A arte no desenvolvimento das percepções de autistas

Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo

A arte é um importante instrumento para o despertar do processo de criatividade de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA). Ainda que a passos curtos, dentro da realidade e individualidade de cada um, o expressar artístico é capaz de ressignificar a vida de crianças, jovens e adultos que, muitas vezes, têm dificuldade de se perceberem como indivíduos.

O professor Alexandre Vieira, artista plástico e especialista em educação especial, é mestre em Educação e Novas Tecnologias pela Uninter e atua com a busca da exploração tátil com os estudantes, através das mãos, com argila, papel, tintas, texturas. Desde 2006, o profissional atua como professor de educação especial na disciplina de arte, atendendo autistas moderados e severos.

Alexandre explica que, em quadros nesses estágios do TEA, normalmente as crianças não possuem a capacidade do simbolismo, o que o trouxe um “espírito muito desafiador” no primeiro contato. Por isso, passou a buscar por estratégias para melhor desenvolvimento destes aspectos.

“Acredito nessa capacidade que a criança tem de amassar, rasgar, fazer e desfazer. Vai auxiliar diretamente na coordenação motora, que posteriormente poderá auxiliar em outras questões, até na preensão correta do lápis, de uma régua, apertar um tubo de cola”, salienta.

Por meio das concepções de Jean Piaget, quatro fases de desenvolvimento são apresentadas. O sensório motor de 0 a 2 anos, o pré-operacional de 2 a 7 anos, o operatório concreto dos 7 aos 11 e anos e o operatório formal, a partir dos 12 anos. No entanto, Alexandre ressalta que é importante ter calma com os conteúdos passados, já que cada pessoa tem uma forma única de interação, percepção, expressividade, cognição e a coordenação motora.

Como educador, pensa ser importante buscar o máximo das áreas de interesse do aluno, que nem sempre se mostram de forma verbal. “Temos que considerar as dificuldades que apresentam, ser realistas também. A gente tem que criar estratégias para driblar e transformar em algo positivo. Sempre valorizo se o aluno realizou um mínimo rabisco ou se começou a cantar um pedacinho de uma música. Como professores, temos a tendência a valorizar os mínimos avanços. É para comemorar mesmo, bater palma, porque merecem toda a valorização e avanços”, afirma.

A grande aposta do profissional está no vínculo com o estudante, pois isso colabora para a melhor interação e amplia a tendência de desenvolvimento do trabalho. De acordo com a pedagoga Juliana Mendes, gestora da Escola Alternativa, o desenvolvimento lúdico com adultos, sem infantilizar, é um desafio ainda maior. “O professor tem mais esse desafio, propor o lúdico dentro da idade cronológica desse estudante”, pontua.

Para Alexandre, este trabalho normalmente acontece por meio de atividades com músicas, danças, que acontecem de forma natural, utilizando datas especiais e temáticas, envolvendo toda a equipe educacional.

“Acredito muito que a arte tem o poder de transformar. Considero uma disciplina mais leve, não tem aquela cobrança de ter que chegar a um resultado final. Tem uma característica mais voltada para a expressividade, até para o estudante ter o tempo dele, mas o professor precisa ter essa visão de que essa liberdade não quer dizer bagunça. Você dá liberdade para o estudante, mas com um certo controle para não desorganizar a turma”, conclui.

Alexandre abordou o tema A arte e o autismo em um live realizada por Juliana em seu perfil do Instagram (@julianapaulamendes). A pedagoga explica que a ideia é sempre a “busca de informações que vão ajudar o professor com o processo pedagógico dentro de sala de aula, porque a gente sabe a importância de um plano individualizado, um bom planejamento, mas a gente também sabe que a arte envolve muitas coisas”. O bate-papo completo segue disponível para livre acesso.

O caminho de Alexandre até a educação especial

Formado em bacharelado e licenciatura em Artes Visuais com ênfase em informática, em 2005, Alexandre ainda não havia um direcionamento profissional e perspectivas do que fazer. No entanto, carregava uma lembrança que marcou sua história, ao visitar o Pequeno Cotolengo Paranaense.

A instituição, localizada em Curitiba, acolhe pessoas com deficiências múltiplas de todas as idades e de qualquer região do estado do Paraná, que tenham sido abandonadas, sofram maus tratos ou vivam em situação de risco. “Esta visita ficou marcada, porque no momento em que ingressei, recebi um abraço muito carinhoso e sincero de um morador que aparentava ter Síndrome de Down”, lembra.

Com a graduação concluída, em conversa com uma professora do curso, Alexandre questionou uma professora sobre a dificuldade de trabalhar com educação especial. A resposta foi direta: “Para você, seria impossível!”. “No momento, fiquei em silêncio, bem assustado com a resposta, sem saber ao certo o que fazer e me interrogando de tal afirmação”, conta o professor.

No entanto, isso não aquietou o desejo de se dedicar à área. A primeira oportunidade surgiu ainda no ano de formação, através do grande amigo, o professor Valfrido de Carvalho, que o convidou para ser Papai Noel na Escola de Educação Especial Mercedes Stresser, instituição em que lecionava.

Nesta mesma época, Alexandre decidiu ingressar para a pós-graduação em Educação Especial na Pós-graduação Bagozzi. “Tanto pelo descaso que me foi transmitido pela professora, mas principalmente pela missão de trabalhar nesta área por toda a minha vida e fazer a diferença”, afirma. Três anos depois, o profissional teve a oportunidade de lecionar no mesmo curso, onde atuou por um período de cinco anos.

Em 2006, enquanto passeava de carro pela região do Alto da Glória, bairro do cinturão central de Curitiba, Alexandre se deparou com a Escola Alternativa. “Imediatamente estacionei o carro e apertei a campainha. A diretora apreciou muito a minha pré-disposição e meu brilho nos olhos pela causa”, lembra. O profissional foi contratado como professor de apoio da instituição.

“Após algum tempo, participei de uma entrevista com uma das fundadoras da escola, a pedagoga Laura Monte Serrat, que me direcionou e valorizou o meu potencial, tornando realidade o antigo sonho de atuar como professor de arte”, lembra.

Desde então, o professor defende que as percepções são fundamentais para o desenvolvimento dos estudantes. Alexandre acredita que, antes mesmo de se pensar em alfabetizar, é preciso ver, sentir, perceber, transformar, misturar e, principalmente, se expressar. “As artes visuais podem ser trabalhadas de maneira direta, com o objetivo de produção, valorizando o processo de criação e de expressão. Ou mesmo de forma implícita, quando o professor sabe que o aluno está se desenvolvendo, porém não precisa parar para tal reflexão naquele momento”, afirma.

As percepções no mestrado

As percepções utilizadas por Alexandre no trabalho cotidiano com os estudantes fazem parte da pesquisa de mestrado em Educação e Novas Tecnologias, finalizado neste ano na Uninter. A grande aposta do pesquisador é ampliar o tempo de atenção dos alunos que apresentam TEA. Para isso, apresentou a dissertação “Jogo Tetris de forma analógica como possibilidade para o desenvolvimento do tempo de atenção de estudantes entre sete e onze anos com autismo”.

Tetris é um jogo eletrônico, lançado na década de 1980, conhecido mundialmente. Em tempos onde tudo se tornar digital, Alexandre foi contra a maré, na busca pelo trabalho com as percepções. O jogo analógico, construído com base em madeira e peças em acrílico, tem o intuito de que o estudante concentre o olhar na brincadeira. Para o desenvolvimento do produto, contou com o auxílio do cunhado, Reinaldo, que é eletrotécnico. “Profissional fundamental para a minha pesquisa”, diz.

O professor conta que a dinâmica proporcionou “grandes possibilidades do aumento do tempo de atenção, bem como nas percepções táteis, visuais e motoras”. “Minha pesquisa foi produzida por meio do método Delphi, que se trata de rodadas de perguntas em que profissionais das áreas de educação especial e de psicologia responderam várias questões, vivenciaram as propostas do jogo e afirmaram o grande potencial dele em ampliar o temo de atenção dos estudantes com TEA”.

Alexandre diz que o mestrado possibilitou uma troca rica de conhecimentos entre a vivência na área do autismo, “com professores doutores altamente qualificados, que ampliaram os conhecimentos nas áreas de humanas e tecnológicas, envolvendo principalmente a pesquisa em âmbito científico”.

Agora mestre, agradece ao professor Rodrigo Otávio dos Santos, que o orientou durante esta caminhada. “Não mediu esforços para que eu fizesse meu melhor, tanto nas disciplinas como na produção e defesa da dissertação. A escrita de alguns artigos me fez crescer muito profissionalmente”, salienta.

Junto com Juliana Mendes, Laura Monte Serrat e Evelise Hilgemberg, Alexandre também já tem publicado o livro Transtornos do desenvolvimento: uma perspectiva educacional, de 2015, pela editora Pulso. Agora, aguarda o lançamento do livro Educação e tecnologias: potencialidades e limitações, no qual participa com um capítulo, junto com vários outros autores do mestrado e o orientador Rodrigo. A obra está prevista para dezembro deste ano.

Além disso, o profissional também realiza a criação de conteúdos para o perfil no Instagram Arte e Autismo (@arte_e_autismo), onde busca a troca de conhecimentos e conteúdos sobre o tema, assim como a divulgação de palestras e eventos que realiza.

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Autor: Nayara Rosolen - Estagiária de Jornalismo
Edição: Mauri König
Créditos do Fotógrafo: Arquivo pessoal


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