exemplo, durante o Círio de Nazaré, maior procissão de fé do mundo e que só neste ano reuniu 2,5 milhões de pessoas.
Apaziguada a alta dos preços, Jessika defende que agora é hora de a população anfitriã retomar o protagonismo e fortalecer o turismo de base comunitária. “Belém nunca esteve tão no mapa internacional. A cidade passa a ser conhecida como porta de entrada da Amazônia, mas precisa garantir que essa visibilidade se traduza em benefícios reais para quem mora aqui”, disse. Para isso, ela argumenta que é necessário destacar o que há de melhor na região: a cultura única dos povos da Amazônia.
As especialistas concordam que o verdadeiro legado da COP30 para a região deve ser a valorização da identidade amazônica e a garantia de que o crescimento econômico se alinhe aos ODS. Para Grazielle, sediar o evento serve de teste de maturidade para mostrar que é possível unir progresso, equidade e valorização da Amazônia num mesmo caminho. Jessika, por sua vez, reforça que discutir mudanças climáticas na Amazônia exige reconhecer o papel de quem habita esse território. E o turismo de base comunitária é uma das formas de promover essa inclusão.
A julgar pela postura do chef de cozinha Saulo Jennings, a população vai mesmo participar das decisões. Recentemente, o paraense revelou ao jornal O Globo que se recusou a cozinhar para o príncipe William, da coroa britânica, num evento ligado à COP30, que será realizado em cinco de novembro. Uma das exigências do jantar, que atenderá 700 pessoas, é um menu 100% vegano. O chef avaliou que a escolha, além de limitar a possibilidade de apresentar a identidade da culinária amazônica, levantou dúvidas se essas 700 pessoas são realmente veganas ou apenas manifestam preconceito contra a culinária local.
Decisão polêmica, mas que mostra como os visitantes terão de dialogar com os povos da Amazônia para além de comportamentos, que, sob argumentos genéricos de sustentabilidade, por vezes desconsideram contextos socioculturais.
Autor: Cyntia Fonteles e Madson LopesEdição: Larissa Drabeski
Créditos do Fotógrafo: Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
