Entre a insatisfação e o medo

Autor: Guilherme Frizzera (*)

Atualmente, ao se analisar o ambiente político e eleitoral pelo mundo afora, multiplicam-se as análises que apontam para uma polarização entre radicais. Haveria, de um lado, os partidos e candidaturas de esquerda com uma agenda política e econômica que não seriam condizentes com as demandas e com as melhores práticas da economia liberal, rumando para um iminente comunismo. Já no outro polo, a direita seria responsável por uma pauta conservadora nos costumes, antidemocrática e profundamente reacionária.

Como a natureza humana tenta rotular os indivíduos para facilitar o entendimento do comportamento da sociedade, a polarização política representaria a fotografia do momento político e social de um país, colaborando com a construção de análises conjunturais e na previsão do que esperar do futuro em caso de vitória da esquerda ou da direita. Mas e se mudássemos um pouco o foco e tentássemos ir além da simplificação entre “esquerda x direita”? E se a verdadeira divisão na sociedade for entre a insatisfação versus medo?

Nas recentes eleições que ocorreram na América do Sul, algumas conclusões são importantes para compreender essa cisão. De um lado, parte da sociedade de países como o Chile e o Peru demonstrou um elevado grau de insatisfação com a realidade econômica e social de seus países. Aumento de preços no transporte público e combustíveis, a dificuldade do acesso ao ensino superior, aposentadorias com prazos cada vez mais amplos e com pensões cada vez menores e o aumento considerável na desigualdade de renda entre os mais ricos e as classes média e baixa. Tornou-se caro viver na América do Sul e a dificuldade em obter apenas o que é necessário aumentou significativamente. Como resultado da insatisfação, as eleições resultaram em novas lideranças políticas eleitas, com novos partidos e com propostas mais insinuantes, como a mudança nas constituições, propostas de adoção de políticas mais agressivas de distribuição de renda e ampliação aos serviços básicos.

Essas novas lideranças e as suas propostas mais agressivas de políticas públicas geram nas classes mais elitizadas o medo. Este sentimento está atrelado à possibilidade de alterações profundas nas estruturas às quais estão acostumadas e que lhe garantem a estabilidade necessária na manutenção de seus status quo societal. Para este grupo, as mudanças, se necessárias, devem ocorrer sem criar fissuras que possam colocar em risco os seus privilégios. Deste modo, a parte da sociedade ligada ao medo resiste às candidaturas que busquem alterar em profundidade as estruturas institucionais com as quais estão acostumadas, levando esse grupo a abraçar os partidos mais tradicionais e a candidaturas vistas como responsáveis na agenda econômica. Em outros casos, se houver uma disputa política acirrada no campo dos costumes, este grupo endossa candidaturas que transmitam segurança de que seus valores serão conservados, tornando os demais aspectos, como o compromisso com a democracia e a agenda econômica, secundários na hora de suas escolhas eleitorais.

Portanto, compreender que a disputa não é necessariamente entre esquerda e direita, mas entre a insatisfação e o medo, pode ser um ajuste de foco primordial para a tentativa de apaziguar os ânimos das sociedades sul-americanas. O resultado das eleições no Chile, Peru e Colômbia demonstram que a cisão societal está profundamente enraizada e os governos enfrentam instabilidades e cobranças cada vez maiores. E no Brasil, estamos preparados para debater a sério essa cisão entre a insatisfação e medo? A ver na disputa eleitoral que se avizinha.

*Guilherme Frizzera é doutor em Relações Internacionais e Coordenador do Bacharelado em Relações Internacionais da Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Guilherme Frizzera (*)
Créditos do Fotógrafo: Foto: Marri Nogueira/Agência Senado


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *