Começou o cineclube que une luz, ação e filosofia

Autor: Evandro Tosin - Assistente multimídia

Nos anos 1960, jovens cineastas criam um novo formato de cinema, rompendo com paradigmas presentes no Brasil, que até então era marcado pela influência do modelo norte-americano. Com um olhar para identidade nacional e para a cultura brasileira, passou-se a produzir filmes que refletissem a realidade do Brasil, um país com desigualdades sociais marcadas pela pobreza, violência e fome.

Esse novo jeito de fazer filmes ganhou o nome de Cinema Novo. Um dos cineastas que se destacaram foi Glauber Rocha (1939-1981), que propôs um novo estilo de cinema, procurando explicar as mazelas sociais do Brasil, o que ficou conhecido como “estética da fome”, e as próprias dificuldades de produção cinematográfica se transformavam em um modelo.

Glauber Rocha nasceu no sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista. Motivado pelo cinema, abandonou o curso de Direito para realizar filmagens do seu primeiro longa, Pátio, lançado em 1959. Era considerado um inimigo da ditadura instalada no Brasil naquele momento por retratar a realidade do país, com um novo estilo. Um dos filmes de referência desse período foi “Deus e o Diabo na terra do sol”, drama lançado em 1964 e escolhido para participar do Festival de Cannes daquele ano, e indicado para concorrer ao prêmio principal.

Para Nilson dos Santos Morais, docente da Escola Superior de Educação (ESE)  da Uninter, Glauber Rocha era um jovem de 25 anos que estava pensando sobre como era o Brasil naquela época. “Tem um sentido histórico na sua produção cinematográfica, como na sua ação política. Com a ideia de um cinema novo no jeito de se produzir, ele é revolucionário em todos os sentidos: vai trazer profundidade das questões econômicas e sociais do Brasil. Com intenção de produzir um cinema latino-americano, e com possibilidade de demonstrar as questões que afligem o nordeste brasileiro. Com essa ideia de uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, o movimento da câmera dá sentido à história”, explica.

Glauber Rocha, referência no Cinema Novo

Em 1962, Glauber Rocha escreveu uma carta para o amigo e roteirista Paulo César Saraceni (1932-2012). O primeiro nome escolhido pelo jovem cineasta não seria “Deus e o Diabo na terra do sol”, e sim “Rebelião Camponesa”. Narrar uma história que o homem do campo tinha uma característica revolucionária. Segundo ele, 20 mil pessoas morriam por causa da fome e da sede nas estradas do sertão pernambucano. Na visão do autor, havia o pensamento de um projeto político e estético com origem histórica e sociológica.

Em vida, Glauber Rocha disse sobre esse manifesto estético e político: “No Brasil, o cinema novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós, a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia mas pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil! Isto é quase um manifesto”.

“Deus e o Diabo na terra do sol”

Em 2015, o longa-metragem entrou para a lista do ranking das 100 melhores obras cinematográficas, elaborada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). O nome de Glauber Rocha tem o maior número de citações. O filme “Deus e o Diabo na terra do sol” foi gravado nas cidades de Monte Santo, Canché, Feira de Santana, Salvador e Canudos, todas na Bahia.

A obra mostra a realidade da seca e do interior do país. Um fazendeiro (Manoel) faz viagem com o gado para cidade e no caminho morre quase todo o rebanho, devido à estiagem da região. Na hora da partilha, ele não recebe nenhum dinheiro e mata o coronel,  dono do gado. Foragido, larga tudo com sua mulher para se unir a um grupo de cangaceiros liderado por Sebastião, chamado de “Santo”. O grande sonho do vaqueiro era ser dono de um pedacinho de chão. Uma história que se aproxima muito da literatura de cordel.

Nesse ano (1964), o que estava sendo produzido no mundo era predominado pelo cinema hollywoodiano. Mas, novas formas de produção cinematográfica ocorriam no mundo, correntes do neorrealismo italiano, nouvelle vague, cinema russo e o faroeste americano. O Cinema Novo foi influenciado por essas ideias, e quebrava os padrões vigentes de Hollywood.

Entre as características da obra “Deus e o Diabo na terra do sol” está a dualidade, no uso do preto e branco, mesmo já com disponibilidade da tecnologia em cores.  É possível observar uma dicotomia a partir dessa escolha, uma dualidade entre Deus x Diabo, Preto x Branco, Santo x Profano, Bem x Mal, Héroi x Vilão. Dualidades também presentes em situações opostas como o popular versus o erudito, o teatral versus o realista, brasileiro versus estrangeiro.

“Quando Glauber trata do claro e do escuro, o contraste, ele deixa muito mais acentuado. O trabalho foi descaracterizar o contexto estético do período. A luz é praticamente um personagem. Trazer um cotidiano, com menos maquiagem. A tomada de imagens não foi feita em estúdios e em cenários reais. Uma composição surrealista. Além da construção imagética dos símbolos religiosos. Aproximação com a literatura cordel, a realidade e o folclore nacional”, explica Regiane Moreira da Silva, professora do curso de Artes Visuais da Uninter.

Oito filmes para reflexão no Cine Clube

Em 2021, o Cine Clube: Luz, Filosofia e Ação irá contar com análise de oito filmes na programação. Os encontros serão realizados pelos professores da área de Humanidades da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter. A organização do evento é de Douglas Henrique Antunes Lopes, professor do curso de Licenciatura em Filosofia da Uninter.

No dia 10.mar.2021, às 19 horas, ocorreu a primeira sessão de debate no canal da Escola Superior de Educação no Youtube (acesse aqui) e pela página da Área de Humanidades no Facebook (clique aqui). O bate-papo foi sobre o filme “Deus e o Diabo na terra do sol”. O evento contou com a participação dos professores da Uninter Regiane Moreira da Silva, Cícero Manoel Bezerra, Márcio José Pelinski e Nilson dos Santos Morais.

O cineclube é um curso de extensão, com o objetivo de aprendizado através das artes, do lúdico, imagens, enredos, participações artísticas e personagens, promovendo reflexões a respeito dos assuntos discutidos, além da interação dos estudantes com perguntas e opiniões. Entre eles, as questões sociais, políticas, culturais, entre outras.

“Os filmes selecionados estão alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), procurando contribuir através a educação e reflexão. É o poder do cinema, cultura, arte, para o ensino. Um filme emblemático (Deus e o Diabo na terra do sol) no contexto que se desenvolve com expressão no contexto de revolução militar no Brasil. Com poucos recursos que tinha, o diretor lança uma obra clássica”, comenta Cícero Bezerra.

Mais de 2 mil estudantes já estão inscritos nessa 4ª edição do Cine Clube: Luz, Filosofia e Ação. Faça sua inscrição clicando aqui. A participação é gratuita, com carga horária de 10 horas em atividades complementares e recebimento de certificado online, após realizar a avaliação no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), e obter nota maior ou igual a 70.

Confira a agenda das sessões de debate

10.mar.2021

Deus e o Diabo na terra do sol – Glauber Rocha (Brasil, 1964)

07.abr.2021

Que horas ela volta? – Anna Muylaert (Brasil, 2015)

26.mai.2021

Três anúncios para um crime – Martin McDonagh (Estados Unidos, 2017)

14.jul.2021

Preciosa – uma história de esperança – Lee Daniels (Estados Unidos, 2010)

27.jul.2021

Alice Júnior – Gil Baroni (Brasil, 2019)

20.out.2021

Clube de Compras Dallas – Jean-Marc Valleé (Estados Unidos, 2013)

08.nov.2021

O Sal da terra – Wim Werders e Juliano Salgado (França, Itália e Brasil, 2014)

 08.dez.2021

Quanto vale ou é por quilo? – Sergio Bianchi (Brasil, 2005)

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Autor: Evandro Tosin - Assistente multimídia
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Reprodução


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