Brasil precisa melhorar políticas públicas para idosos em situação de rua

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

No Brasil, o número de idosos vem crescendo exponencialmente. Em 2012, havia 25,4 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais. Cinco anos depois, em 2017, houve um salto de 18% no grupo etário, que ultrapassou 30 milhões de pessoas. As mulheres são maioria, contabilizando 56%. É o que aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada em abril de 2018.

Este crescimento sinaliza a necessidade de um olhar mais atento para os direitos desta população, principalmente quando são pessoas em situação de rua. Os desafios começam já na dificuldade de se contabilizar estes cidadãos. O Cadastro Único é a única forma de registro que permite esta identificação, já que é o meio pelo qual se tem acesso aos principais serviços e benefícios da política de assistência social. No entanto, nem todos realizam o cadastro e, consequentemente, ficam sem suas garantias.

A última pesquisa nacional com a população de rua, realizada em 2009 e publicada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), aponta que não foi possível abranger a totalidade das pessoas nesta condição. O primeiro Censo e Pesquisa sobre a População em Situação de Rua, realizado entre 2007 e 2008, fez um levantamento de 71 cidades, sendo 48 municípios e 23 capitais.

O estudo identificou 31.922 pessoas maiores de 18 anos. Em sua maioria jovens, grupo considerado economicamente ativo, e com a predominância de homens (82%). O levantamento classifica como idosos pessoas a partir dos 55. Nesta faixa etária, as mulheres somam 11,42% e os homens 13,84% do total. Entre os motivos que levam as pessoas a esta situação estão o alcoolismo, o vício em drogas, o desemprego e a perda de vínculos familiares. Quase metade das pessoas está nas ruas há mais de dois anos. Os dados são anteriores ao agravamento do problema com a pandemia de Covid-19.

“Trata-se de um tipo de vivência que demanda uma qualificação das políticas públicas para seu atendimento e superação. Tais índices despertam-nos a atenção, pois demonstram que a vivência de rua se estende por anos, ao longo da trajetória de vida; assim, evidencia-se que as pessoas estão envelhecendo e se tornando idosas nas ruas, e que as precariedades deste tipo vivência impactarão diretamente nas condições do envelhecimento, na saúde física e mental dessas pessoas”, explicam a estudante de Serviço Social da Uninter, Gessica Moreira, e a professora do mesmo curso, Neiva Hack.

Autoras do artigo Políticas públicas e os direitos do idoso em situação de rua: uma análise sob a perspectiva do serviço social, Gessica e Neiva fazem um regaste histórico dos direitos conquistados pelos idosos e pessoas em situação de rua, por meio de políticas públicas nas últimas décadas.

Em 1968 foi aprovado o primeiro regulamento de assistência aos idosos, mas apenas para beneficiários acima de 60 anos. Só em 1979 é que o auxílio passou a ser direito também de idosos não assegurados pela previdência. Já em 1982, a Assembleia Mundial organizada pela ONU, em Viena, propôs um programa internacional de garantia social e econômica para esta população. No Brasil, as diretrizes só tiveram maior repercussão legal com a Constituição Federal de 1988.

Mesmo assim, o documento só apresenta três artigos que abordam diretamente os idosos: o artigo 203, com a garantia de salário mínimo mensal a pessoas com deficiência e idosos; o artigo 229, que diz que os pais têm o dever de criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores devem ajudar e amparar os pais na velhice; e o artigo 230, reafirmando que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando participação na comunidade e defendendo dignidade e bem-estar.

Só em 1993 foi sancionada a lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que regulamentou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e também prevê atendimento assistencial como direito para populações em situação de vulnerabilidade. No ano seguinte acontece a criação do Conselho Nacional do Idoso e a promulgação da Política Nacional do Idoso.

Apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) existir desde 1990, é só no final da década, em 1999, que se cria a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Quatro anos depois, nasce então o Estatuto do Idoso, principal legislação vigente de proteção à pessoa idosa, definida como todo aquele cidadão com 60 anos ou mais, embora alguns benefícios tenham como critério a idade de 65 anos ou mais.

O estatuto define como direitos “a vida, a saúde, a alimentação, a educação, a cultura, o lazer, o trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, o respeito e a convivência familiar e comunitária”.

“Estes e outros direitos assegurados na Constituição Federal, normas internacionais e legislações específicas são uma grande conquista para a população idosa; porém, é fundamental que se monitore sua efetividade e que existam medidas efetivas para sua concretização”, salientam Gessica e Neiva.

A Política Nacional para População em Situação de Rua, de 2009, define esta população como “o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza logradouros públicos e as áreas degradas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”.

Além disso, o documento assegura “o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda”.

A Resolução nº 109 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) caracteriza os serviços da política de assistência social por meio da Tipificação Nacional dos Serviços Sociais, aprovado também em 2009. Os atendimentos têm três divisões: proteção social básica; proteção social especial de média complexidade; e proteção social especial de alta complexidade.

Entre os principais serviços à disposição da população idosa e pessoas em situação de rua está a atenção domiciliar às pessoas idosas, que é realizado por uma equipe interdisciplinar que vai até a residência da pessoa, e o programa Consultório na Rua. Além das Unidades Básicas e os hospitais.

Gessica e Neiva afirmam que, no decorrer das pesquisas realizadas, é possível notar avanços na garantia de direitos, mas ainda que as legislações sejam importantes para a defesa dessas garantias, é necessário um conjunto de ações do poder público e da sociedade para que se tornem efetivas.

“É fulcral evidenciar, também, que as pessoas idosas e as pessoas em situação de rua são iguais em direitos, liberdade e cidadania, e devem ser respeitadas pela sociedade. Isso aponta para uma relação transversal que impacta as políticas públicas e está compreendida no âmbito da cultura e da reprodução das relações sociais, em que ainda são legitimados o preconceito, a violência e a discriminação contra determinados grupos populacionais. Neste sentido, recomendam-se pesquisas futuras, para correlacionar estes aspectos à efetividade das políticas públicas e concretização dos direitos de cidadania”, autoras”, concluem as autoras.

O artigo escrito por Gessica e Neiva foi publicado no Caderno Humanidades em Perspectiva, uma das publicações científicas da Uninter. Leia a publicação na íntegra, disponível neste link.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro
Créditos do Fotógrafo: Divinomar Severino/Wikimedia Commons


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