Clóvis se deixou aniquilar pelo que ama

 

Denise Becker – Estagiária de Jornalismo

Faltavam 45 dias para Clóvis concluir o estágio probatório de três anos em uma prefeitura do interior do Paraná. Ele olhava as pessoas à sua volta, que há 30 anos faziam a mesma coisa todos os dias, no mesmo lugar. Tinha 28 anos e não queria aquilo para o resto da vida. Clóvis Cézar Pedrini Jr saiu do comodismo para fazer a sua História.

Sentado em meio aos livros, olhos graúdos e curiosos expressam intimidade com os autores na biblioteca. Em busca de conhecimento, já conta 14 anos de formação superior dividida entre graduações, pós-graduações e mais recentemente o mestrado internacional concluído em 2015. Agora é a vez do doutorado.

Com nota máxima e em primeiro lugar, foi o único brasileiro aceito e o quinto de toda história do programa de doutorado internacional em comunicação mantido por cinco universidades públicas da Espanha: Universidade de Sevilla; Cádiz, Málaga, Huelva e Internacional de Andalucía.

Sua proposta é apresentar um projeto iberoamericano que analise o jornal Público, de Portugal, e o Clarín, da Argentina, dando continuidade à dissertação de mestrado que analisou a cobertura dos jornais El País, na Espanha, e a Folha de São Paulo, no Brasil.

Indagado sobre o que o move, Clóvis abre um sorriso e parafraseia Charles Bukowski ao dizer “ache o que você ama e deixe isso te matar. Deixe que isso te aniquile, mas vá fundo, entre de cabeça. Eu encontrei o que gosto de fazer e estou deixando que isso me aniquile”, responde. A decisão de se deixar aniquilar pelo que ama surgiu ao olhar ao redor na repartição pública na prefeitura do interior.

Como na música do Engenheiros do Havaí, ele “sempre quis ver o Velho Mundo” desde moleque sonhava conhecer a Europa. Certo dia, na aula da segunda pós-graduação em docência, uma intercambista da Espanha anunciou bolsas oferecidas pela Associação Universitária Iberoamericana de Pós-graduação (AUIP). Passou seis meses correndo atrás dos documentos e traduções na esperança de ser aceito.

E foi. Chegou à Europa em 2013 para cursar o mestrado internacional em comunicação carregando duas sacolas, um celular velho sem WhatsApp e o desafio de falar e escrever o castelhano perfeito.

“O espanhol da Argentina não serve para nós. Ou você domina o ‘castellano perfecto’, ou você está fora. Aqui tem muitos espanhóis sem bolsa, e você tem a bolsa”, enfatizou um dos três catedráticos no momento em que Clóvis apresentou a proposta do pré-projeto de pesquisa. O tema era “Jornalismo imersivo internacional”, que acabou laureado com “matrícula de honra”, a mais alta possível.

A história de Clóvis remete às páginas dos livros recheados de contos instigantes.  Antes de receber bolsa para estudar na Espanha, ficou um ano desempregado, mas logo abre um sorriso ao falar que a inspiração para viver intensamente a busca pelo conhecimento veio de Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Vidas Secas e O Mundo de Sofia, literaturas que teve contato na adolescência.

Repetidas cenas vividas na infância lhe foram marcantes, como ver o esforço da mãe ao trabalhar o dia todo e à noite cursar o técnico em enfermagem. Acompanhado de seu pai, que conduzia um Fiat 147 pelas ruas de Toledo, carregava a mãe que foi concluir os estudos aos 50 anos. O pai de Clóvis, que há três décadas é balconista de uma loja de material de construção, hoje vê os três filhos cursando mestrado e doutorado.

Clóvis começou a trabalhar muito cedo, primeiro editando o jornal da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Guarapuava, onde se formou em Comunicação Social. Recebia R$ 136,00. Atualmente, é assessor de imprensa de um deputado estadual, cursa Jornalismo na Uninter à noite. Agora, aos 33 anos, se prepara para o doutorado.

Convidado pela Universidade de Cádiz (UCA), retorna à Espanha em novembro para dar início à jornada de cinco anos em busca do título de doutor. “Eu não ia fazer esse ano, estava esgotado de tanta leitura, de tanta solidão. Estudo é isso, não tem glamour, é sentar a bunda na cadeira e ler, abrir mão de muita coisa”, diz.

Mas diante das conquistas que já teve, Clóvis vai em frente para realizar seus objetivos. Na primeira vez foi mais difícil. Com pouco dinheiro e sem internet, usava um computador emprestado. Para falar com a mãe, costumava ir no domingo à noite na beira do muro da faculdade para ver se pegava o sinal wi-fi. Mas a bateria do computador só durava cinco minutos.

Foi rejeitado em seis universidades brasileiras e faz uma observação importante. “Talvez as nossas seleções aqui estejam deturpadas, você tem que conhecer alguém antes, você tem que fazer a dança do cisne antes para o professor. Eu tentei seis vezes e fui passar em outra língua, outro país. Não tem explicação”, enfatiza.

À época, na preparação para o mestrado tudo era novo. Para o doutorado, retoma a rotina de leituras e destaca a importância de se envolver em pesquisa. “Participar dos grupos de pesquisa na Uninter contou pontos para a seleção. O grupo do professor Mauri, de jornalismo investigativo tem muito a ver com minha pesquisa que é de jornalismo imersivo, e o do Guilherme, jornalismo alternativo, foram importantes. Vou trazer a minha pesquisa para dentro da Uninter”, finaliza.

Edição: Mauri König

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