A educação precisa ser capaz de emancipar

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

 

Nos últimos anos, uma das questões mais preocupantes para a população brasileira é o crescimento do desemprego. Quando se fala disso, é importante pontuar que nem sempre ter um emprego resolve todas as questões dos indivíduos para que ele consiga se desenvolver como parte da sociedade. Existem muitos outros aspectos estruturais que influenciam diretamente o lugar que ele ocupa. E tudo isso começa com o sistema educacional, desde os primeiros anos escolares.

A professora Maria Aparecida Zanetti, doutora em Educação, utiliza os conceitos de “educação bancária” e “educação emancipadora”, do educador e filósofo Paulo Freire, para explicar como se dão essas relações e a necessidade de substituir um sistema pelo outro.

A educação bancária é uma crítica do pensador ao método em que, dentro da sala de aula, os professores são os detentores do conhecimento e depositam as informações para os alunos, que teoricamente não possuem nenhum saber. É uma forma individualista e que não propõe diálogo, se faz para o outro e não com o outro. Já a educação emancipadora é horizontalizada e funciona de maneira coletiva e solidária.

“Em sala de aula, eu sou a professora que gosta muito de trabalhar em círculo. Ou seja, um olhando para o outro. Às vezes os meus alunos fazem prova assim. É muito interessante o incômodo ‘Como assim? A prova do outro está aqui’. De modo geral, a gente sempre teve a prova do outro lá na frente. Você tem uma postura nessa relação que é a do crescer e esconder. Eu parto do pressuposto que a prova também é um momento de aprendizado”, diz Maria Aparecida.

Essa relação do “crescer e esconder” é o que leva os cidadãos a uma sociedade capitalista e competitiva, em que um sabe e o outro não, e silencia aqueles que acreditam não ter o poder do conhecimento. Ainda de acordo com a profissional, mudar de postura não retira a autoridade do professor, porque esta “se constitui na relação de domínio do conhecimento e não é um conhecimento melhor do que o do aluno, é só diferente”.

Maria Aparecida lembra que ninguém é capaz de fazer todas as coisas sozinho. Tudo o que as pessoas usam e consomem no dia a dia é feito por alguém. Neste sentido, ninguém é melhor que ninguém e todos dependem do conhecimento e trabalho do outro.

“Eu costumo dizer que, quando a gente entra em sala de aula, no mínimo os nossos educandos ensinam a ensinar, na medida em que eu escuto. Muitas vezes pode ser um reclamo, uma torcida de nariz, uma abaixada de boné, esta é uma informação para a gente. Um excelente educador aprende o tempo inteiro, ele não só ensina”, explica a professora, que defende a educação dialógica.

“Paulo Freire persegue a categoria diálogo ao longo das suas diferentes obras. E não só nas obras, nos seus escritos, mas como na sua vida. Eu tive a oportunidade de conhecer Paulo Freire pessoalmente e comprovar essa relação de amorosidade, de diálogo, de acolhida que este pensador tem”.

Segundo a profissional, a ideia da educação bancária faz com que as pessoas absorvam a concepção de que elas não sabem e se convençam de que não são capazes de se desenvolver. Essa desigualdade vai muito além da educação, faz parte de uma desumanização com vários outros aspectos sociais, de gênero, orientação sexual, etnia e raça, por exemplo. Isso traz à tona dois polos, o de acumulação e lucro e o da socialização e justiça social.

“São relações profundamente antagônicas, porque o 1% mais rico deste país fica com a maioria da riqueza. Muitas vezes essa acumulação e lucro não é para produção, é de investimento no banco, compra de ações, exploração, inclusive daqueles que trabalham”, salienta Maria Aparecida.

A desumanização pode ser percebida não só no desemprego, que leva muitas pessoas perderem condições dignas de vida e ficarem em situação de rua. Mas também no acesso precarizado, na fome, moradia precária e o consumo alienado de empresas que exploram os trabalhadores e o meio ambiente. A professora lembra das condições de trabalho dos entregadores de aplicativos.

“A gente cruza com os meninos com aquela mala nas costas, às vezes de bicicleta, às vezes de moto. Estes trabalhadores, que muitas vezes a mídia capitalista vai dizer que são empreendedores. Eles não são empreendedores, eles vivem uma superexploração do trabalho, não têm proteção nenhuma, não têm carteira de trabalho assinada, não têm plano de saúde. Se eles forem atropelados, se sofrerem um acidente na rua, não têm nenhuma proteção do ponto de vista das leis trabalhistas”, afirma.

Por isso a importância de construir uma humanização da sociedade, com emprego, salário e renda justa, que promova alimentação e moradia dignas, com consumo crítico da agricultura familiar, que precisa de apoio e incentivo para se desenvolver.

“Se a gente pensar no pessoal que está em situação de rua, eles não querem esmola, se pudessem ter salário, renda justa. A esmola é a caridade, o que a gente quer é justiça social. Mas muitas pessoas, para chegar nessa condição, precisam de formação, dos programas de renda, das bolsas que podem contribuir para que essas pessoas possam chegar em um outro patamar. A gente voltou para o mapa da fome neste país. Eu vou lembrar dos direitos sociais básicos que estão garantidos na Constituição, em que foi incluído a comida. Comida é uma coisa que deveria ser tão básica, todos têm que ter direito a comer, no entanto não têm. A gente tem milhões e milhões de brasileiros e brasileiras com fome, em um processo profundamente desumano”, enfatiza.

Maria Aparecida lembra que nesse processo é fundamental combater a desinformações intencional, que tem ocorrido principalmente na internet, por meio das redes sociais. “Alguém começa a fazer uma piadinha, põe um videozinho, vai mexendo com as coisas mais primárias e não faz uma reflexão, manda para o outro, que manda para o outro e para o outro. A gente está em um processo que a gente tem muito conhecimento, mas muitas vezes pouca reflexão sobre ele. Então, o papel da educação emancipadora é fundamental. De fato, a gente precisa se empoderar, no sentido de não aceitar qualquer informação”, conclui.

A profissional abordou o tema “Educação emancipadora, emprego digno e crescimento econômico” no primeiro dia das aulas magnas da Escola Superior de Educação (ESE) da Uninter. A live do dia 17.fev.2021 contou uma abertura comandada pelas professoras Renata Garbossa e Maria Tereza Xavier, das áreas de Geociências e EJA, respectivamente. O bate-papo continua disponível para acesso, na página do Facebook e no canal do Youtube.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Julia Justo/Wikimedia Commons


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