A constituição do Poder Legislativo no Brasil e nos Estados Unidos

Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo

A imprensa brasileira e internacional deu grande destaque às eleições majoritárias deste ano. As intensas disputas pela presidência dos Estados Unidos e pelas prefeituras do Brasil durante o mês de novembro omitiram um importante aspecto desses pleitos: a ocupação dos cargos legislativos.

De vereadores brasileiros a senadores norte-americanos, a disposição legislativa é um crucial ponto de apoio ou oposição ao mandatário do Poder Executivo. A fiscalização desse comando e a elaboração e revisão de leis complementam as funções essenciais do cargo.

O Legislativo federal do Brasil tem divisão bicameral, em que a distribuição de poder ocorre entre duas casas: Câmara (baixa) e Senado (alta). Esse sistema remonta à época do Império, mas o formato como hoje o conhecemos foi consagrado somente na Constituição de 1988. Os Estados Unidos utilizam o mesmo modelo, inaugurado no final do século 18 no país.

Embora ambas as nações façam uso dessa divisão, que retoma a implantação original na Inglaterra do século 14, as comparações param por aí. O sistema eleitoral, o esquema partidário e a representatividade de cada estado no Legislativo dão conta de particularizar cada um dos países.

No Brasil, um estado não pode ter menos de oito deputados federais e nem mais que 70. No país norte-americano não há limites. Lá, dois senadores representam cada estado, enquanto aqui o número chega a três. O tempo de mandato de um senador brasileiro é de oito anos; já o estadunidense, de seis. Também há diferença no período do mandato dos deputados: quatro anos no Brasil e dois nos Estados Unidos.

O Brasil tem a maior fragmentação partidária do mundo, sendo o país com mais partidos oficialmente registrados e com ocupantes em cargos eletivos. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contabiliza hoje 33 partidos. Mesmo que nos Estados Unidos haja uma pluralidade de partidos políticos, a ocupação da Casa Branca e do Congresso se alterna entre os partidos Democrata e Republicano, em um bipartidarismo arraigado na sociedade.

“Isso causa uma enorme confusão pro eleitor, pra quem estuda, pro jornalista, porque é muito difícil”, diz André Ziegmann, professor do curso de Ciência Política da Uninter, sobre a fragmentação brasileira.

Para ele, a justificativa teórica do alto número de partidos não se vê consolidada na prática. A ideia seria representar as diferentes correntes ideológicas que atravessam a sociedade brasileira, “mas será que existem 30 ideologias diferentes?”, questiona Ziegmann.

O fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais (Emenda Constitucional nº. 97/2017) representou uma derrota para partidos de menor expressão. Antes, sem a restrição, formavam-se grandes blocos de siglas que impulsionavam pequenas candidaturas desses partidos. Havia a transferência interna de votos quando um partido não atingia o quociente eleitoral (cálculo de distribuição de cadeiras) e até mesmo alianças pouco coerentes do ponto de vista ideológico.

“O objetivo [da emenda] é tornar um pouco mais racional o sistema partidário brasileiro. Para melhorar inclusive a percepção dos eleitores, conhecer um pouco mais dos partidos, conhecer melhor o posicionamento dos partidos, melhorar dentro do Congresso as articulações”, explica.

O país norte-americano conta com um sistema de voto distrital puro. Nele, os 435 distritos divididos entre os 50 estados elegem seus representantes por maioria simples. O cientista político julga o modelo como um desestímulo às candidaturas menores, pois há a necessidade da conquista de uma maioria, não somente uma proporção de votos, como ocorre no Brasil.

Nos dois países há uma tendência comum nas eleições legislativas: a predominância nas câmaras baixas do partido do presidente vitorioso. Ainda que o PT (Partido dos Trabalhadores) tenha elegido a maior bancada federal nas eleições de 2018 (56 deputados), a sigla à época do presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido), PSL (Partido Social Liberal), passou de um deputado para 53 na Câmara.

Com um total de 513 representantes na Câmara, apenas 10% dos deputados estavam diretamente alinhados ao presidente. As eleições norte-americanas deste ano definiram uma ocupação maior para os democratas, com mais da metade apoiando Joe Biden.

“A governabilidade para o Biden é muito melhor porque o Bolsonaro, aqui, tem que negociar com outros partidos”, aponta Ziegmann. Essa necessidade de articulação difusa é criticada especialmente por especialistas e militantes partidários, o que leva os governos a se apoiarem no “Centrão”.

Esse grupo de partidos políticos sem identificação ideológica rígida reúne siglas como PP (Partido Progressista), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), PL (Partido Liberal), entre outros. A estimativa é de que agregue de 170 a 220 deputados, que pendem para o partido de situação como forma de garantir um trânsito facilitado ao governo entre as duas Casas. A distribuição de verbas, secretarias e ministérios é a moeda de troca para esses nomes, sem apego a ideologias ou interesse público.

O que se desenha para as eleições de 2022 no Brasil é uma reconfiguração da estrutura partidária, segundo Ziegmann. Os três grandes partidos (PT, MDB e PSDB) que conduziram o processo de redemocratização pós-ditadura vêm perdendo votos nos últimos anos, inclusive em prefeituras e governos estaduais. O enxugamento das regras partidárias, o desgaste do status quo político, a retomada de poder do Democratas e o crescimento de partidos alternativos (como Psol e Novo) são fatores a serem considerados nesse processo de reorganização política no país. Resta saber se para uma renovação, de fato, ou para a extensão de uma governabilidade de coalização pautada por interesses meramente políticos.

Ziegmann falou durante o boletim semanal do curso de Relações Internacionais da Uninter. Mediada pelo professor André Frota, a transmissão ocorreu pela página do Facebook do curso em 23.nov.20. Você pode conferir a íntegra do conteúdo clicando aqui.

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Autor: Arthur Salles - Estagiário de Jornalismo
Edição: Mauri König
Revisão Textual: Jeferson Ferro


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