E se Deus realmente existir?

Autor: Daniel Guimarães Tedesco (*)

Devaneio, segundo os dicionários, é um produto da imaginação ou um delírio. E se tem algo que gosto muito de fazer é estar em uma mesa, devaneando em uma conversa com as pessoas. Na minha perspectiva, o processo da docência sempre foi uma linha tênue entre uma construção racional e o devaneio. É fascinante olhar para esta palavra e vislumbrar o uso dos seus sinônimos, que estão tanto no título do livro de Richard Dawkins “Deus, um delírio” como na palavra gedanken que Einstein usava, quase que indiscriminadamente, para definir seus experimentos mentais, fruto de um processo imaginativo quase delírico. O devaneio aqui é uma forma de potência de agir de Spinoza, dando dinamismo na construção do pensamento científico e, para mim, uma forma dialógica usada nas minhas relações interpessoais.

Utilizo essa palavra aqui como empréstimo para abordar tanto o processo de construção científica como o uso deste processo nas relações entre as pessoas. É claro que o devaneio ou a imaginação não são plenamente a forma de fazer ciência, mas, de fato, faz parte do processo criativo, sendo aqui usada como provocação.

O devaneio faz parte da minha vida, e este texto veio de uma reflexão sobre um fato que me ocorreu: uma conversa entre amigos cristãos, falando sobre teologia calvinista e arminiana, no famoso dilema da soberania divina e a responsabilidade humana (não em um nível de embate de Erasmo de Rotterdamm e Martinho Lutero). Antes de tudo é bom frisar que este é um dos temas que mais gosto, que é um flamewar teológico que ressurge a cada intervalo de tempo na internet.

Nesta conversa, me pego colocando algumas condições de contorno no argumento com o fragmento “Se Deus realmente existir…”. Logo após fui interpelado com um “como assim se Deus existir?”. Eu tinha trazido alguns elementos aprendidos nas discussões/devaneios da academia para a conversa e acabei sendo mal interpretado por quem me ouvia. Então tive que explicar como funciona o processo de construção retórica sendo o contorno do problema um dos elementos constituintes, mas, até o melhor entendimento da minha fala, foram algumas horas de pessoas com semblantes não muito amistosos. É interessante frisar que era uma conversa despretensiosa. Não era um debate acadêmico para chegar a uma conclusão.

Longe de mim querer tirar uma conclusão científica aqui com apenas um dado. A ideia é provocar uma reflexão bem pontual: como alguns aspectos do devaneio acadêmico podem contribuir com as relações sociais. O processo de construção das ciências é um empreendimento complexo e gradual que envolve a investigação, aquisição e organização do conhecimento sobre um determinado domínio da realidade. Claro que existem diferentes abordagens e metodologias nas diversas áreas científicas, tendo algumas etapas gerais que são comumente seguidas no desenvolvimento das ciências, mas o ponto que desejo enfatizar é que as relações sociais que utilizam o devaneio como instrumento de diálogo podem ser mais bem aproveitadas.

A ciência não é apenas para o cientista! A ciência é para todos!

Indo em outra direção, posso inferir que a construção da ciência também depende, de certa forma, do processo imaginativo delírico, sendo uma condição um tanto criticada por Dawkins em seu livro citado. A ciência e a imaginação têm uma relação complexa e interdependente. Embora, a imaginação possa parecer um conceito oposto à ciência a priori, ela desempenha um papel interessante em sua construção e avanço. Obviamente, o objetivo do texto do Dawkins é bem semelhante a este aqui, salvas as devidas proporções: o método científico como uma ferramenta fundamental para a ação humana.

Mas ao fazer isso ele acaba não criticando esse caráter na ciência na mesma medida que critica na religião. As ciências e a religião estão em território de incerteza, mas as ciências possuem um jeito de responder às perguntas, enquanto a religião resolve as lacunas com suas peculiaridades e de alguma maneira foge de um criticismo, que é um dos pilares da crítica. Mas confesso que esse é um assunto muito maior e que merece ser detalhado com outro texto…

Por fim, confesso também que, neste espiral retórico com o delírio como centro, gostaria de usar essa palavra de várias formas, mas a racionalidade falou mais forte.

* Daniel Guimarães Tedesco é Doutor em Física pela UERJ e professor de Matemática e Física dos cursos de Exatas da Escola Superior de Educação no Centro Universitário Internacional Uninter.

Incorporar HTML não disponível.
Autor: Daniel Guimarães Tedesco (*)
Créditos do Fotógrafo: Anthony Tori/Unsplash e Rodrigo Leal


Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *