Escorpiões avançam nas cidades e acidentes se multiplicam com calor e urbanização desordenada
Autor: Willian Barbosa Sales*
O Brasil vive uma epidemia silenciosa de acidentes por escorpiões, segundo o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde: em 2023, foram 202.714 casos notificados no país (incidência de 95,2 por 100 mil habitantes), com 131 óbitos registrados (taxa de letalidade de 0,06%) e 4.339 municípios (78% do total) com ocorrências. Os maiores volumes de casos se concentram no Sudeste e Nordeste — São Paulo (48.655), Minas Gerais (38.946) e Bahia (22.642) — enquanto Alagoas apresenta a incidência mais elevada (365,4/100 mil).
A principal espécie envolvida nos acidentes graves é o Tityus serrulatus, o escorpião-amarelo, que se adapta facilmente ao ambiente urbano e se reproduz por partenogênese (fêmea se reproduz sozinha sem a necessidade de macho), dificultando o controle populacional. Outras espécies relevantes são o Tityus bahiensis, Tityus stigmurus e Tityus obscurus (este último predominante na Amazônia). Os sintomas variam de dor local intensa a quadros sistêmicos graves, como sudorese, vômitos, salivação excessiva, taquicardia, alterações de pressão arterial, insuficiência cardíaca, edema agudo de pulmão e, em casos extremos, choque e óbito. Crianças pequenas são especialmente vulneráveis à evolução rápida e fatal do quadro.
O tratamento dos casos moderados e graves exige administração precoce do soro antiescorpiônico, disponível pelo SUS, que é mais eficaz nas primeiras horas após o acidente. Em situações de dúvida diagnóstica, pode-se usar o soro antiaracnídico, que também cobre acidentes por aranhas do gênero Phoneutria. O acesso rápido ao atendimento especializado e ao soro é fundamental para o prognóstico, especialmente em regiões remotas.
Um dos pilares do atendimento qualificado é o papel dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox). Esses centros, presentes em diversos estados, oferecem orientação técnica 24 horas para profissionais de saúde e para a população, auxiliando na identificação da espécie, classificação da gravidade, diagnóstico diferencial, definição da conduta, indicação do soro e avaliação da necessidade de transferência. O CIATox também contribui para a vigilância epidemiológica e educação em saúde, sendo referência nacional em toxicologia clínica.
A prevenção dos acidentes passa por medidas simples, mas que exigem mobilização comunitária e políticas públicas: manter quintais e áreas próximas limpos, evitar acúmulo de entulhos e materiais de construção, combater baratas (principal alimento dos escorpiões urbanos), vedar frestas em paredes e rodapés, instalar telas em ralos e pias, sacudir roupas e sapatos antes de usar, usar luvas e calçados fechados em atividades de limpeza e jardinagem, e preservar inimigos naturais como aves, lagartos e sapos.
O aumento dos acidentes nos grandes centros urbanos está diretamente relacionado a fatores ambientais e antrópicos. O desmatamento, a urbanização desordenada, a precariedade do saneamento e o acúmulo de lixo criam ambientes ideais para a proliferação desses animais. Além disso, as mudanças climáticas, com aumento de temperaturas, estiagens e chuvas intensas fora de época, favorecem a expansão geográfica dos escorpiões e prolongam seu período de atividade. Estudos internacionais apontam que o aquecimento global pode ampliar a distribuição de espécies peçonhentas e aumentar a frequência de acidentes, desafiando ainda mais os sistemas de saúde pública. No Brasil, a combinação de clima tropical, urbanização acelerada e desigualdade social torna o escorpionismo um problema de saúde pública que exige respostas integradas, envolvendo vigilância, educação, controle ambiental, acesso rápido ao tratamento e valorização dos serviços de referência como o CIATox.
* Willian Barbosa SalesBiólogo, doutor em Saúde e Meio Ambiente, coordenador dos cursos de Pós-graduação na área da Saúde do Centro Universitário Internacional UNINTER
Autor: Willian Barbosa Sales*Créditos do Fotógrafo: Pexels/Sharath G.


