CONSCIÊNCIA NEGRA

Carolina de Jesus, a escritora pobre que enriqueceu a literatura brasileira

Autor: Bárbara Possiede - Estagiária de Jornalismo

O dia 20 de novembro é reconhecido em todo o território nacional como o Dia da Consciência Negra. Referência à data de morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares que lutou para preservar a vida dos escravos que conseguiam fugir, esta celebração assume um papel de grande importância no reconhecimento dos afro-descendentes na construção da sociedade brasileira.

Foi inspirada nesta data, e buscando estender para todo o mês as reflexões geradas por essa celebração, que a Uninter escolheu a escritora brasileira Carolina Maria de Jesus como tema para o I Encontro de Linguagens e Sociedade.

Com o título “Carolina Maria De Jesus: Meu Sonho É Escrever”, a Escola Superior de Educação da Uninter convidou seus alunos para conhecer um pouco mais sobre a escritora negra, neta de escravos, que completaria 105 anos em 2019.

Realizado com o apoio da Fundação Cultural de Curitiba, o evento trouxe a professora Raffaella Fernandez para contar um pouco mais sobre uma das maiores vozes da literatura negra no Brasil, em uma mesa redonda no campus Divina, em Curitiba (PR), na noite de 11.nov.2019.

Participaram da mesa de abertura o vice-reitor da Uninter, Jorge Bernardi, a diretora da Escola Superior de Educação, Dinamara Machado, a coordenadora da área de linguagens e sociedade, Deisily de Quadros, a coordenadora de pesquisa, Desire Dominschek, a coordenadora de literatura da Fundação Cultural de Curitiba, Mariane Filipak, e a professora e tutora do curso de Letras, Maristela Gripp.

De acordo com Deisily, esse encontro foi o resultado de diversas inquietações e vontades de buscar respostas na literatura e na história, refletindo sobre desigualdades sociais e sobre a figura da mulher. “É uma noite para refletir sobre literatura, história e sociedade. Que tenhamos sempre vontade e espaço para o debate e para o diálogo”, comenta.

Trazer como tema uma escritora, favelada, mulher, mãe, que experimentou diversos tipos de preconceito, passou fome e pôde sentir na pele o abandono do poder público gerou uma enorme reflexão para os que estavam presentes ou acompanharam através da transmissão ao vivo.

Para Maristela, idealizadora do evento, “falar sobre literatura já é transgredir nos nossos dias, mas falar sobre literatura negra e sobre uma mulher negra que escrevia, é mais ainda”.

Segundo Jorge Bernardi, a data da consciência negra não serve apenas para que o país se comova com a realidade que temos, mas principalmente para que possamos mudar essa realidade. “Ela só vai mudar através de um único caminho, no qual todos estamos engajados:  a educação”, afirma.

História de Carolina de Jesus

Raffaella Fernandez é pós-doutoranda no programa avançado de cultura contemporânea da UFRJ, onde estuda o espólio literário de Carolina de Jesus desde 1999. Ela já leu mais de 5 mil páginas manuscritas da autora. No evento, falou sobre a história de Carolina e fez diversas reflexões sobre o papel da escritora na sociedade brasileira.

“15 de junho…Fui comprar carne, pão e sabão. Parei na banca de jornais. Li que uma senhora e três filhos havia suicidado por encontrar dificuldade de viver. […] A mulher que suicidou-se não tinha alma de favelado, que quando tem fome recorre ao lixo, cata verduras nas feiras, pedem esmola e assim vão vivendo. […] Pobre mulher! Quem sabe se de há muito ela vem pensando em eliminar-se, porque as mães tem muito dó dos filhos. Mas é uma vergonha para a nação. Uma pessoa matar-se porque passa fome. E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: – Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome! (JESUS, 1993, p.56).”

O trecho acima é de seu primeiro livro, “Quarto de Despejo”, publicado em 1960 através de uma seleção de seus manuscritos feita pelo jornalista Audálio Dantas. Nascida no ano de 1914 em uma cidade do interior de Minas Gerais, Sacramento, a própria autora confessou não saber ao certo sua data de nascimento, o que se deve ao fato de não ter um documento de registro – ela não foi registrada por ser negra. Ou seja, desde muito cedo já havia conhecido o racismo e ele conseguiu destituí-la de um direito básico.

Seu avô era griô, termo que na cultura africana se refere a um contador de histórias que ensina as lendas e os costumes de seu povo. Com ele Carolina teve seu primeiro contato com os ensinamentos da cultura popular. Só mais tarde passou a frequentar o ensino regular, estudando até ao 2º ano primário.

Apaixonada pela leitura, ela buscava ler tudo o que encontrava. Por meio de livros que achava no lixo, ou nas bibliotecas de seus patrões, ela estava sempre em contato com a literatura. Quando se mudou para São Paulo, uma das primeiras casas em que trabalhou foi a de Euryclides de Jesus Zerbini, médico cirurgião que realizou o primeiro transplante de coração no Brasil. Zerbini disponibilizava sua biblioteca para a moça. Já que ela não saia nos dias de folga, aproveitava para ler.

Carolina não era apenas uma mulher escrevendo um diário, ela sabia bem o que era a literatura e, ambiciosa, sempre quis ser reconhecida como escritora, algo que não conseguiu, pois morreu pobre, catando lixo.

Apesar de ter publicado livros ainda em vida, sua obra foi estigmatizada e ela era apresentada como “poetiza da favela”. Os textos escolhidos para serem publicados sempre foram marcados pelos relatos de sua vida simples, como catadora de papéis e moradora da favela, algo que nunca agradou à autora. Durante sua vida, Carolina tentou publicar outros trabalhos: enviava seus romances para editoras, levava seus manuscritos para jornais, sem sucesso.

Enquanto moradora da favela do Canindé, na zona norte de São Paulo, a escritora teve o papel com uma dupla função em sua vida: sobreviva dele como forma de renda, através da reciclagem, mas também dependia dele para alimentar seus sonhos ao reutilizar os cadernos que encontrava para escrever seus textos. Foi assim que ela conseguiu escrever 7 romances, 5 peças de teatro, 101 poemas e músicas.

Carolina Maria de Jesus é hoje mais conhecida fora do Brasil do que em seu próprio país. E, em sua terra natal, normalmente é reconhecida apenas como uma mulher, com lenço na cabeça, que escreveu o testemunho da vida na favela. “Mas Carolina precisa ser conhecida como escritora, como precursora da literatura negra brasileira, da literatura marginal periférica”, lembra Raffaella, ressaltando a necessidade de dar visibilidade para esta importante autora.

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Autor: Bárbara Possiede - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Bárbara Possiede - Estagiária de Jornalismo


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