HOMENAGEM

A menina prodígio que contava os peões

Pedro e Zaira Veneral migraram em 1980 de Ibirubá, interior do Rio Grande do Sul, para gerenciar uma fazenda de soja e cana-de-açúcar em Campo Mourão, interior do Paraná. Entre os cinco filhos do casal estava uma menininha que se revelaria um prodígio na contabilidade. Com 5 anos recém completados ao chegar, Débora logo passou a frequentar uma escola rural em Campo Mourão. Aos 7, era a responsável por controlar o ponto dos peões da fazenda e pelo salário a que cada um deles tinha direito.

Ciente do analfabetismo dos pais, Débora tomou para si essa responsabilidade. Não queria que nenhuma das partes saísse lesada nessa relação trabalhista. Dia após dia, ela anotava o nome dos peões que compareciam ao trabalho e ao término de cada semana fazia os cálculos do salário correspondente. A fazenda tinha seis peões fixos e entre 30 e 40 trabalhadores temporários, os boias-frias. A esse senso inato de justiça ia se somando a paixão pelos estudos. Foi assim que a pequena fazendeira passou boa parte da infância, entre as aulas na escola e o auxílio ao pai na contabilidade da fazenda.

Chegar à escola, no entanto, exigia um esforço extra da menina. A escola ficava a 8 km de casa, e faltar às aulas era motivo de tristeza sem fim. O amor pelo estudo era tanto que fazia o trajeto até mesmo embaixo de chuva. Às vezes de ônibus, às vezes a pé. A estrada era de terra, mas Débora não se importava de ficar com os pés sujos, desde que estivesse em sala de aula. Na mochila levava o caderno e na mão, um pão com mortadela. A paixão pelo estudo era tanta que chegava a deixar o caderno aberto em cima do saleiro para poder ler enquanto lavava a louça.

Embora estudar fosse o que mais gostava de fazer, foi obrigada a parar de estudar por dois anos antes de concluir o ensino fundamental. Não havia turma durante o dia e o pai não admitia que ela estudasse à noite. Ele fazia jus à fama de gaúcho bravo e protetor. “Filha minha não estuda a noite”, sentenciou. Foram dois anos difíceis, em que todo dia almejava trocar as panelas pelo lápis na sala de aula. Quando voltou a estudar, não parou mais.

Logo que concluiu o Ensino Médio, Débora foi morar de favor na casa dos patrões do pai em Campo Mourão, para fazer magistério superior. Estudando e ajudando a empregada da casa em que morava, não demorou para conseguir o primeiro emprego registrado. Aos 17 anos deixou de ser ajudada pelos pais e passou a ajudá-los.

Aprovada no vestibular de Direito em Goiás, onde o irmão morava, Débora comprou um fogão, uma cama e uma mesa. Juntou a coragem e o sonho de se tornar juíza e partiu para o Centro-Oeste. Trabalhou em um escritório de fazenda gerenciando materiais e funcionários, além de cuidar da filha dos patrões. Faltando um ano e meio para se formar, a saudade de Campo Mourão a fez voltar para concluir o curso em uma cidade próxima, Umuarama.

Sem emprego e disposta a trabalhar até de doméstica para concluir o curso, distribuiu diversos currículos e conseguiu um emprego em uma loja de instrumentos musicais. Terminou a faculdade de Direito em 1999 e foi para Curitiba em busca do sonho da magistratura. Vivendo do dinheiro que tinha guardado, começou a estudar para concursos e fazer estágio voluntário no Tribunal de Justiça do Paraná. O dinheiro foi acabando e, a convite de um amigo, foi trabalhar como advogada na penitenciária de segurança máxima localizada na vizinha cidade de Piraquara. Percorria 74 Km todos os dias.

A vida após formada

Em 2002, Débora descobriu que a mãe, Zaira de Souza Veneral, estava com câncer de mama. Como o pai não tinha condições de cuidá-la, a filha se encarregou de levá-la à capital paranaense e arcou com os custos do tratamento. Gastou todo o dinheiro que tinha, mas foi a época em que a Uninter abriu para ela as portas da docência. A mãe faleceu em 2004. O pai foi menos de dois anos depois, deprimido pela perda da esposa.

Em meio aos percalços pelos quais estava passando, decidiu deixar o projeto de ser magistrada e optou por trilhar sua carreira na Uninter. Mas ela não se frustrou por não ter entrado na magistratura. “Acredito que Deus me direcionou para outro caminho e eu sou muito feliz com o que faço”, diz. Abriu um escritório de advocacia e trabalhou na área até 2012, quando vendeu o escritório e investiu em um polo de apoio presencial da Uninter em Joinville (SC) e, ao mesmo tempo em que ministrou aulas na graduação e na pós-graduação da Uninter, foi coordenadora da especialização EAD na área jurídica.

Em 2015, Débora Veneral foi convidada a assumir a direção da Escola de Gestão Pública, Jurídica, Política e Segurança. Feliz com a posição em que se encontra, ela compartilha o que a fez chegar tão longe. “Persistir e ter fé me fizeram chegar aonde estou”.

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Autor: Arthur Neves – Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Victor Corradini - Estagiário de Jornalismo

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